Comunidade de indígena morta por garimpeiros é destruída pelo fogo e moradores desaparecem, diz Yanomami
29 de abril de 2022
11:04
Bruno Pacheco – Da Revista Cenarium
MANAUS — O presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Ye’kuana (Condisi-YY), Júnior Hekurari Yanomami, disse nessa quinta-feira, 28, que a aldeia Aracaçá, na região de Waikás e Palimíu, em Roraima, foi destruída pelo fogo e os moradores desapareçam.
O lugar era onde vivia a adolescente Yanomami de 12 anos, violentada sexualmente e morta por garimpeiros. Segundo o líder indígena, a suspeita é que o corpo da jovem tenha sido cremado, como parte de um ritual fúnebre comum e tradicional da etnia.
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De acordo com relato do líder indígena à REVISTA CENARIUM, a situação foi observada após a visita à comunidade realizada pelo conselho, a Polícia Federal (PF) e o Ministério Público Federal (MPF). Além disso, conforme Júnior Yanomami, grupos de moradores não indígenas, mas que vivem na região e trabalham junto com garimpeiros, tentam atrapalhar as investigações das autoridades.
“Eles confundiram muito as informações para nós. A comunidade original não está lá, ela foi queimada. Acreditamos que, com essa queimação, o corpo foi cremado também para que os indígenas façam seu ritual”, reportou Júnior Yanomami. Ainda segundo o presidente da Condisi-YY, foi relatado-lhe que os indígenas teriam recebido orientação e valores de garimpeiros para realizar o ato fúnebre.
Destruição
Em vídeos enviados por Júnior Yanomami à CENARIUM, é possível ver a destruição causada pelo fogo em Aracaçá. Segundo o presidente do Condisi-YY, abandonar uma comunidade após a morte de um ente familiar é também uma cultura pertencente aos Yanomami da região, como no caso da adolescente morta e abusada sexualmente por garimpeiros.
“Segundo falei com as lideranças Yanomami, quando morre alguém eles abandonam a comunidade”, disse o presidente do Condisi-YY.
Na região, pelo menos 24 indígenas Yanomami viviam nas casas de palafita, às margens do Rio Uraricoera. Em outro vídeo gravado durante sobrevoo de helicóptero pela comunidade, Júnior Yanomami mostra as casas e aldeias abandonadas em meio à Floresta Amazônica.
Adolescente Yanomami
O caso da adolescente, de 12 anos, foi denunciado na segunda-feira, 25, por Júnior Hekurari Yanomami. Nas redes sociais, o indígena relatou que a morte da menina aconteceu quando um grupo de homens do garimpo invadiu a comunidade e levou a jovem e outras duas mulheres. A tentativa de sequestro resultou no sumiço de uma criança de 4 anos, filha de uma das adultas, que desapareceu no Rio Uraricoera.
A suspeita é que a criança e a mãe estariam tentando se defender dos garimpeiros, quando a filha da mulher se desequilibrou do bote em que estavam navegando. Os indígenas, revoltados e transtornados com a situação, foram orientados a não reagirem, pois os garimpeiros poderiam estar fortemente armados.
A comunidade fica no município de Alto Alegre, na Terra Yanomami. A região se tornou uma espécie alvo de exploração ilegal de ouro sendo rota usada por garimpeiros para chegar aos acampamentos ilegais no meio da floresta. Com 27 mil indígenas, a região é considerada a maior reserva indígena do Brasil, com quase 10 milhões de hectares entre os Estados de Roraima e Amazonas.
Em nota publicada na quarta-feira, 27, a Hutukara Associação Yanomami (HAY) também se pronunciou sobre o episódio e exigiu a retirada dos garimpeiros da região de Waikás, em Roraima. A associação ressaltou que está acompanhando o caso e salientou que, se confirmado, o episódio de violência sexual contra crianças e adolescentes não é o único ocorrido na região.
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Além da associação, a ministra Cármen Lúcia do Supremo Tribunal Federal (STF) pediu, na quinta-feira, 28, investigação e esclarecimento sobre os fatores que rondam a morte da menina indígena. O pedido foi realizado durante a abertura de sessão do STF. Carmén Lúcia afirmou que as mulheres brasileiras vivem um “descalabro de desumanidades”.
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“Não é possível calar ou se omitir diante do descalabro de desumanidades criminosamente impostas às mulheres brasileiras, dentre as quais, as indígenas, que estão sendo mortas pela ferocidade desumana e incontida de alguns”, declarou a ministra.