‘A quem cabe a política fiscal? Sou eu’: Bolsonaro afirma que redução de IPI não afeta a ZFM e discorda de suspensão do STF

Entrevista com o presidente Jair Bolsonaro (PL) durou mais de cinco horas (Reprodução/YouTube)

09 de agosto de 2022

13:08

Ívina Garcia – Da Agência Amazônia

MANAUS – O presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), durante entrevista ao Flow Podcast, do apresentador Igor Rodrigues Coelho, o ‘Igão’, na noite dessa segunda-feira, 9, falou sobre o decreto de redução de impostos sobre produtos (IPI), publicado em diário extra no último dia 30 de julho e derrubado na noite dessa segunda-feira, 8, pelo ministro Alexandre de Moraes.

Durante a participação na live, que durou mais de cinco horas, Bolsonaro recebeu a informação da nova suspensão parcial do decreto N°11.158, do governo federal, sobre os Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Na nova decisão, Moraes avalia como inconstitucional a redução de impostos de itens que prejudicam a Zona Franca de Manaus.

Entrevista do ‘Flow Podcast’ com o presidente Jair Bolsonaro durou mais de cinco horas (Reprodução/Flow Podcast

A quem cabe a política fiscal? Sou eu. Eu ‘tô’ reduzindo imposto que não afeta a Zona Franca de Manaus“, disse o presidente, ao ler a informação da derrubada de parte do decreto, repassado por um de seus assessores.

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Mais cedo, durante a entrevista, Bolsonaro havia citado a suposta interferência do Poder Legislativo nas ações do Executivo, como a derrubada de vetos presidenciais, como vem ocorrendo no caso dos decretos do IPI.

Meus inimigos políticos de lá (falam): ‘tá vendo, o Bolsonaro quer acabar com a Zona Franca de Manaus’. A ZFM nunca faturou tanto quanto faturou no meu governo, em especial montagem e fabricação de motocicletas, por coincidência quando comecei a fazer as motociatas“, disse o presidente.

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Fabricação de motocicletas no Polo Industrial de Manaus (PIM). (Ricardo Oliveira/ Revista Cenarium)

Motocicletas

De acordo com o histórico anual de produção de motocicletas no Polo Industrial de Manaus (PIM), da Associação Brasileira dos Fabricantes de Motocicletas, Ciclomotores, Motonetas, Bicicletas e Similares (Abraciclo), a produção de motos começou a ter sua ascensão ainda no início dos anos 2000.

Desde que Bolsonaro assumiu a Presidência, em 2018, a produção de motocicletas tem sido equilibrada, foram 1.107.758 unidades produzidas em 2019. No ano seguinte, a produção apresentou uma queda, por conta da pandemia, tendo produzido 961.986 motocicletas. Em 2021, o número voltou a subir, com o total de 1.195.149 unidades produzidas, um aumento de 7,8% na produção desde que assumiu.

O maior número de Bolsonaro registrado em 2021, no entanto, chega apenas a metade do que foi produzido no ano de 2008, durante o segundo mandato do Governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), quando o PIM produziu a marca histórica de 2.140.907 unidades.

Se comparado os primeiros anos de cada presidente, Lula, em 2004, pegou o PIM com produção de 1.057.333 unidades e em seu último ano do primeiro mandato como presidente, em 2007, o mesmo havia construído 1.734.349 unidades, um aumento de 64% na produção.

Bolsonaro durante motociata em Manaus com o líder do Governo no Amazonas, Coronel Menezes (Ricardo Oliveira/CENARIUM)

“Você é motoqueiro, ‘pô'”, disse o apresentador ‘Igão’, e Bolsonaro responde “Pessoal não gosta né (que chamem de motoqueiro), sou motociclista. Quem falou motoqueiro foi o tal de Omar Aziz, o cara é um 171… Quanto é 171 ao quadrado? Faz as contas aí! Vou botar o número do Omar Aziz, bota 171 ao quadrado aí”, disse.

Omar Aziz tem se tornado desafeto do presidente desde que presidiu a CPI da Pandemia, comissão parlamentar de inquérito responsável por investigar supostas omissões e irregularidades nas ações do governo federal do presidente Jair Bolsonaro. O parlamentar também é líder da Bancada Amazonense, que trava uma luta contra os decretos do presidente de redução do IPI.

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‘Trecho do meio’

O presidente cita ainda outros assuntos que envolvem a Amazônia, um deles foi a BR-319. Bolsonaro atribuiu a Tarcísio de Freitas (ex-ministro da Infraestrutura) e Ricardo de Aquino Salles (ex-ministro de Meio Ambiente) a liberação provisória para construção do ‘trecho do meio’ da rodovia. “Foi dada agora, depois de anos, uma licença provisória por parte do Ibama. Isso é trabalho do Tarcísio, trabalho do Ricardo Salles lá atrás, para a liberação ambiental“, disse.

A liberação por parte do Ibama foi avaliada como manobra política por parte de defensores da BR-319, com a justificativa de que etapas importantes do processo, como consultas públicas a comunidades tradicionais, foram ignoradas.

BR-319 no trecho entre Igapó-Açú não possui asfalto (Lalo de Almeida/Folhapress)

No nosso entendimento, a LP [Licença Prévia] ainda não pôde ser emitida, uma vez que as consultas livres, prévias e informadas nunca foram realizadas com os povos indígenas e comunidades tradicionais que serão, diretamente impactados, por uma obra de infraestrutura desta magnitude. Sendo assim, o direito destes povos foi violado”, informou o Observatório da BR-319, rede de organizações da sociedade civil que atuam na região de influência da rodovia.

(Reprodução/YouTube)

Vale do Javari

Bolsonaro foi perguntado sobre as queimadas históricas na Amazônia e relembrou o assassinato brutal do jornalista Dominic Phillips, ‘Dom Phillips’, 57, e do indigenista Bruno da Cunha Araújo Pereira, 41, ocorridos em junho no Amazonas e culpou, novamente, as vítimas por estarem no local.

Quando, de forma covarde como sempre, executaram duas pessoas no Vale do Javari, que é um lá do Reino Unido e um indigenista. Daí um ex-presidente falou: ‘comigo o desmatamento vai ser zero’. Mas lá tem tráfico, tem tudo ali, ali é terra de ninguém, os caras que saíram, pelo amor de Deus, é igual você subir uma comunidade do Rio de Janeiro“, afirmou o presidente.

As falas de Bolsonaro sobre a Amazônia ser ‘terra sem lei’ repetem o discurso que a cantora Anitta deu antes de subir no palco do Rock In Rio Lisboa, em junho. Ela respondeu a jornalistas no local que a Amazônia “é uma grande terra de ninguém” e que “quem se expõe para falar acaba morto.

As falas da cantora foram categorizadas como “infelizes”, “mentirosas” e “irresponsáveis” por apoiadores de Bolsonaro, mesmo que tenham sido ditas em um contexto de alerta para a ausência do Estado em determinadas regiões da Amazônia.

Bruno e Dom desapareceram no dia 5 de junho, na região próxima ao Vale do Javari, no Amazonas (Reprodução)

O governo federal foi considerado omisso no caso ocorrido em Atalaia do Norte, pela demora de enviar forças de segurança para ajudarem nas buscas pela dupla assassinada e também pelas inúmeras declarações do presidente culpabilizando as vítimas de estarem em área considerada perigosa. “É pedir para se dar mal, vai pedir para talvez entrar no micro-ondas“, disse o presidente sobre o local onde Bruno e Dom foram assassinados.

A região onde os assassinatos aconteceram fica em território fronteiriço entre Brasil-Colômbia-Peru e é conhecida como porta de entrada do tráfico internacional, área de pesca ilegal e de garimpo. Crimes esses que os suspeitos de terem matado Bruno e Dom também estão envolvidos, segundo investigação da Polícia Federal.

(Reprodução/YouTube)

Elon Musk

Bolsonaro ainda falou sobre o Nióbio, onde o Brasil detém a maior reserva mundial, com 90% das reservas do metal, localizado na cidade de Araxá, em Minas Gerais. “Temer vendeu a mina de Nióbio de Catalão, em Goiás, para os chineses. A minha parte eu fiz em Araxá, para que não fosse vendido, senão a gente não saberia quem ia comprar aquilo lá. Não podemos, algo que só nós temos, entregar para outro País“, disse o presidente.

No entanto, em outro trecho, quando fala sobre a aplicação do Nióbio em baterias elétricas, junto com Grafeno, outro mineral utilizado no setor elétrico, onde o Brasil possui a segunda maior reserva, Bolsonaro relembra a visita de Elon Musk ao Brasil, ocorrida em maio, em evento com a presença de empresários, com a finalidade de “conectar a Amazônia“.

O presidente Jair Bolsonaro (à esquerda) e Elon Musk no evento “Conecta Amazônia”. (Reprodução/ Twitter)

O apresentador indaga sobre a finalidade da visita de Elon Musk. “Não sei (risos)”, responde o presidente. “Não veio caçar borboleta aqui. Conversei com ele lá, tava com o Fábio Faria (ministro das Comunicações do Brasil). Ele é um cara que raramente sai do seu País, por questões de contrato. Raramente conversa com chefe de Estado e está interessado no Brasil, ninguém vem aqui passear“.

(Reprodução/YouTube)

O evento reuniu Bolsonaro, o ministro das Comunicações e Elon Musk e aconteceu em um Hotel cinco estrelas, no interior de São Paulo. À época, o encontro não constava na agenda oficial do presidente. A AGÊNCIA AMAZÔNIA chegou a questionar, via Lei de Acesso à Informação, sobre a falta de referências acerca do encontro nos canais oficiais do governo federal e a ausência do evento na Agenda Oficial do presidente.

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Quando a AGÊNCIA AMAZÔNIA foi respondida, dias após o evento, as informações haviam sido adicionadas aos canais oficiais do governo federal. No entanto, a visita de Elon Musk e os negócios supostamente fechados com o empresário, como a conexão de rede para escolas na Amazônia, ainda seguem sem avanço.