Bolsonaro diz que ‘índio troca tora de árvore por cerveja’ na Amazônia e instituições reagem

Ao lado do delegado da Polícia Federal no Amazonas, Alexandre Saraiva, o presidente Jair Bolsonaro falou sobre os "responsáveis" pelo desmatamento na Amazônia (Reprodução/Facebook)

20 de novembro de 2020

13:11

Paula Litaiff e Gabriel Abreu – Da Revista Cenarium

Manaus – Como faz todas as quintas-feiras, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) fez uma live na noite de ontem, 19, e gerou reação adversa de instituições que representam os indígenas e povos tradicionais da Amazônia.

Ao lado do superintendente da Polícia Federal (PF) no Amazonas, Alexandre Saraiva, o presidente da República mais uma vez tentou atribuir aos indígenas e nativos da região amazônica o aumento do número de desmatamento.

A declaração ocorre no trecho em que Bolsonaro cita o posicionamento da imprensa internacional contra o governo sobre a falta de ações para a proteção às florestas. “As críticas são potencializadas. Existe o desmatamento ilegal? Existe! Existe até locais onde o índio troca uma ‘tora’ por uma Coca-Cola ou cerveja”, disse.

Contrariado

Na sequência da live, o presidente indagou o delegado da Polícia Federal Alexandre Saraiva, sobre a própria declaração, se ele concordava que índios retiravam árvores para trocar as toras de madeiras por cerveja ou refrigerante: “É possível isso? Acontece?”, questionou ele ao delegado.

Visivelmente desconfortável, Alexandre Saraiva tentou amenizar a fala de Bolsonaro, mas contrariou o presidente. “Já aconteceu da madeira em terra indígena ser negociada por valores pífios, mas a grande causa do desmatamento é a fraude nos processos administrativos que foram gerados lá atrás”, afirmou.

Operações

Alexandre Saraiva foi quem liderou a operação Arquimedes que iniciou em 2017 e teve a segunda fase em 2019, e foi responsável por investigar um esquema fraudulento que envolveu mais de 20 empresas grandes empresas, incluindo, multinacionais, que falsificavam selos de legalidade da madeira que saía da Amazônia para o resto do Brasil e outros países.

A investigação da PF indiciou 22 empresários que tinham sociedade em 24 empresas, com capitais sociais que chegam a R$ 10 milhões, e que em menos de dois anos desmataram 10 mil metros cúbicos de madeira. Se a quantidade fosse enfileirada, cobriria a distância de 1,5 mil quilômetros, o equivalente ao percurso entre Brasília e Belém.  

Davos

Não é a primeira vez que o governo federal ataca povos da Amazônia para justificar a alta no desmatamento. No da 21 de janeiro deste ano, o ministro da Economia, Paulo Guedes, declarou no Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, que quem “desmata é o pobre.”

“As pessoas (brasileiros) destroem o meio ambiente porque precisam comer”, disse, sem apresentar dados técnicos. E falou que não há uma “solução simples” para o aumento no desmatamento.

Na época, a declaração do ministro de Bolsonaro foi criticada por cientistas, economistas e formadores de opinião no eixo Rio/São Paulo que apontaram o grande apoio que o presidente recebeu nas Eleições de 2018 de empresários ruralistas.   

Desrespeito

O vice-coordenador da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e líder do povo Wapixana, Mário Nicacio, disse à REVISTA CENARIUM que mais uma vez o presidente Jair Bolsonaro ataca os povos tradicionais da floresta e que mais mostra o seu desinteresse em proteger a Amazônia.

“Uma fala que não tem base em argumentos jurídicos. O governo Bolsonaro está fragilizado em proteger o território nacional, já que cabe ao governo federal proteger os povos indígenas, segundo a constituição federal. E que os povos indígenas são os mais interessados em proteger a floresta. Nós sempre protegemos a floresta. Respeitamos a declaração, mas isso não acontece nas terras indígenas da Amazônia”, defendeu Nicácio.

Para o secretário-geral da Confederação Nacional das Populações Extrativistas (CNS), Dione Torquato, a fala do presidente Jair Bolsonaro endossa a ausência de políticas públicas voltadas para os povos que habitam a floresta.

“É uma tremenda uma ignorância a fala do presidente, algo que remete ao período colonial. Ele coloca que as populações tradicionais extrativistas como se estivesse à mercê das tentações do agronegócio, da exploração ilegal que desejam induzir a legalização da extração de madeira, ouro e outros bens oriundos da floresta”, comentou.