Desenvolvimento da sociobiodiversidade passa pela proteção de territórios, apontam especialistas

O cupuaçu, fruto do cupuaçuzeiro. (Shutterstock)

24 de junho de 2022

21:06

Marcela Leiros- Da Agência Amazônia

BRASÍLIA – Os desafios e potenciais de integrar economia, meio ambiente e responsabilidade social, ou seja, a sociobiodiversidade, foi o tema debatido, nesta semana, em audiência pública no Senado, em Brasília. Entre os pontos expressados por especialistas e pessoas que vivem esses desafios diariamente, a necessidade de proteger territórios e garantir os direitos de comunidades tradicionais foi um consenso entre todos.

A gestora da cooperativa Copabase e agricultora familiar Dionete Figueiredo lembrou dos desafios diários enfrentados pelas 300 famílias cooperadas que trabalham com agroextrativismo sustentável. Segundo ela, o principal impedimento para o desenvolvimento dessa economia, na cooperativa, é o conflito entre normativas e as dificuldade de organização dos pequenos negócios.

Eu venho falar o quanto é difícil a gente se organizar, garantir que 300 famílias consigam colocar seu baru [uma castanha nativa do Cerrado] na porta da Copabase. As pessoas lá fora, às vezes, querem comprar, mas não temos os meios para organizar essa produção, para ajudar os extrativistas a se capacitarem, para entender o processo de regras sanitárias”, disse ela.

Leia também: Insegurança alimentar: Brasil tem 33 milhões de pessoas que passam fome, diz pesquisa

Ela explicou ainda que as burocracias também prejudicam o avanço da agricultura. “A gente tenta manter uma equipe de técnicos para ajudá-los nas gestões dos processos de organização, é tanta burocracia, nota fiscal de logística, é combustível que sobe todo dia. E o mercado é cruel, não tem margem para erro. Nos nossos empreendimentos, a gente não tem capital e não tem acesso a política pública de crédito para organizações como a nossa, por mais que tenha balanço, contrato social”, reiterou.

Da esquerda à direita: Dionete Figueiredo, Mônica Nogueira, Fabiano Contarato e Dione Torquato. (Pedro França/ Agência Senado)

Proteção de territórios

O secretário geral do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), Dione do Nascimento Torquato, pontuou que não é possível falar de uma economia de sociobiodiversidade sem falar da proteção dos territórios tradicionais de uso coletivo, da valorização do modo de vida dos guardiões da flores, do campo e das águas.

“Infelizmente, no momento que extamos vivendo, não demonstra um momento muito favorável para essa agenda socioambiental no país e nossa história tristemente será marcada por um momento sombrio. O maior reflexo talvez dessa triste realidade são os inúmeros casos de conflitos territoriais fundiários. As mortes de lideranças ativistas nos campos e a invasão massiva dos nossos territórios tradicionais de uso coletivo, em especial as reservas extrativistas e as terras indígenas“, disse ele na audiência.

Leia também: Retratos da fome: no AM, moradores ‘garimpam’ alimento em lixão

Torquato enfatizou ainda a importância da sociobiodiveridade no enfrentamento à fome e insegurança alimentar, que tem atingido cada cada vez mais famílias. Uma pesquisa sobre o tema, divulgada neste mês, indicou que atualmente, 33 milhões de pessoas passam fome no País.

É importante falar da economia da sociodiversidade no enfrentamento e no combate à fome, que hoje mata aqueles que não tem o que comer. O país precisa urgentemente de uma solução viável, não podemos excluir historicamente aqueles que já são oprimidos, e não podemos criminalizar aqueles que são vistos como vulneráveis. Precisamos fortalecer a economia da sociodiversidade por meio de política públicas”, disse ele.

Vínculos

A professora e pesquisadora da Universidade de Brasília (UnB), Mônica Nogueira reiterou que é preciso compreender a sociobiodiversidade como relações de interdependência entre modos de produção e de vida de povos indígenas, comunidades quilombolas, comunidades tradicionais diversas.

Esses povos informam sobre vínculos profundos que tem com as paisagens que manejam, e esses vínculos se dão porque ao paisagens que lhe oferecem sustento, oferecem também memória, conhecimentos que foram aprendidos por processos de experimentação por muitas gerações. É esse ordem de vínculo que os predispõe também a defender e conservarem essas áreas como a própria vida. Essa é uma primeira relação que caracteriza a sociobiodiversidade e vai caracterizar a economia da sociobiodiversidade”, disse ela.

Nogueira ainda explica que outra relação importante é da economia da sociobiodiversidade com a sociedade brasileira e global. “Oferecendo produtos sim, alimentos sãos pra sociedade brasileira, mas também serviços ecossistêmicos para a sociedade global: cuidados com a água, com a biodiversidade, com o clima, que realmente jogam um papel para que além daquela comunidade local entender que estão contribuindo para o seu destino, eles também contribuem para o nosso futuro“, finalizou ela.