Bruno e Dom: Senado entrega relatório final nesta terça-feira; Opi repudia omissão federal e cobra por justiça

Indígena segura cartaz com imagens de Bruno e Dom Phillips. (Evaristo Sá/AFP)

16 de agosto de 2022

07:08

Iury Lima – Da Agência Amazônia

VILHENA (RO) – O Senado Federal deve apresentar, nesta terça-feira, 16, durante sessão, o relatório final da comissão temporária encabeçada por Randolfe Rodrigues para acompanhar as investigações do duplo assassinato do indigenista Bruno da Cunha Araújo Pereira e do jornalista britânico Dominic Mark Phillips, o “Dom Phillips”, mortos há dois meses, no Vale do Javari, no Amazonas. 

À REVISTA CENARIUM, o indigenista do Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (Opi), Leonardo Lenin dos Santos, disse que espera por resultados concretos, apesar de acreditar que seja pouco provável que a apuração dos senadores traga celeridade judicial para o caso.

“Temos a expectativa de que haja, pelo menos, uma documentação, um registro sobre o desmando e a desconstrução da política sobre proteção de indígenas isolados e da proteção territorial do Vale do Javari, feita por esse governo, que resultou na morte do Bruno e do Dom”, afirmou Lenin, à reportagem.

O jornalista Dominic Mark Phillips, de 57 anos, e o indigenista Bruno da Cunha Araújo Pereira, de 41 anos, foram mortos no início de junho deste ano (Nelson Almeida/AFP)

Comissão do Senado

O documento, de acordo com o Senado, “vai trazer os resultados obtidos a partir de visitas e audiências”. A Comissão Temporária sobre a Criminalidade na Região Norte foi criada em 20 de junho, com previsão de 60 dias de duração. No dia 30 daquele mesmo mês, os parlamentares foram ao Javari para se reunirem com representantes dos povos originários habitantes do território, bem como da força-tarefa de investigação comandada pela Polícia Federal (PF) e demais órgãos envolvidos, além de familiares das vítimas. 

Nessa última segunda-feira, 15, quando Pereira completaria 42 anos, o Opi cobrou celeridade no cumprimento da justiça e repudiou a omissão federal no caso. “Aguardamos, ainda, a retratação das autoridades que vilipendiaram a memória de Bruno e Dom, notadamente o presidente da República e o presidente da Funai”, destacou a organização, em nota. “Marcelo Xavier continua sua gestão omissa e de ataque aos direitos indígenas. Não nos restam dúvidas que a atitude da Funai de desprezo pelo trabalho da Univaja [União dos Povos Indígenas do Vale do Javari] – onde Bruno atuava -, e sua omissão na proteção da TI Vale do Javari, contribuíram sobremaneira para o que ocorreu”, destacou, ainda, o documento.

“Precisamos lembrar, também, que nenhuma ação efetiva foi realizada”, diz Leonardo Lenin.  “A situação nas bases de proteção no Vale do Javari continua a mesma. A insegurança das pessoas que lá trabalham continua a mesma. A situação dos indígenas, também, além do desrespeito da Funai com a Univaja, que ainda segue a mesma coisa”, lamentou o indigenista. 

Leia também: Caso Bruno e Dom: servidor morto em 2019 e líder de pesca ilegal têm ligação com o caso, segundo testemunha

A região do Vale do Javari sofre com o avanço do crime organizado, figurado, especialmente, pela pesca ilegal (Foto: Reprodução)

Contudo, a esperança de Lenin, agora, é de que o relatório do Senado exponha, no mínimo, a “política criminosa do atual governo em relação às questões indígenas da Amazônia”, incluindo o papel dos gestores da Funai na situação que, na avaliação dele, “culminou nos assassinatos”

Legado

Pereira e Phillips foram assassinados por pescadores ilegais na Terra Indígena (TI) do Vale do Javari no dia 5 de junho, mas os restos mortais dos dois só foram encontrados quase duas semanas depois, enterrados numa região de mata. Eles lutavam contra o avanço do crime organizado dentro e no entorno do território. Apesar de quase uma dezena de suspeitos já estarem na cadeia, o crime bárbaro ainda não foi esclarecido pela PF do Amazonas, que segue investigando.

Apesar da negligência, Leonardo ressalta que o que restou de bom em toda essa história foi o exemplo de Bruno que, “sem ingenuidade alguma” – por mais que pudesse parecer um sonho distante -, acreditava em um futuro onde o respeito, a dignidade e a proteção aos Povos Originários e seus respectivos lares fossem uma realidade. “Bruno tinha esperança de que as coisas poderiam melhorar e a certeza de que vale a pena seguir com essa luta junto aos Povos Indígenas, pois são eles quem, aqui no Brasil, realmente protegem as florestas”, disse ele. 

Leia também: Caso Bruno e Dom: ‘Colômbia’ é apontado como líder de quadrilha de pesca ilegal; PF cumpre mandados no Vale do Javari

Bruno Pereira tinha íntima relação com as populações indígenas do Brasil e era considerado um dos maiores especialistas em Povos Isolados (Foto: reprodução)

Fundador e principal articulador do observatório, o especialista em povos isolados era tido como um dos mais importantes indigenistas de sua geração, na avaliação de Lenin e de tantos outros colegas de profissão e missão de vida. “Fica uma ausência muito grande, sobretudo para os povos com quem ele atuava no Vale do Javari”, lamentou. 

Mesmo com profunda tristeza, quem também encontrou coragem para prosseguir foi a antropóloga Beatriz Mattos, viúva de Pereira. “Agora que os espíritos do Bruno estão passeando na floresta e espalhados na gente, nossa força é muito maior”. Foi com esta declaração dela, que o Opi eternizou o legado do indigenista, em nota de reflexão, reconhecimento e alusão à data que deveria ser de festa para Bruno, familiares e amigos.

Leia também: Acusados pela morte de Bruno e Dom são transferidos para Manaus; PF segue investigando existência de mandante