Desmatamento aumentou mais de 60% na Terra Indígena Apyterewa, no Pará, a mais pressionada da Amazônia

Terra indígena também sofre com o garimpo ilegal, que tem porta de entrada pelo Rio Xingu, segundo o Imazon (Apib/Reprodução)

12 de agosto de 2022

21:08

Iury Lima – Da Agência Amazônia

VILHENA (RO) – Desde o ano passado, os cerca de 1.800 indígenas Parakanã, que vivem no território Apyterewa, localizado no Pará, vêm sofrendo – mais intensamente – as investidas da cadeia de economias ilícitas ligadas ao crime ambiental. É o que mostra a mais recente edição da pesquisa “Ameaça e Pressão de Desmatamento em Áreas Protegidas”, publicada nesta semana pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). Lá, a destruição da mata cresceu 61%, apenas, nos últimos três meses, e a conclusão dos cientistas da organização é que a Terra Indígena (TI), que já foi a mais desmatada, em 2021, entre todas da Amazônia, continua sendo, hoje, a mais propensa a perder novas áreas. 

Prova dessa destruição galopante foram os 1.400 campos de futebol de vegetação arrancados do solo só em junho, o último período analisado pelo Imazon. Isso é mais da metade (52%) de todas as áreas de floresta queimadas ou transformadas em pasto dentro das TIs amazônicas, naquele mês.

Menos de 800 pessoas vivem na Terra Indígena Apyterewa, território pressionado pelo desmatamento e pelo garimpo (Reprodução)

Crime que se repete

A elevação nas taxas de destruição dentro da TI é relativa ao primeiro trimestre de 2022. De janeiro a maio, foram explorados algo em torno de 1.200 campos de futebol, portanto, 12km². Já entre os meses de abril, maio e junho, o desmatamento se alastrou por mais de 1.900 campos de futebol: 19,4km². 

Somando os dois trimestres, a reserva perdeu mais de 30km² (Thiago Alencar/CENARIUM)

A soma do desmatamento ocorrido na Terra Indígena Apyterewa, em todo o primeiro semestre deste, revela que o território perdeu 32,4km² de vegetação nativa.

Esse é um reflexo do avanço devastador que atravessa a Amazônia, não dá trégua e muito menos poupa áreas de conservação ambiental em seu caminho. Só em 2021, quase 3% da destruição do bioma amazônico ocorreu dentro de terras indígenas.

Ameaça e Pressão

Monitorando tudo do alto, com imagens de satélite, o Imazon concluiu que o lar dos Parakanã foi a TI mais pressionada pelo desmatamento entre abril e junho.

No topo da lista, o território divide espaço com outras quatro TIs localizadas no Pará, Estado recordista na degradação da Floresta Amazônica. Em terceiro, ficou a casa do Povo Karipuna, de Rondônia, também listada em 2021 como uma das mais cercadas pelo desmatamento.

Das dez terras indígenas mais pressionadas pelo desmatamento, cinco estão no Pará (Thiago Alencar/CENARIUM)

Para o Instituto, “ameaça” é onde a ocorrência de desmatamento na vizinhança de uma reserva – num raio de até 10 quilômetros -, indica o risco de que a destruição possa avançar para dentro da unidade. Já o termo “pressão” é empregado para classificar a concretização dessa ameaça, ou seja, o desmatamento dentro de uma AP. No segundo caso, a devastação pode levar até mesmo à redução ou redefinição dos limites da área.

A Apyterewa também foi o quarto território, entre todos os tipos de Áreas Protegidas (APs) mais pressionadas no segundo trimestre de 2022. O Pará tem seis APs nesse ranking; duas são de Rondônia, uma é do Acre e, a outra, fica em Mato Grosso. 

Assim como em 2021, a TI Karipuna, de Rondônia, apareceu entre as mais pressionadas (Thiago Alencar/CENARIUM)

Pesquisadora do Imazon Bianca Santos cita à reportagem alguns dos fatores que colaboram para a reiterada ocorrência de crimes ambientais na TI dos Parakanã, incluindo a localização do território, “pois a Terra Indígena Apyterewa fica dentro do município de São Félix do Xingu, que é onde o avanço do desmatamento tem sido intenso e desordenado, além do seu fácil acesso pelo Rio Xingu, que tem servido como porta de entrada para o garimpo ilegal dentro do território”, explicou.

Santos também elencou a omissão federal como combustível desse cenário tão crítico. A consequência disso, segundo ela, é “o sentimento de impunidade por parte dos desmatadores ilegais, o que faz com que eles tenham a ideia de que não vão sofrer nenhuma consequência por invadir e ocupar terra indígena”, acrescentou.  

Para a pesquisadora do Imazon Bianca Santos a omissão do governo e a rota do garimpo facilitam a entrada na reserva (Imazon/Reprodução)

Luta

Líder indígena do Povo Baniwa, no Amazonas, Bonifácio José Baniwa conhece, assim como muitos “parentes”, a realidade, muitas vezes de descaso e abandono, em que vivem as populações originárias da Amazônia. “O que falta é vontade política, investimentos”, critica ele. “Se você for ver, os órgãos de combate ou de controle ambiental, de monitoramento, nada de investimento. Não tem políticas públicas para os Povos Indígenas, ao contrário, tem muita falácia”, lamentou.

Ele diz que, apesar de a aldeia onde passa parte do tempo não estar em conflito com o avanço das infrações ambientais, acaba notando o sofrimento de aldeias indígenas inseridas em municípios do sul amazonense que, segundo ele, são muito pressionados pelo agronegócio. “A gente acompanha o que acontece com os parentes de Humaitá, Manicoré, Lábrea, Maués (…) nossos parentes de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul (…) nós vemos o sofrimento e a pressão que eles estão passando”, revelou o líder indígena à REVISTA CENARIUM.

O líder indígena Bonifácio Baniwa critica o desmonte de órgãos ambientais no Brasil (Frame de entrevista para a REVISTA CENARIUM)

Risco Iminente

Os números apresentados pelo Imazon sinalizam o alerta de que se não houver ações eficientes de combate ao crime organizado que se alastra na floresta, costumes, comunidades e línguas inteiras podem desaparecer.

“Monitorar as ocorrências de desmatamento dentro e ao redor desses territórios é fundamental para transparecer, aos órgãos responsáveis, que crimes ambientais estão acontecendo dentro e próximo de áreas protegidas, e que eles devem ser contidos rapidamente, além de indicar que aqueles povos tradicionais que dependem da floresta em pé, correm risco de perder não só o seu território, que é garantido por lei, mas, também, a sua cultura e tradições”, destacou a pesquisadora do Imazon Bianca Santos.

Para que a proteção se concretize, a especialista aponta a demarcação como o primeiro passo e, o segundo, a fiscalização, “que vai garantir que o território seja realmente ocupado e utilizado apenas pelos povos originários, os verdadeiros protetores daquela região”, finalizou. 

“Nós já temos os direitos conquistados que estão na Constituição Federal”, diz Bonifácio Baniwa, que também lamenta a falta de respeito de boa parte da sociedade não indígena. “Ser humano, é ser humano independente de onde ele mora, de onde ele escolheu para morar. Nós [povos indígenas], por exemplo, moramos na floresta, nas beiras dos rios, porque é lá que nós nascemos e nós somos de lá”, concluiu a liderança.