Agricultores ribeirinhos se preparam para período de cheia e mostram desafios

Agricultor José Hélio Furtado mostrando onde nível da água chegou na igreja da Ilha de Jacurutu, no interior do Amazonas (Bruno Pacheco/Cenarium)

12 de abril de 2022

13:04

Bruno Pacheco – Da Revista Cenarium

MANAUS — Agricultores e pescadores que vivem às margens do Rio Negro se preparam para mais um período intenso de cheia no interior do Amazonas. Quase um ano após as águas do Estado alcançarem níveis avassaladores, registrando cotas recordes, ribeirinhos temem novamente a chegada da enchente nas casas de palafita e nas plantações usadas por eles como meio de subsistência.

Na Ilha do Jacurutu, uma área ribeirinha distante a 30 minutos de barco do município de Iranduba, a Comunidade São José passa, em média, seis meses do ano debaixo d’água por se tratar de uma região de várzea. Por conta disso, os moradores sofrem com os impactos da subida da água e acabam perdendo toda a lavoura, precisando se adaptar à realidade do local.

Jurandir Santana, de 56 anos, é agricultor, pescador, produtor de farinha de mandioca e mora há seis anos na comunidade com a família, onde tem plantio de mandioca, macaxeira, batata, milho, tomate, cebola, cheiro-verde e outras espécies de legumes. Segundo Santana, a partir deste mês de abril, a tendência é que o Rio Negro comece a encher e ameace a roça de onde ele tira o sustento diário.

Jurandir Santana mostrando a raiz da macaxeira, colhida após sete meses plantada (Bruno Pacheco/Cenarium)

“Nós plantamos para nosso consumo e para vender. A partir de abril, a tendência é alagar e a gente vai começar de novo lá para o mês de setembro. Nesse período de tempo em que está alagado, a gente pesca. Alguns pescam, outros vão fazer trabalho em terra firme. E assim vamos sobrevivendo”, destacou o agricultor Jurandir Santana.

As plantações, segundo Jurandir, são vendidas no município de Iranduba, na Região Metropolitana de Manaus (RMM). Os alimentos que não são comercializados, são consumidos pela comunidade ou doados. Em 2021, a Ilha de Jacurutu ficou completamente debaixo d’água. O agricultor afirma que a enchente foi a pior e mais horrível que ele viu.

O agricultor vive na Ilha do Jacurutu há seis anos com a família (Bruno Pacheco/Cenarium)

“Foi uma cheia histórica. Uma situação horrível. Foi uma das maiores enchentes de todo o Amazonas em toda a minha existência aqui. Eu tenho 56 anos e foi a primeira vez que eu vi o rio subir tanto. Além disso, a gente ficou submerso”, lembrou Jurandir Santana.

Cheia histórica

Santana comenta à CENARIUM que tem esperança que o nível do Rio Negro em 2022 não chegue ao registrado em 2021. No ano passado, a água chegou, em Manaus, no dia 20 de junho, a cota de 30,02 metros. A marca foi a maior da história desde o início dos registros, em 1902.

“Estamos com a esperança em Deus que não chegue ao nível do ano passado, porque vai ser um desastre, vai acabar tudo e a gente vai ficar à mercê de muitas coisas. Ano passado, algumas pessoas nos ajudaram. Cinco entidades contribuíram com ranchos”, comentou.

O também agricultor José Hélio Furtado, que mora na região há 56 anos, desde que nasceu, conta que a enchente trouxe prejuízos para todos os moradores. À REVISTA CENARIUM, Furtado mostrou a altura que rio o chegou.

“Na alagação de 2021, meu prejuízo foi R$ 10 mil. Passei maus momentos e muitos daqui passaram piores situações que a minha. No ano passado, a cheia veio muito forte. Eu tenho 1,72m e como podemos ver aqui, onde ficou marcado na parede da igreja, a água ultrapassou minha altura”, disse José Furtado, ao apontar para a marca deixada pela água na igreja.

“Pézão” mostrando a marca na parede deixada pela água (Bruno Pacheco/Cenarium)

José Furtado, conhecido na comunidade como “Pezão”, destaca que a agricultura é o principal meio econômico da Ilha e afirma que não dá para viver só da pescaria. Todos os anos, o agricultor espera o período de seca para poder plantar e fazer a colheita para vender na cidade.

“Eu vivo da agricultura. Planto e espero para poder vender alguma coisa. Esse ano [2021], plantei tomate, a água chegou e levou tudo. Mas é algo da natureza e a natureza é perfeita. Não tem quem desmanche isso. Se foi Deus quem levou, não tem porque reclamar. Quando é o homem quem destrói, você tem como brigar”.

Para “Pezão”, os moradores da região precisam ter sempre uma reserva para conseguir superar tempos difíceis ocasionados pela cheia. O agricultor lembra que já faz isso e salienta, à CENARIUM, que usa o recurso guardado para mantimentos pessoais e para comprar sementes.

“Nós sempre temos uma reserva guardada. Por exemplo, estou com dinheiro guardado para comprar sementes. Se eu tenho R$ 2 mil, esqueço mil para comprar semente e plantar. É um dinheiro que você guarda todo ano e quando precisamos dele, usamos”, frisou Pezão.

Nível do rio

De acordo com serviço de monitoramento do Porto de Manaus, a cota do Rio Negro nesta terça-feira, 12, é de 27,91 metros, tendo subido quatro centímetros em um dia. Nesta mesma data, em 2021, o nível da água estava em 27,92m. A marca do rio, pela primeira vez em três dias, não está acima da registrada no mesmo período do ano passado.

Rio Negro voltou a registrar, nesta terça-feira, 12, níveis inferiores ao do ano passado (Thiago Alencar/Cenarium)

O Serviço Geológico do Brasil (SGB – CPRM), no primeiro alerta de cheia para os rios Negro, Solimões e Amazonas, respectivamente, que banham Manaus, Manacapuru e Itacoatiara, não prevê que o nível dessas águas ultrapassem a marca histórica registrada em 2021. Segundo o órgão, em Manaus, a estimativa é que a marca do Rio Negro deve atingir 29,40 metros este ano.

Veja também: CPRM aponta que cheia do Rio Negro deverá chegar a 29,40 metros em Manaus

Para Manacapuru, a previsão do CPRM é de que o nível do Rio Solimões atinja 19,90 metros, em 2022. A chance de que a máxima histórica de 20,86 metros seja ultrapassada este ano é de apenas 4%, conforme o órgão.

Para Itacoatiara, a previsão do CPRM é que o nível do Rio Amazonas chegue em 2022 a 14,70 metros. Segundo o órgão, a probabilidade de que a máxima histórica de 2021 seja alcançada é de 8% apenas. No ano passado, chegou a 15,20 metros.