Após mortes em conflito agrário em Rondônia, Comissão Pastoral da Terra repudia presença da Força Nacional

O confronto ocorreu na última sexta-feira, dia 13, e, além das vítimas, outras quatro pessoas estão desaparecidas. (Reprodução/Sesdec)

18 de agosto de 2021

18:08

Iury Lima – Da Cenarium

VILHENA (RO) – A Comissão Pastoral da Terra Regional de Rondônia (CTP-RO) publicou na segunda-feira, 16, uma carta de repúdio à presença e atuação de tropas da Força de Segurança Nacional durante um conflito agrário que vitimou três trabalhadores rurais sem-terra mortos em Nova Mutum Paraná, distrito da capital Porto Velho, distante a pouco mais de 100 quilômetros.

O confronto ocorreu na última sexta-feira, dia 13, e além das vítimas, outras quatro pessoas estão desaparecidas. Segundo a CPT-RO, o fato foi registrado na Fazenda Santa Carmem, um latifúndio semiabandonado que foi ocupado em janeiro deste ano, localizado na região do distrito, ao Norte do Estado. O Governo de Rondônia negou a atuação da Força Nacional.

A Fazenda Santa Carmem, em Nova Mutum Paraná, onde ocorreu o conflito. (Reprodução/Divulgação)

Tragédia em Nova Mutum Paraná

Dos três mortos durante a ação policial, dois eram integrantes da mesma família, sendo pai e filho: Stoco Rodrigues e Kevin Fernando Holanda de Souza. A terceira vítima  era um jovem amigo dos dois, sem identidade informada pela CPT-RO. Após o ocorrido, cinco pessoas foram declaradas desaparecidas. Uma delas, o jovem trabalhador rural Wilson Ferreira dos Santos foi localizado com vida pela família na noite de segunda, 16.

Carta de repúdio

Ao todo, 21 personalidades e organizações da sociedade civil assinam o documento que alega a presença e atuação de tropas da Força Nacional de Segurança no conflito agrário, como regionais da CPT em outros Estados brasileiros, a Ouvidoria-Geral Externa da Defensoria Pública do Estado de Rondônia e profissionais da Universidade Federal de Rondônia (Unir).

O documento diz que o desmonte de políticas públicas (agrárias e socioambientais) objetiva a regularização fundiária para grileiros de terras e empresas ligadas ao agronegócio, desrespeitando e causando atos violentos contra populações indígenas, quilombolas, camponeses, entre outros. “Tais povos devem ser vistos como povos de resistência da terra, da água e do território, que continuamente são vítimas de graves violações de direitos humanos”, destaca um trecho.

Segundo a CPT-RO, o Ministério da Justiça autorizou o envio da Força Nacional para Rondônia com objetivo de atuar por 90 dias. “O destacamento chegou ao Estado em 15 de junho e já executou diversas ações sob a alegação de combater supostas organizações criminosas que invadem propriedades particulares rurais”, ressaltou.

“Em decorrência a esta ação do Estado acobertada pelo manto da “falsa justiça para o campo”, no último dia 13 de agosto de 2021, infelizmente, novo massacre aconteceu em solo rondoniense (…) O ato fatídico que ceifou a vida de três trabalhadores rurais sem-terra, (…) sendo pai e filho mortos em mais esta ação que escancara a real intenção do Estado brasileiro, em específico do Governo de Rondônia, de disseminar o ódio contra o povo do campo, o povo sem-terra”, completou o texto da carta. 

“Sonhos foram interrompidos, a terra foi manchada com sangue inocente”,

Comissão pastoral da Terra Regional de Rondônia em carta de repúdio.
Trecho da carta de repúdio assinada pela CPT-RO e outras organizações. (Reprodução/CPT-RO)

Governo nega

Questionado pela reportagem da CENARIUM, o Governo de Rondônia foi enfático em dizer que “a Força Nacional não participou dessa operação”. Em nota, a Secretaria de Estado da Segurança, Defesa e Cidadania (Sesdec) disse que apenas a Polícia Militar participou da ação, por meio de homens do Batalhão de operações Especiais (Bope) e do Batalhão de Polícia de Choque (BPChoque).

Segundo a pasta, a operação tinha objetivo de combater a invasão ilegal de terras e resultou na apreensão de armas, munições e na prisão de quatro pessoas pela prática de esbulho possessório.

Polícia Militar prende quatro pessoas, mata três e apreende armas e munições. (Reprodução/Sesdec)

A Sesdec ainda afirma que o confronto foi causado pelos próprios camponeses, mas assumiu que a polícia acertou disparos contra os ocupantes da fazenda. “O primeiro motociclista ao se deparar com os policiais que gritavam para que parasse o veículo sacou uma arma de fogo e passou a efetuar disparos enquanto pilotava a motocicleta. Os policiais revidaram efetuando disparos de arma de fogo naquele momento. O piloto da motocicleta continuou o seu percurso na tentativa de fugir dos policiais, contudo caiu mais à frente alvejado”, diz a nota.

“Continuando o patrulhamento na área, uma equipe foi surpreendida por três homens vindo em sua direção. Dois deles efetuaram disparos de arma de fogo com armas longas. Os policiais revidaram a injusta agressão e efetuaram disparos, alvejando dois indivíduos”, relata outro trecho.

Em defesa dos camponeses

Integrante da coordenação da comissão pastoral da Terra Regional de Rondônia, Maria Petronila, que também é defensora das minorias, conversou com a CENARIUM e disse que a CPT-RO, como uma pastoral da igreja católica, tem o dever de estar ao lado dos camponeses e camponesas, oprimidos pelo sistema que acumula para poucos e onde muitos são explorados. 

“Nosso posicionamento é em favor daqueles empobrecidos pela ausência de políticas inclusivas: os  pequenos agricultores, os trabalhadores sem-terra, as comunidades tradicionais que buscam o Estado em primeiro lugar e, ao serem negligenciados e invisibilizados, se organizam em prol de sua sobrevivência e de suas famílias”, lamentou.

De acordo com a CPT-RO, em 2020, 55 mil pessoas estiveram envolvidas em conflitos agrários em Rondônia, sendo 38 pessoas foram presas, 18 ameaçadas de morte, 5 torturadas e 1 assassinada. 

“A tragédia da Fazenda Santa Carmen, lamentavelmente, escancara o despreparo em todos os níveis da nossa força policial, assim como, de nossos governantes que, infelizmente, são guiados para atender a uma pequena parcela da sociedade, a parcela que explora e que induz a ocorrência de mais conflitos no campo. Esperamos que esse fato não seja negligenciado, nem tampouco esquecido. O sangue derramado clama por justiça, uma justiça para todos e todas”, finalizou Petronila.