Da ‘boiada’ ao maior confisco de madeira na Amazônia: veja o que levou à exoneração de Alexandre Saraiva na PF

Alexandre Saraiva apresentou queixa-crime contra o ministro do Meio Ambiente nesta quinta-feira, 15.(Divulgação)

15 de abril de 2021

18:04

Bruno Pacheco e Jennifer Silva

MANAUS – A saída do chefe da Polícia Federal do Amazonas (PF-AM), Alexandre Saraiva, pode estar relacionada com a troca de farpas com o ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, a tese de doutorado sobre ações de combate ao desmatamento e a maior apreensão de madeiras na Amazônia. Com isso, a substituição do comando do órgão feita nesta quinta-feira, 15, foi consumada com uma denúncia formal contra Salles.

O episódio ocorre após o superintendente da PF-AM enviar ao Supremo Tribunal Federal (STF), nessa quarta-feira, 14, uma notícia-crime contra o ministro Ricardo Salles e o senador Telmário Mota (Pros-RR), alegando a possibilidade de ocorrência dos crimes de advocacia administrativa, organização criminosa e o crime de “obstar ou dificultar a ação fiscalizadora do poder público no trato de questões ambientais”.

Trecho da denúncia de Alexandre Saraiva enquanto superintendente da PF. (Reprodução/PF-AM)

A ação foi uma reação de Saraiva à investida de Salles e Telmário em relação à operação no Pará, na qual o ministro e o senador têm feito declarações contrárias à operação da Polícia Federal que levou à apreensão. Para o superintendente, eles tiveram uma parceria com o setor madeireiro para causar “obstáculos à investigação de crimes ambientais e de buscar patrocínio de interesses privados e ilegítimos perante a administração pública”.

Segundo o delegado, o argumento do ministro sobre a legalidade da retirada da madeira não corresponde com a verdade, já que as terras seriam derivadas de grilagem. No entanto, a saída de Alexandre Saraiva já estaria sendo cotada desde a chegada do novo ministro da Justiça, Anderson Torres, em março deste ano, segundo o site de Notícias UOL.

‘Boiadas não passarão’

Em 22 de maio de 2020, durante uma reunião ministerial, Ricardo Salles sugeriu ao presidente Bolsonaro (sem partido) “passar a boiada” e mudasse as normas ambientais enquanto a mídia estaria voltada para a Covid-19. À época, as declarações foram criticadas por ativistas que pediram, em manifestação em frente ao Ministério do Meio Ambiente (MMA), em Brasília, a saída do ministro do cargo.

Ricardo Salles, durante reunião ministerial com o presidente Jair Bolsonaro (Reprodução)

Maior apreensão

Em dezembro do ano passado, uma operação da Polícia Federal entre o Pará e o Amazonas culminou na maior apreensão de madeira nativa da história do País, com a retenção de 131,1 mil metros cúbicos de toras, quantidade que daria para construir cerca de 2.620 casas populares. A ação da PF, no entanto, foi criticada por Salles, que chegou a afirmar que houve falhas na operação e que as empresas proprietárias das toras teriam razão para contestar a investigação.

“E a preocupação que nós temos também diz respeito à velocidade com que essa resposta tem que ser dada. Algumas madeiras já estão apodrecendo, com brocas, com fungos. O que nós vimos aqui na semana passada em relação às árvores foi que todas estão etiquetadas. Os proprietários que aqui vieram informaram que são áreas que têm escrituras, cujos planos de manejo foram apresentados na Secretaria estadual do Pará de Meio Ambiente, que obtiveram as licenças. Essas foram as afirmações dos proprietários”, disse Salles à Folha de S. Paulo, à época.

Neste mês, em visita ao Pará, Alexandre Saraiva rebateu Salles e disse ao jornal paulista que é a primeira vez que vê um ministro do Meio Ambiente ir contra uma ação que visa proteger a floresta. “É o mesmo que um ministro do Trabalho se manifestar contrariamente a uma operação contra o trabalho escravo”, afirmou o então superintendente.

Tese de doutorado

Alexandre Saraiva defendeu uma tese de doutorado em 25 de fevereiro deste ano, onde apontava que a preservação da Amazônia depende da modernização do combate às ações organizacionais criminosas, que segundo ele, há uma atuação fraca do Estado no combate a esses crimes ambientais. O estudo faz parte do Programa de Pós-Graduação em Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia (PPGCASA), da Universidade Federal do Amazonas (Ufam).

Tese aponta que a preservação da Amazônia depende da modernização do combate às ações organizacionais criminosas (Ricardo Oliveira/Revista Cenarium)

“O processo de destruição de uma floresta é dinâmico. Tem fases que podem variar de acordo com várias circunstâncias. É verdade que a agricultura e pecuária tiveram participação relevante no desmatamento nos anos de 1980. Hoje, a primeira causa do desmatamento é a ausência do Estado, isso precisa ser monitorado de forma mais efetiva”, indicou Saraiva, na época.

Na tese, Saraiva trata sobre licenças para exploração de madeiras ser a principal ferramenta utilizada para o desmatamento. De acordo com ele, na atuação dos criminosos também estão inclusas as falsas declarações de posse/propriedade, bem como falsos planos de manejo, inventários florestais inventados e declarações de exercício de atividade agropecuária.