Dia da Consciência Negra: retrocessos impedem avanço da pauta antirracista no Brasil

20 de novembro de 2021

12:11

Priscilla Peixoto – Da Revista Cenarium

Manaus – A recente instituição do Dia da Consciência Negra, há exatos dez anos, mostra que o dia 20 de novembro, ainda está mais para uma data de protesto, do que comemorativa. Um série de crimes cometidos contra negros no Brasil, tais como o caso de João Alberto Silveira Freitas, de 40 anos, morto por seguranças brancos em uma unidade do supermercado Carrefour em São Paulo, bem como a morte de João Pedro, de 14 anos, ocorrida em uma favela do Rio de Janeiro, mostram como o retrocesso e discursos de ódio têm enfraquecido a causa antirracista.

De acordo com dados do Atlas de Violência 2021, do Instituto de Pesquisas Aplicadas (Ipea), 77% dos homicídios no Brasil foram cometidos contra negros. O dado corrobora com uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2020, que aponta que o desemprego entre negros é 71% maior do que entre brancos.

Vulneráveis e sem trabalho, a fatia de 54% da população brasileira se vê refém da desigualdade e do enfraquecimento de políticas públicas voltadas à causa negra. O presidente do Instituto Nacional Afro Origem (Inaô), Christian Rocha, que foi até Brasília para representar a causa afro, desabafa sobre o tema.

“Parece que o Brasil tem uma espécie de ‘carta branca’ para matar negros e jovens da periferia, que na sua maioria são negros. Se não houver celeridade nos processos judiciais, para punir os culpados, o negro vai continuar sendo para-choque da sociedade”, dispara Rocha.

Dados da violência

Uma pesquisa intitulada “Violência armada e racismo: o papel da arma de fogo na desigualdade racial”, do Instituto Sou da Paz, revela que, no Nordeste do Brasil, a morte de negros por arma de fogo chegou a ser quase quatro vezes maior se comparado as outras regiões do País.

O estudo foi realizado entre os anos de 2012 e 2019, tendo como base nos dados contidos no Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) e do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), do Ministério da Saúde levando.

Outro ponto preocupante do levantamento é a taxa de mortalidade entre as crianças e adolescentes negros que chega ao percentual de 3,6 a mais do que as crianças e adolescentes não negras. No caso dos jovens negros de até 14 anos, a taxa de mortalidade por disparos de arma de fogo alcança 61% quando as de não negros é de 31%.

Mosaico retrata rosto de pessoa negra. (RyanJLane)

Mais celeridade

De acordo com Rocha, tal redoma faz com que os negros continuem marginalizados. “É uma imagem onde todos acham que podem ofender, destratar e atropelar seus direitos. Isso pela sensação de impunidade, pois se existissem mais celeridade aos processos de injúria racial e racismo, realmente a lei seria severa. Assim, as pessoas pensariam duas vezes antes de praticar tais crimes”, comentou o militante.

Sobre igualdade, Christian Rocha compara a diferença salarial entre uma negra, com uma mulher branca. “Ambas ocupam a mesma função é por que a mulher negra ainda continua ganhando menos? Não dá para falar que nós somos iguais, se o negro ainda é ‘a carne mais barata’, como diz a música da Elza Soares”, complementa Rocha.

“O racismo se naturalizou no Brasil, tudo isso por consequência da origem estrutural, vinda após a abolição da escravatura – muito mal feita -. Por essa razão, ainda vivenciamos isso”, disse o presidente do Inaô.

Pequenas evoluções

Porém, Christian afirma que existem alguns “passos certos”, como a sociedade evoluiu em relação a diferença sobre liberdade de expressão com discurso de ódio. “Deixamos tanto de usar piadas e palavras jocosas para ofender os negros. Com isso, os movimentos sociais precisam encarar com mais respeito os discursos em favor da causa negra. Enquanto se fala em consciência negra, as pessoas querem desvirtuar a data, para ‘consciência humana’. Mas são essas pessoas, que não tiveram consciência humana quando se torturaram, mataram, venderam e estupraram negros e negras. Portanto, a consciência negra vem para que relatar o passado, para que ele nunca volte a se repetir”, finaliza.

Racismo em camadas

O sociólogo e professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Luiz Antônio, destaca que os números publicados por órgãos de pesquisas como IBGE, Ipea e outros, ainda não expressam o real quantitativo envolto de preconceitos vivido pelos negros.

“Pois o racismo tem camadas, tem facetas. Então há camada que era visível que a gente vê o policial sendo racista parando jovens negros sendo mal tratado, assassinado e etc.. e tem outra camada que é o racismo dos empregadores que colocavam até recentemente nos editais para contratar trabalhadores a expressão ‘bem vestido’ e a expressão de ‘boa aparência’ para contratar um jovem, por exemplo, para uma função qualquer. A gente que isso era um racismo, na qual a perspectiva de boa aparência era não ser negro”, revela o professor.

Golpe de misericórdia

O professor ressalta que o atual governo também contribui para a propagação de atos discriminatórios e elimina todas as ações de políticas afirmativas desmotivando, principalmente, a juventude negra. “É preciso botar o dedo na ferida, o Governo Bolsonaro acabou todos os programas e agora está dando o tiro de misericórdia no Enem, para se ter ideia de 2019 até agora, quase 2,5 milhões de jovens negros deixaram de fazer suas inscrições. Isso é reflexão das desmotivações e inserções criminosas e irresponsáveis nas provas “batizadas e fraudulentas”, pontua o educador.