Dia da Lei Estadual Maria da Penha: data expõe grande demanda, mas pouca efetivação

Dia Estadual da Lei Maria da Penha (Arte: Mateus Moura)

07 de agosto de 2022

16:08

Sara Araújo – Da Agência Amazônia

MANAUS – No Agosto Lilás, mês de conscientização pelo fim da violência doméstica, é comemorado também o Dia Estadual da Lei Maria da Penha. A data marca a sanção da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, que instituiu instrumentos jurídicos a fim de garantir proteção para as mulheres brasileiras vítimas de violência doméstica. A AGÊNCIA AMAZÔNIA procurou especialistas parar comentar sobre o assunto e como agir em casos de agressões.

Embora essas vítimas contem com uma rede de apoio do Estado, as políticas públicas não têm sido suficientes para suprir o quantitativo de mulheres que sofrem agressões. De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), em 2021, em média, uma mulher foi vítima de feminicídio a cada sete horas.

Ao considerar o início da pandemia da Covid-19, em março de 2020, e os dados disponíveis até dezembro de 2021, pelo menos 2.451 mulheres foram vítimas de feminicídio no Brasil. Segundo os dados da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Amazonas (SSP-AM), entre 2021 e 2022, 29 mulheres morreram vítimas de feminicídio. Esses números ainda estão em homologação e são passíveis de atualização.

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As estatísticas mostram que essa realidade cruel é o triste fim de um volume maior de mulheres que diariamente passam por agressões. Ainda segundo a SSP-AM, em 2021, ano em que o Estado sofreu com o período mais grave da pandemia e do isolamento, foram registrados 23.454 boletins de ocorrência referentes à violência doméstica, somente na capital. Outros 909 registros foram feitos no interior do Estado.

2022

Em 2022, esse número caiu para 1.468 denúncias na capital e 182 no interior do Estado. Embora o ano ainda não tenha acabado, é perceptível que a proximidade provocada pelo isolamento social causou um aumento expressivo no número de violência. A advogada Amanda Pinheiro acompanhou muitos casos durante esse período. Foi nas redes sociais que ela começou um trabalho de orientação para vítimas de violência e também passou a receber muitas denúncias.

“Eu comecei a abordar assuntos relacionados ao direito da mulher e elas começaram a pedir socorro via ‘direct’. Passei a fazer esse trabalho porque um dia também fui vítima dessa realidade. Algumas tinham medida protetiva, outras não. Cheguei a receber pedidos de socorro de outros Estados, inclusive. Comecei a mover a rede de enfrentamento dessas cidades, Ministério Público, OAB e incomodar esses órgãos para que pudessem fazer algo por essas vítimas”, explica.

Advogada Amanda Pinheiro (Divulgação)

Manas

Amanda Pinheiro conta que o trabalho gerou frutos, uma associação de apoio para vítimas de violência e que agora conta com estrutura própria para atender esse público. “A Associação Manas é uma iniciativa da sociedade civil sem fins lucrativos que faz um trabalho voluntário dando suporte no sentido psicossocial e jurídico. Temos 29 voluntárias, entre advogadas, psicólogas e universitárias que atendem a pelo menos 180 mulheres”.

O atendimento é feito de forma discreta e remota, pois muitas vítimas ainda vivem com seus agressores. “Elas nos procuram via redes sociais e preenchem um formulário. Quando entramos em contato, sempre usamos uma palavra como código para saber se estamos falando de fato com essa vítima. Após isso, marcamos o atendimento. O principal perfil que atendemos são mulheres com idades entre 18 e 34 anos e muitas não dependem 100% dos seus agressores financeiramente”, disse a advogada.

A voluntária explica que datas como essa reforçam a importância de dar um atendimento humanizado a essas vítimas, que muitas vezes não possuem o apoio da própria família. “Eu passei essa situação na pele. Estava divorciada e com um bebê, e não estava advogando. A mulher não possui o atendimento necessário muitas vezes. Chega para fazer a denúncia e é mal recepcionada na delegacia, vai marcar atendimento psicológico do sistema oferecido e não há vagas. Problemas como esses precisam ser solucionados”, lamenta.

Segundo ela, as políticas públicas não têm dado conta da demanda “É pouca gente para muito serviço. Temos serviços disponibilizados pelo Estado, como o Sapem, que geralmente ficam atrás das delegacias especializadas em crimes contra a mulher e de lá ela é encaminhada ao Centro de Referência de Apoio à Mulher, no Educandos. É apenas um centro de apoio deste para inúmeros casos de violência. Lá ela passa por terapia, recebe apoio jurídico, mas a demanda é muito grande”.

Tipos de Violência

A psicóloga Evelin Dias também é voluntária na associação. Ela conta que as vítimas, muitas vezes, estão condicionadas a uma situação de submissão de seus companheiros. “Elas sofrem muita alienação por parte de seus agressores. Em muitos casos, na questão financeira, com a violência patrimonial, onde o agressor passa a retrair os bens dessa vítima. Ele destrói objetos e pertences dela, às vezes, um instrumento de trabalho”, explica.

Psicóloga Evelin Dias (Divulgação)

Outro tipo de violência está relacionado ao bem-estar psicológico e moral. Quando o agressor causa danos emocionais. “Ele passa a humilhar, xingar, desmerecer essa mulher. Geralmente no interior ele é conhecido, é um lugar pequeno, então ele diz que se ela o abandonar, ela vai ser envergonhada diante da comunidade. Ele passa a controlar essa mulher e diminui a autoestima dela. Comete injúrias e calúnias contra ela”.

Segundo a especialista, é um trabalho minucioso e de longo prazo. “Inicialmente, eu faço uma conversa para ouvir as dores dessa vítima porque a partir deste ponto vou formular estratégias. Geralmente uso a terapia comportamental ou cognitiva que é quebrar essas crenças que ela tem de si mesma, que foram colocadas pelo agressor. Vou mostrar que ela é capaz de ressignificar a própria vida e desfazer a dependência emocional que ela tem, mostrar o potencial dela de refazer a própria história”, conta.

Violência

As violências físicas e sexuais também fazem parte desse conjunto de agressões e ainda compõem grande parte do montante de casos. Para a advogada, apresentadora, ativista preta e integrante do coletivo Odaras Carol Amaral muitas ações têm sido realizadas em prol dessa causa, mas o efetivo ainda não está nem perto de ser alcançado.

“Por vezes o preparo dos servidores que fazem o atendimento a essas mulheres não existe. A polícia, o IML, a Secretaria de Segurança, como um todo, não acolhem como deveriam. É uma lei importante, vem sendo cumprida, mas não tem efetivo suficiente dentro da estrutura. São inúmeras medidas protetivas que precisam de um oficial para cumprir, um policial para acompanhar a diligência e também viaturas. É toda uma estrutura que precisa estar completamente encaixada para que a lei possa ser efetiva”.

Advogada, apresentadora, ativista preta e integrante do coletivo Odaras Carol Amaral (Divulgação)

Carol reforça a humanização necessária para que o sistema funcione. “É importante cobrar do poder público mais qualificação no aparelhamento, mais sensibilidade com essas pessoas em vulnerabilidade, vítimas de um sistema patriarcal e machista. Mais mulheres que estão no legislativo precisam pensar em políticas para essas vítimas porque existem homens que ajudam, mas não podemos depender que eles entendam ou esperem que façam algo. Precisamos de mais mulheres pensando pelas mulheres”.

Disque 180

Atualmente, campanhas reforçam que as denúncias não precisam partir da vítima, mas que qualquer pessoa que souber de um caso, pode ligar para o ‘Disque 180’. A central de atendimento à mulher, também no mesmo número, presta escuta e acolhida qualificada a mulheres em situação de violência, registra e encaminha a denúncia aos órgãos competentes.

Amanda, citada no início desta reportagem, acredita que a mulher precisa ser vista como necessária. Ela reforça a triste estatística de um Estado que provou que para não ser agredida, a mulher precisa estar fora do lar.

“Se eu vejo uma mulher sofrendo violência e não me envolvo, como cidadão, como político, como profissional de qualquer área, estou dizendo que a mulher não é importante na sociedade. Precisamos trazer a consciência de que a luta pelos direitos da mulher é um dever de todos e que afeta a todos. A violência contra a mulher é como uma pandemia, pois está esquematizada em nível mundial”.