Criador de página que une literatura com funk, influencer do AM mostra olhar da periferia em evento em SP

Com a ideia de levar conhecimento para a periferia e mostrar que é possível trazer reflexões sobre filosofia e política para os jovens, Daryel Teixeira criou a página de humor "Funkeiros Cults" (Divulgação)

04 de julho de 2022

21:07

Ívina Garcia – Da Agência Amazônia

MANAUS – Nascido nas favelas, o gênero funk já garantiu seu espaço na sociedade e, apesar de ainda existir preconceito, muitos estudiosos, como a professora de História Juliana Bragança acreditam que as negativas sejam mais contra quem escuta do que com a forma de fazer a música, que é caracterizada por batidas simples e letras sem grandes complexidades.

“Não é segredo para ninguém que o funk é nascido e criado à margem da indústria fonográfica. DJ Marlboro, por exemplo, já declarou em diversas entrevistas sobre a dificuldade que foi lançar o disco Funk Brasil – ele mesmo, marco inicial do nosso movimento”, conta a especialista no gênero, em uma rede social.

Muitos atribuem aos ‘funkeiros’ o estigma de não ser muito letrado, ter pouca cultura, e marginalizam ainda mais o gênero. Foi com essa ideia de levar conhecimento para a periferia e mostrar que é possível trazer reflexões sobre filosofia e política para os jovens que Dayrel Teixeira, manauara de 23 anos, criou a página de humor “Funkeiros Cults”.

Página manauara ‘Funkeiros Cults’ já atingiu mais de 280 mil seguidores no Instagram (Divulgação)

Com mais de 280 mil seguidores, no Instagram, a página publica imagens de jovens trajados com roupas comuns de periferia e óculos modelo ‘juliet’, com frases reflexivas que resumem livros famosos sobre filosofia e sociedade. Dayrel contou à AGÊNCIA AMAZÔNIA que tudo começou com uma brincadeira em que ele passou a fotografar os amigos e, rapidamente, a página viralizou.

Moradores do bairro Compensa, Zona Oeste de Manaus, conhecido como um bairro perigoso e marginalizado, Dayrel e os jovens transformaram a brincadeira em uma alavanca, usando o estigma da marginalidade como impulso para mostrar que nem todo jovem da periferia é bandido.

Dayrel Teixeira, manauara de 23 anos e criador da página Funkeiros Cults (Reprodução)

“O projeto foi idealizado em 2020, mas eu já vinha pensando nele faz tempo, mas só coloquei em prática no começo da pandemia. E eu comecei fotografando amigos, como uma brincadeira, mas já levantando essa bandeira de quebrar o estereótipo que se tem do jovem da periferia, do jovem que curte funk ou forró”, explica.

Na época, Dayrel criou um grupo no Facebook com mais de 60 mil pessoas, onde outros jovens mandavam fotos com livros no mesmo formato feitos na página de humor. Foi a partir desse momento que o idealizador passou a tratar a página como um projeto e não só mais uma página de entretenimento.

“Minha ideia com o projeto sempre foi mostrar um olhar diferente do jovem da periferia, tanto que o bordão que eu criei para a página foi ‘o juliet não nos impede de ver novos horizontes’, sabe? Esse é o nosso bordão”, explica Dayrel. O juliet usado como referência é um tipo de óculos lançado pela Oakley, em 1997, popularizado em 2010, após a disseminação do funk ostentação e é, atualmente, símbolo do movimento “mandrake”, termo em inglês que se popularizou no Brasil para descrever o estilo dos frequentadores de baile funk e forró.

Com o sucesso da publicação onde Dayrel aparece segurando o livro “A Metamorfose”, de Franz Kafka, publicado em 1915, a página alcançou inúmeros locais e Dayrel chegou a dar entrevista para a TV Cultura, chegando a ser citado pelo filósofo, jurista e professor Silvio Almeida, em entrevista no Roda Viva, e chegaram a realizar uma publicidade com a Netflix, sendo uma das únicas páginas do Amazonas a conseguir esse feito.

“A gente saiu na Netflix, e ver meus amigos no Instagram oficial da Netflix é muito legal, isso deu muita visibilidade para a página”, diz.

Parceria entre a página Funkeiros Cults e a Netflix alavancou ainda mais o perfil na rede social (Reprodução)

Com o tema “Funk na Cabeça – Desconstruções a partir do Gênero”, Dayrel foi convidado a participar de bate-papo em São Paulo, no próximo dia 6 de julho, pelo Sesc-SP e o vídeo de divulgação da Funkeiros Cults com o Sesc já bateu 300 mil visualizações no perfil oficial do Sesc-SP, o que deixou o jovem empolgado em levar mais uma vez, o olhar do Norte e da periferia para os jovens.

“Eu acho que até o momento, esse convite é uma das maiores conquistas que a ‘funkeiros’ conseguiu. É uma parada na qual estou muito ansioso, com bastante expectativa”, diz sobre evento em SP. “Eu digo que é a maior conquista, porque vai ser uma ocupação de um mês da ‘funkeiros’ no Sesc, e eu acho essa parada da gente da periferia estar nesses locais culturais muito importante”, diz.