‘Amazônia sofre as consequências das mudanças climáticas’, diz coautor do relatório do IPCC da ONU

De acordo com Ometto, o documento consolida também a informação de que a Amazônia tem perdido a capacidade em absorver carbono (Ricardo Oliveira/ Revista Cenarium)

01 de março de 2022

15:03

Bruno Pacheco — Da Revista Cenarium

MANAUS — O pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) Jean Ometto afirmou nesta segunda-feira, 28, que a Região Amazônica, em especial a parte Sul, já sente as consequências das mudanças climáticas e do aquecimento global, em meio a pressão do desmatamento. Ometto é coautor de um dos capítulos do grupo de trabalho do novo relatório do IPCC (sigla em inglês para Painel Intergovernamental de Mudança do Clima das Organização das Nações Unidas – ONU).

Em entrevista exclusiva à REVISTA CENARIUM, Jean Ometto ressalta que medidas para salvar o planeta são urgentes e devem ser tomadas o quanto antes. Segundo o pesquisador do Inpe, os eventos extremos impactam, sobretudo, no clima regional da Amazônia e na produção de bens agrícolas.

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“Esse relatório traz uma consolidação muito forte de que as mudanças climáticas já estão impactando os sistemas naturais e sociais do planeta como um todo. E no Brasil, em particular, isso se reflete em alguns aspectos: em produção agropecuária, de energia, especialmente relacionada à hidroeletricidade, se reflete a impactos em regiões costeiras e na disponibilidade hidro”, destacou.

Pesquisador Jean Ometto falou com exclusividade à REVISTA CENARIUM (Reprodução)

De acordo com Ometto, o documento consolida também a informação de que a Amazônia tem perdido a capacidade em absorver carbono. O pesquisador explica que, por conta da Floresta Amazônica ser tropical e úmida e ter uma grande diversidade de vegetação, a região acaba sendo relativamente sensível a períodos de secas muito longos, principalmente, quando associados à degradação do meio ambiente e ao desmatamento.

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“Nas regiões da Amazônia onde esses processos são mais intensos, a gente tem observado um aumento de temperatura um pouco maior e que isso afeta a fisiologia da floresta, que é um ser vivo, precisa de água e de condições adequadas para sobreviver. E quando essas condições deixam de acontecer, aquele ser passa a ter algum problema. Dentro desse contexto, a floresta hoje emite um pouco mais de carbono do que absorve. E em um dos capítulos, colocamos que se a temperatura global passar de 2ºC, alguns processos de degradação florestal, de capacidade de reter carbono, são irreversíveis. Mas isso é uma projeção, não uma observação”, expôs Ometto.

Insegurança alimentar

Os eventos climáticos extremos, mostra o IPCC, expôs milhões de pessoas à insegurança alimentar e hídrica. Segundo Jean Ometto, a Amazônia que acaba dependendo de recursos naturais para a alimentação, como o pescado, demanda fortemente de produtos importados e, quando há um impacto na produção de bens agrícolas, como na produtividade de milho, a produção animal acaba sendo afetada e isso, de certa forma, aumenta o nível de vulnerabilidade.

“E quando pensamos na Amazônia em termos de produção agropecuária ou agrícola, que faz parte da região como uma atividade econômica, acaba que tendo um impacto econômico também e nós temos que modular bastante a produção agrícola voltada para a alimentação direta para as pessoas e a produção voltada para a exportação e fabricação de proteína animal, que tem uma relação menor com a segurança alimentar do que o pacote de produtos que a gente usa”, salientou.

Ações urgentes

As secas e enchentes extremas, como observadas na Amazônia em 2021, o aumento do desmatamento nos últimos anos, a maior emissão de gás carbônico — com taxa maior, inclusive, do que a capacidade de absorção — são efeitos severos das mudanças climáticas causadas pelos seres humanos e que se nada for feito para conter esses fenômenos a tendência é que eles sejam cada vez mais frequentes.

E mesmo que os esforços para deter esses eventos, os impactos seriam severos e frequentemente irreversíveis, conforme o relatório. Caso a temperatura do planeta ultrapasse a temperatura de 1,5ºC, ainda que fossem tomadas decisões para sua redução e depois ela retornasse ao nível que era, no cenário climático chamado de overshoot, uma série de impactos já estaria estabelecida em ecossistemas, energia, abastecimento de água e segurança alimentar.

Impactos do desmatamento podem ser irreversíveis (Ibama/ Divulgação)

Essas constatações do relatório do IPCC, para ambientalistas e ativistas, deixam uma mensagem clara: de que as promessas governamentais não são suficientes e que os governos precisam reforçar e acelerar os cortes de emissões e priorizar uma adaptação centrada para salvar as pessoas e os animais de ondas extremas de calor e da vulnerabilidade alimentar.

“As ações urgentes a serem tomadas, em particular, por conta de mitigação, é fazer com que a temperatura não chegue a esse nível de 1,5ºC, o que vai ser muito difícil. A gente já está em 1,1ºC, quase em 1,2ºC e, para chegar em 1,5ºC não vai demorar muito. Mas tem que tomar medidas muito fortes para mesmo ele chegando em 1,5ºC passe a ter uma curva de retrocesso da temperatura nem que seja na segunda parte deste século”, ponderou Jean Ometto.

Ecossistema

Os impactos “catastróficos” do aquecimento global para a humanidade e os ecossistemas, segundo o relatório, levou metade das espécies estudadas a migrar de suas regiões para polos ou altitudes mais elevadas, com o objetivo de fugir do calor. Além disso, conforme o pesquisador Jean Ometto, algumas espécies chegaram a sofrer com a extinção por conta da intensidade da seca em seus territórios.

“A extinção nós ainda não conseguimos caracterizar claramente, mas o impacto em populações em algumas regiões do Cerrado e da Caatinga já são identificados. Na projeção, nós identificamos que mantendo essa trajetória do aumento de temperatura o impacto sobre essas espécies vai se tornar mais dramático”, frisou o especialista.