Covid-19 é letal em 150% de indígenas da Amazônia; fake news pode elevar estatística, diz Coiab

Indígenas do Alto Rio Negro sendo vacinados contra a Covid-19 (Foto: Tenente Coronel André Oliveira/Ministério da Defesa)

14 de março de 2021

07:03

Jennifer Silva

MANAUS – A taxa de mortalidade pela Covid-19 entre os indígenas da Amazônia Legal é 150% maior se comparado à média nacional, de acordo com uma análise feita pela Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e o Instituto de Pesquisa da Amazônia (Ipam). Outro entrave que os indígenas precisam enfrentar são as chamadas fake news, que prejudicam a adesão de aldeias indígenas à vacinação. Especialistas falaram sobre o tema com a CENARIUM, apontando ações que podem diminuir esse índice tão elevado, Eles sugerem políticas específicas para evitar propagação das fake news e o aumento da vacinação.

Para Martha Fellows, pesquisadora do Ipam, o estudo se faz relevante por chamar a atenção das autoridades governamentais no sentido de fortalecer a implementação de políticas públicas específicas ao enfretamento da pandemia pela população indígena.

“As políticas de saúde específicas aos povos indígenas estão sendo tratadas de maneira retrógrada. Eles precisam pensar em ações de curto, médio e longo prazo que garantam à vida para essa população. O primeiro passo seria atender a todos, sem restrição de índios que moram nas aldeias e aqueles que vivem nos centros urbanos, acabando com o preconceito e o racismo contra eles. A segunda ação seria fortalecer o sistema de saúde para que os índios também possam ter acesso a cuidados necessários que viabilizam uma melhora dos quadros mais complexos da Covid-19, porque há uma deficiência de estrutura nas Casas de Saúde Indígena”, comenta.

Segundo a advogada e pesquisadora dos direitos dos povos indígenas, Ana Veria, os povos indígenas são desfavorecidos em suas necessidades básicas, como a infraestrutura, o saneamento básico e o atendimento primário para os mais diversos problemas que surgem nas aldeias mais remotas. “As políticas ambientais e indigenista não os protegem das invasões de suas terras e do contato com madeireiros, grileiros, garimpeiros, cuja presença nas aldeias leva as mais diversas doenças, para as quais esses povos não têm defesa. Logo, qualquer contato com o vírus vai provocar uma tragédia devastadora nesses povos, por isso uma mortalidade tão alta”, afirmou a especialista.

Em relação às chamadas fake news, Ana as classifica com “extremamente perigosas” para a proteção dos povos indígenas. “Algumas comunidades indígenas são aliciadas por pessoas com interesses na exploração dos recursos desses povos, o que os levam a ser facilmente enganados por auxílios superficiais, que não apenas não resolvem os problemas, quanto os tornam dependentes dessa “ajuda”. Logo, quando essas notícias falsas chegam até as comunidades, geram desinformação, falta de confiança nos órgãos públicos – ausentes na garantia dos direitos indígenas – e medo de estarem sendo enganados por quem sempre esteve ausente”, enfatizou a advogada.

Ana Veria apresentou, para a CENARIUM, alguns pontos que podem ser classificados como combate às fake news. Segundo a especialista, entre as medidas mais eficazes estão a criação de hospitais de campanha mais próximos dos locais os povos mais vulneráveis estão, a ajuda dos próprios indígenas que são lideranças nas suas aldeias, para que antropólogos e indígenas lutem junto no intuito de garantir a informação correta e a conscientização sobre a importância da vacina e a mobilização para levar medicamentos e vacinas, bem como orientação sobre as normas sanitárias a serem seguidas.

Uma tragédia em curso

O novo coronavírus continua avançando entre a população indígena no Brasil. Na última sexta-feira, 12, o país atingiu a marca de 1.002 indígenas mortos em decorrência da Covid-19. O dado é do Comitê Nacional de Vida e Memória Indígena, criado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).

‘Vacina Parente’

Em favor da população indígena, para evitar a disseminação das chamadas fake news e estimular que os indígenas se vacinem, a Fundação Amazonas Sustentável (FAS) criou a campanha #VacinaParente.

O material informativo em áudio foi produzido com o objetivo de conscientizar de que a vacina salva vidas e é segura para imunizar a população indígena do Brasil e em especial do Amazonas. “Nós, povos indígenas, somos resistência. Nós resistimos há mais de 520 anos. A resistência é feita de lutas, é feita de muitas formas”, declarou a ativista indígena, Samela Sateré Mawé.

As peças são divididas em seis vídeos que explicam de forma simples como as vacinas funcionam e como são prejudiciais as falsas informações que visam confundir a população. Ao final de cada peça, um convite: faça sua parte, tome a vacina, proteja a si mesmo e toda a comunidade. A ideia é estimular o compartilhamento dos áudios para o máximo de “parentes” indígenas através dos aplicativos de mensagens.

Campanhas de apoio às populações tradicionais visam conter a disseminação do novo coronavírus e evitar mais mortes entre os indígenas (Reprodução/Giulia Aguiar-FAS)

“Então, parentes, quando a equipe de vacinação chegar na sua aldeia, tome a vacina. Não acredite em fake news, não acredite nessas mentiras que estão sendo enviadas via WhatsApp, via Facebook. É muito importante que nós, povos indígenas, estejamos protegidos dessa doença. Então, vacina parente!”, convoca a jovem Samela Sateré Mawé.