Abertura de ramais ao Sul da BR-319 invade unidades de conservação e terras indígenas, aponta observatório

Vista de drone da BR-319 no trecho entre Igapó-Acú e Realidade. A rodovia, que não é asfaltada, é o único acesso por terra que liga Manaus ao resto do País. (Lalo de Almeida/ Folhapress)

28 de abril de 2022

13:04

Marcela Leiros – Da Revista Cenarium

MANAUS — A nota técnica “Abertura e expansão de ramais em quatro municípios sob influência da rodovia BR-319”, do Observatório da BR-319, apontou que a expansão da rede de estradas não oficiais, conhecidas como ramais, ao Sul da rodovia BR-319, no Amazonas, tem pressionado unidades de conservação como parques nacionais e terras indígenas.

O estudo analisou a dinâmica de abertura e expansão de ramais ativos em 2021 em quatro municípios localizados ao Sul da rodovia: Canutama, Humaitá, Manicoré e Tapauá. Eles apresentam altos índices de desmatamento e são conhecidos por integrarem a região do “Arco do Desmatamento”.

Leia também: Terra Indígena Karipuna tem mais de mil hectares desmatados em área de influência da BR-319, em 2021

O mapeamento de ramais identificou três regiões onde existem um adensamento maior de ramais, nos municípios analisados. “Um deles [adensamentos] é mais relacionado ao Distrito de Realidade, em Humaitá, que pressiona pelo menos três unidades de conservação. Inclusive um desses ramais já invadiu os limites da Floresta Estadual Tapauá”, explicou a coordenadora.

“Um outro adensamento de ramais também fica na região que pressiona as áreas protegidas do Parque Nacional do Mapinguari e a Terra Indígena Jacareúba/Katawixi, que possui indícios de indígenas em isolamento voluntário, e está sem proteção legal desde dezembro de 2021. Uma terceira região é na área de influência do distrito de Santo Antônio do Matupi, na BR-230, que pressiona diversas áreas protegidas, incluindo três terras indígenas: TI Tenharim/Marmelos, Tenharim/Marmelos Gleba B e Sepoti”, acrescentou Guarido.

Leia também: Estudo sobre obras da BR-319 está sendo realizado sem consulta aos povos indígenas, diz organização

Ramais mapeados em Canutama, Humaitá, Manicoré e Tapauá até o ano de 2021. (Reprodução/ Idesam)

A coordenadora da nota técnica do BR-319 e pesquisadora do Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (Idesam), Paula Guarido, pontuou que os ramais são geralmente construídos para garantir acesso à população a serviços como saúde, educação e até mesmo a outras estradas, mas que as regiões precisam ser melhor monitoradas. “Essas estradas são construídas em locais de baixa governança socioambiental, também podem se tornar vetores de atividades ilegais”, acrescentou.

Expansão

O mapeamento identificou que a expansão de ramais entre 2016 e 2021 nos quatro municípios foi de 1.593 km, correspondendo à abertura de quase duas rodovias BR-319 em cinco anos. A extensão dessa rede tem o total de 4.752 quilômetros e ano de maior crescimento de ramais foi 2020 (crescimento de 14%), com um acréscimo de 560 km de ramais nos municípios pesquisados.

O município que apresentou a maior rede de ramais foi Canutama, seguido por Humaitá, Manicoré e Tapauá. Apesar disso, Humaitá foi o município que mais expandiu sua rede de ramais, em quilômetros, nos últimos cinco anos.

Tapauá, apesar de ser o município com a menor rede de ramais, apresentou a maior taxa de crescimento desse tipo de via entre 2016 e 2021, de 451%. Com exceção desse município, que apresentou um maior acréscimo de ramais no ano de 2018, nos outros três a rede de ramais cresceu mais em 2020.

Paula Guarido ainda adicionou que dados de desmatamento, focos de calor e degradação florestal vêm aumentando principalmente nos últimos anos na BR-319 e há preocupação com a migração dessas atividades para outras regiões.

“Nós vemos isso com preocupação, uma vez que nós observamos que o processo de licenciamento ambiental do trecho do meio da rodovia vem avançando nesse cenário. Então, nesse cenário, a recuperação de uma rodovia tão importante como essa pode fazer com que essas atividades ilegais que estão concentradas ao Sul da rodovia migrem nos municípios mais ao Norte, onde essas atividades acontecem em menor escala”

Desmatamento

O estudo indica ainda que Manicoré é o segundo maior entre os municípios analisados e possui a maior
área desmatada. Devido aos altos índices de desmatamento anuais, integra a lista de municípios prioritários para o combate ao desmatamento, do Ministério do Meio Ambiente, desde 2017.

Canutama é o segundo município mais desmatado dentre os quatro analisados e, por outro lado, é o município com maior percentual de Áreas Protegidas (83% do município). Já Humaitá está posicionado na intersecção da BR-319 com a BR-230, e possui forte relação com a BR-319. Setenta e oito por cento do
território possui ordenamento territorial definido, sendo 56% de Áreas Protegidas. É o terceiro município com maior área desmatada e, recentemente, foi incluído na lista de municípios prioritários para o
combate ao desmatamento, pela Portaria nº 9/2021.

Por fim, Tapauá é o maior município em extensão e possui a menor área desmatada. Quarenta e três por cento do território municipal é demarcado como Áreas Protegidas, mas Tapauá ainda possui uma área pública bastante extensa sem destinação (4.595.672 ha ou 54% da área municipal).

BR-319

A rodovia BR-319 é a estrada que conecta as capitais Manaus (AM) e Porto Velho (RO), cortando o interflúvio Purus/Madeira ao longo de aproximadamente 850 km de extensão. O trecho mais ao sul da
rodovia, que também corresponde ao Sul do Amazonas e faz divisa com os municípios Canutama, Humaitá, Manicoré e Tapauá, selecionados nesse estudo, apresenta uma porção asfaltada, correspondente ao Trecho B da BR-319 e ao Trecho do Meio, ainda sem asfalto.

Veja o estudo na íntegra:

Marcela Leiros – Da Revista Cenarium

MANAUS — A nota técnica “Abertura e expansão de ramais em quatro municípios sob influência da rodovia BR-319”, do Observatório da BR-319, apontou que a expansão da rede de estradas não oficiais, conhecidas como ramais, ao Sul da rodovia BR-319, no Amazonas, tem pressionado unidades de conservação como parques nacionais e terras indígenas.

O estudo analisou a dinâmica de abertura e expansão de ramais ativos em 2021 em quatro municípios localizados ao Sul da rodovia: Canutama, Humaitá, Manicoré e Tapauá. Eles apresentam altos índices de desmatamento e são conhecidos por integrarem a região do “Arco do Desmatamento”.

Leia também: Terra Indígena Karipuna tem mais de mil hectares desmatados em área de influência da BR-319, em 2021

O mapeamento de ramais identificou três regiões onde existem um adensamento maior de ramais, nos municípios analisados. “Um deles [adensamentos] é mais relacionado ao Distrito de Realidade, em Humaitá, que pressiona pelo menos três unidades de conservação. Inclusive um desses ramais já invadiu os limites da Floresta Estadual Tapauá”, explicou a coordenadora.

“Um outro adensamento de ramais também fica na região que pressiona as áreas protegidas do Parque Nacional do Mapinguari e a Terra Indígena Jacareúba/Katawixi, que possui indícios de indígenas em isolamento voluntário, e está sem proteção legal desde dezembro de 2021. Uma terceira região é na área de influência do distrito de Santo Antônio do Matupi, na BR-230, que pressiona diversas áreas protegidas, incluindo três terras indígenas: TI Tenharim/Marmelos, Tenharim/Marmelos Gleba B e Sepoti”, acrescentou Guarido.

Leia também: Estudo sobre obras da BR-319 está sendo realizado sem consulta aos povos indígenas, diz organização

Ramais mapeados em Canutama, Humaitá, Manicoré e Tapauá até o ano de 2021. (Reprodução/ Idesam)

A coordenadora da nota técnica do BR-319 e pesquisadora do Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (Idesam), Paula Guarido, pontuou que os ramais são geralmente construídos para garantir acesso à população a serviços como saúde, educação e até mesmo a outras estradas, mas que as regiões precisam ser melhor monitoradas. “Essas estradas são construídas em locais de baixa governança socioambiental, também podem se tornar vetores de atividades ilegais”, acrescentou.

Expansão

O mapeamento identificou que a expansão de ramais entre 2016 e 2021 nos quatro municípios foi de 1.593 km, correspondendo à abertura de quase duas rodovias BR-319 em cinco anos. A extensão dessa rede tem o total de 4.752 quilômetros e ano de maior crescimento de ramais foi 2020 (crescimento de 14%), com um acréscimo de 560 km de ramais nos municípios pesquisados.

O município que apresentou a maior rede de ramais foi Canutama, seguido por Humaitá, Manicoré e Tapauá. Apesar disso, Humaitá foi o município que mais expandiu sua rede de ramais, em quilômetros, nos últimos cinco anos.

Tapauá, apesar de ser o município com a menor rede de ramais, apresentou a maior taxa de crescimento desse tipo de via entre 2016 e 2021, de 451%. Com exceção desse município, que apresentou um maior acréscimo de ramais no ano de 2018, nos outros três a rede de ramais cresceu mais em 2020.

Paula Guarido ainda adicionou que dados de desmatamento, focos de calor e degradação florestal vêm aumentando principalmente nos últimos anos na BR-319 e há preocupação com a migração dessas atividades para outras regiões.

“Nós vemos isso com preocupação, uma vez que nós observamos que o processo de licenciamento ambiental do trecho do meio da rodovia vem avançando nesse cenário. Então, nesse cenário, a recuperação de uma rodovia tão importante como essa pode fazer com que essas atividades ilegais que estão concentradas ao Sul da rodovia migrem nos municípios mais ao Norte, onde essas atividades acontecem em menor escala”

Desmatamento

O estudo indica ainda que Manicoré é o segundo maior entre os municípios analisados e possui a maior
área desmatada. Devido aos altos índices de desmatamento anuais, integra a lista de municípios prioritários para o combate ao desmatamento, do Ministério do Meio Ambiente, desde 2017.

Canutama é o segundo município mais desmatado dentre os quatro analisados e, por outro lado, é o município com maior percentual de Áreas Protegidas (83% do município). Já Humaitá está posicionado na intersecção da BR-319 com a BR-230, e possui forte relação com a BR-319. Setenta e oito por cento do
território possui ordenamento territorial definido, sendo 56% de Áreas Protegidas. É o terceiro município com maior área desmatada e, recentemente, foi incluído na lista de municípios prioritários para o
combate ao desmatamento, pela Portaria nº 9/2021.

Por fim, Tapauá é o maior município em extensão e possui a menor área desmatada. Quarenta e três por cento do território municipal é demarcado como Áreas Protegidas, mas Tapauá ainda possui uma área pública bastante extensa sem destinação (4.595.672 ha ou 54% da área municipal).

BR-319

A rodovia BR-319 é a estrada que conecta as capitais Manaus (AM) e Porto Velho (RO), cortando o interflúvio Purus/Madeira ao longo de aproximadamente 850 km de extensão. O trecho mais ao sul da
rodovia, que também corresponde ao Sul do Amazonas e faz divisa com os municípios Canutama, Humaitá, Manicoré e Tapauá, selecionados nesse estudo, apresenta uma porção asfaltada, correspondente ao Trecho B da BR-319 e ao Trecho do Meio, ainda sem asfalto.

Veja o estudo na íntegra: