Após recusa da Sesai, MPF entra na Justiça para garantir exumação de indígenas vítimas de Covid-19 em Roraima

Maloca na Terra Indígena Yanomami. (Guilherme Gnipper Trevisan/Hutukara)

18 de fevereiro de 2022

13:02

Bruno Pacheco – Da Revista Cenarium

MANAUS — O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou na quarta-feira, 16, uma ação civil pública para obrigar a União e o Governo do Roraima a promoverem a exumação e o translado de indígenas Yanomami vítimas da Covid-19 e enterrados nos cemitérios de Boa Vista, em Roraima. A medida foi tomada após a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), órgão ligado ao Ministério da Saúde, se mostrar contrária à remoção dos corpos das sepulturas e se negar a cumprir uma recomendação expedida pelo órgão ministerial, conforme noticiado nesta semana pela REVISTA CENARIUM.

O MPF buscava conversar com órgãos indígenas da região para tentar alcançar um consenso sobre a exumação e prosseguir com a ação, já que outras entidades como os Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs) do Leste de Roraima e Yanomami se mostraram favorável à recomendação. Por outro lado, a Sesai alega risco epidemiológico e indisponibilidade de verbas para a cumprir ação. Em nota, contudo, a procuradoria da República havia adiantado à CENARIUM que analisaria as diligências cabíveis caso as medidas recomendadas não fossem atendidas.

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Para o órgão ministerial, a manutenção dos restos mortais em cemitério viola o direito fundamental de luto dos povos indígenas, que possuem rituais fúnebres próprios realizados por suas comunidades. Na ação, o MPF pede que a exumação e o translado ocorram no prazo de 60 dias e que o Distrito de Saúde Indígena (DSEI/Yanomami) contrate uma empresa especializada para o serviço. A procuradoria pede, ainda, ao Estado de Roraima, a concessão de tutela provisória para que os procedimentos de exumação não sejam dificultados.

Sofrimento prolongado

Os rituais fúnebres de indígenas é visto por lideranças como uma prática sagrada e que, quando um parente morre, as cerimônias pós-óbito devem ser realizadas na aldeia de nascimento e vivência dele. Acredita-se, entre os povos tradicionais, que o cumprimento desses ritos são essenciais para o sossego espiritual do morto. Para o MPF, quanto mais demora na exumação dos corpos, maior acaba sendo o sofrimento dos familiares.

Por conta disso, a procuradoria da República pede, na ação civil pública, a antecipação de tutela no caso. De acordo com o órgão, o tempo decorrido dos sepultamentos acentua o estágio de decomposição dos cadáveres, o que acaba comprometendo a realização dos rituais de passagem e luto. O MPF lembra que a devolução dos corpos já vem ocorrendo no DSEI Yanomami e em outros Estados brasileiros sem haver casos de Covid-19 associados à cerimônia.

Os Yanomami

Mortos pela Covid-19 e enterrados nos cemitérios de Boa Vista, sem autorização das comunidades, os indígenas Yanomami haviam sido transferido de suas aldeias para a capital de Roraima para continuarem o tratamento contra o coronavírus. Por conta das graves complicações da doença, eles não resistiram e foram a óbito. Na época, os rituais fúnebres foram proibidos pela Defesa Civil do Estado, que previu a exumação dos corpos somente após o fim da pandemia.

“O MPF, adotando o princípio da precaução, acompanhou as negociações, buscando subsídios por meio da oitiva de comunidades indígenas, autoridades sanitárias federais, estaduais, municipais e diversos especialistas, para propor, no momento adequado, o retorno dos corpos sepultados”, informou o MPF.