Animais de aparência ‘pré-histórica’ diversificam fauna da região amazônica

No mundo amazônico, o que não faltam são animais estranhos que chamam atenção pela aparência e hábitos (Reprodução/Internet)

14 de setembro de 2020

15:09

Mencius Melo – Da Revista Cenarium

MANAUS – Para desmistificar a origem e o real habitat de animais amazônicos, que por vezes podem ser confundidos com bichos de outras faunas, a REVISTA CENARIUM resolveu consultar especialistas e estampar algumas dessas espécies de aparência “pré-histórica” que existem na região.

O debate nas redes sociais surgiu após o compartilhamento do vídeo em homenagem ao “Dia da Amazônia”, realizado no último fim de semana, pelo vice-presidente da República, Hamilton Mourão, e pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, em que o mico-leão-dourado, animal da Mata Atlântica, foi “protagonista” da composição regional.

O primeiro da lista é a matá-matá (Chelus fimbriata), uma espécie de tartaruga pré-histórica cuja aparência pode assustar no primeiro encontro. Desconcertante, o animal é de fato um ser bem antigo. E segundo o biólogo, professor da Universidade Estadual do Amazonas (UEA), Fabiano Gazzi, o matá-matá é um cágado, um grupo de animais que na evolução são próximos dos jabutis e das tartarugas.

Com aspecto assustador, a matá-matá é um animal que desenvolveu a aparência para se misturar ao ambiente e assim fugir dos predadores (Reprodução/Internet)

“Os cágados são animais típicos da água doce, rios e alagados e, sua aparência, que para muitos pode parecer assustadora, é resultado da seleção natural que permitiu a sobrevivência daqueles animais que mais se pareciam (cor e ornamentos corporais) com o ambiente, fato que permitiu que estes animais se “misturassem” com o meio a sua volta e, com isso, fossem menos capturados por predadores”, explicou.

Animal raro, o peixe-serra é uma espécie seriamente ameaçada de extinção (Reprodução/Internet)

“São animais que reagem, podendo atacar, apenas quando são perturbados. Esses animais possuem uma história evolutiva antiga, com fósseis relacionados datando do Mioceno (5 milhões de anos atrás) e, sua reprodução ocorre em determinadas épocas do ano, quando as fêmeas colocam seus ovos em ninhos pouco profundos em regiões úmidas próximas aos rios”, informou o biólogo. 

Acari-bodó

Outro astro da lista é o acari-bodó (Pterygoplichthys pardalis ou Liposarcus pardalis). Peixe que faz parte da cadeia alimentar de muita gente na região norte, o Bodó é servido cozido ou assado. O animal aquático é da família dos peixes que não possuem escamas e sim carapaças. Sua carne é saborosa e é muito apreciado no Amazonas. De acordo com o biólogo Adailton Silva, o bodó é um peixe tropical de água doce da família Loricariidae, ordem Siluriformes.

É originário da bacia hidrográfica amazônica.  Possui respiração aérea facultativo, ou seja, embora seja um peixe que vive no fundo, ele tem a capacidade de respirar o ar da superfície da água durante os períodos de seca ou quando o oxigênio dissolvido é muito baixo.

O bodó tem uma aparência estranha, mas sua carne é altamente apreciada na região amazônica (Reprodução/Internet)

Ele não pode ser considerado pré-histórico, mas apresenta muitas características primitivas que propiciam ao mesmo tempo uma aparência peculiar, pois sua pele é recoberta por placas dérmicas que propiciam proteção a predadores já que possuem o hábito de ficar no fundo de rios e lagos.

Espadarte

Peixe com ‘cara de mar’, o espadarte ou peixe-serra (Pristis pectinata) é um animal raro que pode ser encontrado nos rios da Amazônia. Por ter sido um golfo oceânico há milhões de anos, a região herdou animais aquáticos que são comumente encontrados nos oceanos como caranguejos e camarões, por exemplo. O peixe-serra está ameaçado de extinção já que sua captura se dá acidentalmente, quando seus dentes engatam nas redes de pesca.

Peixe com placas ao invés de escamas, o tamoatá é presente na culinária amazônica, onde é servido cozido (Reprodução/Internet)

Tamoatá

Outra estrela da reportagem é o tamoatá (Hoplosternum littorale). Com cara de “primo” do Bodó, o tamoatá também é um peixe sem escamas, com carapaça. Apelidado de “lagosta amazônica”, o tamoatá, assim como o bodó também está no paladar de muitas cozinhas tradicionais da região amazônica.

“De acordo com o biólogo Adailton Silva, a espécie pertence a ordem Siluriformes, família Callichthyidae. “Possuem o corpo coberto de placas dérmicas que oferecem proteção contra predadores, não possuem escamas. São semelhantes aos bodós, porém, pertencentes a outra família, menores e mais ágeis. Vivem em ambientes pouco profundos ou alagadiços, com distribuição ampla pela América do Sul, da bacia Amazônica ao norte da Argentina”, detalhou.

“Possuem idade máxima de 4 anos, são bentônicos, mas apresentam respiração aérea facultativa. Podem ser considerados bioindicadores devido ao hábito alimentar e sobrevivem em locais antropizados. Seus principais predadores são bagres maiores, pirarucus e jacarés. A primeira reprodução ocorre após um ano de vida e podem ser cultivados comercialmente.

“A reprodução começa com a estação das chuvas. O macho constrói um ninho feito de um cacho de bolhas de muco e matéria vegetal, onde a fêmea deposita seus ovos para posteriormente serem fertilizados pelo macho que guarda os ovos durante a incubação”, descreveu.

Jacuraru

Outro que entra na lista é o jacuraru (Tupinambis teguixin). Espécie de lagarto que lembra o dragão de komodo, o jacuraru é encontrado na Amazônia onde ele tem território de sobra. Conhecido por sua habilidade em roubar ovos, o jacuraru é um animal de sangue frio.

O jacuraru é um exímio ladrão de ovos, cujos alvos são os jacarés e tartarugas (Reprodução/Internet)

De acordo com o biólogo Fabiano Gazzi, o jacuraru é um lagarto nativo da floresta amazônica e pertence a um grupo de lagartos que podem atingir mais de dois metros de comprimento.

“Os animais desta espécie,  geralmente, podem ser observados parados ao sol, muitas vezes, próximos a rochas que auxiliam no processo de elevar a temperatura corporal, já que os lagartos, diferentes de nós, que mantemos a própria temperatura, depende da temperatura do sol, direta ou refletida em rochas, para manter sua temperatura corporal”, observou Gazzi.

A cauda, relativamente longa em relação ao corpo, permite o lagarto atingir altas velocidades sem perder o equilíbrio. Os saberes locais indicam que esses animais são venenosos, no entanto, não existe nenhum relato científico sobre este fato, já que a alimentação da espécie é variada contando como itens como vegetais, pequenos vertebrados e ovos.

“Ladrões de ovos é um termo recorrente relacionado a estes lagartos e, de fato, estudos científicos relatam que a predação de ovos por esta espécie tem causado danos a sobrevivência de várias espécies, tais como a tartaruga da Amazônia”, pontuou o especialista.

O lagarto é um reconhecido dispersor de sementes, sendo de grande importância para o equilíbrio ambiental da região e estudos sobre as propriedades farmacêuticas de sua gordura corporal têm tido ótimos resultados”, comentou.

Saium-de-Manaus

E para fechar a lista está o sauim-de-Manaus (Saguinus bicolor), macaquinho que é natural da região de Manaus, no Amazonas. A pequena espécie de sauim lembra uma gárgula, estátua monstruosa da arquitetura gótica e que também é personagem dos contos medievais. O bichinho vive em família e está na região há muito tempo.

Fabiano Gazzi explica: “O sauim-de-coleira é um macaco do grupo dos calitriquídeos que, atualmente, desperta mais atenção dos pesquisadores devido ao risco de extinção a que está sujeito. Esses macacos chamam a atenção por sua beleza e por serem dóceis, muitas vezes, podendo interagir com humanos, fato que, associado com a destruição do seu habitat, aumenta o risco de extinção. Como muitos outros macacos, a espécie vive em grupos que apresentam hierarquias sociais”, enumerou.

“Esses grupos são geralmente pequenos, podendo haver vários grupos em uma área relativamente pequena de fragmento florestal. A espécie cumpre um papel chave para o meio onde habitam, sendo considerados um dos principais dispersores de sementes do ambiente”, afirmou o biólogo.

“A preocupação com o estado atual da espécie tem motivado ao meio científico propor projetos de reintegração de indivíduos no ambiente, propiciando, um aumento da população e preservação da espécie”, finalizou.