‘Dogmas presentes no grupo bolsonarista legitimam a violência gratuita’, afirmam especialistas em comportamento humano

"Isso é resultado da lógica da violência gratuita e apoiada pela política do próprio Governo Bolsonaro", afirma sociólogo (Reprodução/Internet)

10 de julho de 2022

16:07

Priscilla Peixoto – Da Agência Amazônia

MANAUS – Os casos de violências ocorridos no Brasil, nos últimos meses, durante o período pré-campanha eleitoral despertam a sensação de insegurança e medo, tanto em eleitores, quanto aos que integram partidos políticos. Realidade reforçada diante de mais um caso de ataque envolvendo diferenças políticas na noite desse sábado, 9, em Foz do Iguaçu, Paraná, quando a celebração de vida terminou em luto, após um bolsonarista invadir uma festa de aniversário cujo o tema era o ex-presidente “Lula” e matar a tiros o aniversariante.

O guarda municipal e um dos líderes do PT na cidade, Marcelo Arruda, foi morto enquanto comemorava o aniversário de 50 anos junto à família. Segundo testemunhas, em entrevista à Carta Capital, a festa com 40 convidados foi interrompida pelo agente penitenciário Jorge José da Rocha Guaranho que, aos gritos de “é Bolsonaro seus fdp… seus desgraçados… é o mito” atacou Marcelo. O caso chocou o País e desperta vários questionamentos, dentre eles, o que leva a admiração por alguém se transformar em motivação para atitudes violentas?

Pelo viés da psicanálise, a psicóloga especialista em comportamento humano Carolina Peixoto explica que há casos compreendidos como fanatismo e, por vezes, são propícios para a propagação do ódio. “O que ocorre é que os dogmas presentes dentro do grupo bolsonarista legitimam a violência gratuita e manifestação de ódio contra o que/quem não compartilhe da mesma ideia, afinal, por essa lógica, o oposto a mim é meu inimigo e, por isso, deve ser aniquilado para manter a paz e a ordem interna vigente no grupo“, explica.

O guarda municipal Marcelo Arruda foi morto com dois tiros enquanto celebrava o aniversário (Reprodução/Internet)

Fanatismo

De acordo com a profissional, o fanatismo é compreendido como uma manifestação externa de algo que internamente não conseguiu ser elaborado e, portanto, foi reprimido e recalcado de modo inconsciente, se manifestando em comportamentos agressivos e discursos de ódio. Segundo Carolina, o comportamento fanático basicamente apresenta quatro características, são elas; dogmatismo; necessidade de pertença; ojeriza ao diferente e agressividade e falta de empatia com pessoas fora do seu grupo.

O dogmatismo, por exemplo, é a ideia de que há apenas uma verdade e que esta é absoluta, ou seja, tudo que está fora do dogma não pode ser aceito. Desta forma, não há possibilidade de relativizar os temas e divide o mundo entre ideias polarizadas de bem e mal, certo e errado, que caracterizam um perfil psicológico de indivíduos com certas limitações intelectuais, nas quais a pessoa não consegue lidar com considerações complexas e prefere aderir a um pensamento mais simples, pois, é o que consegue alcançar“, destaca a profissional.

A psicóloga ressalta que para se reconhecerem pertencentes a um grupo, há pessoas que seguem as ideologias como uma “fé cega” passando a rejeitar violentamente tudo o que é diferente ao grupo. “Assim, a pessoa retém a sensação de segurança e pertença, demonstrando seu incômodo com violência frente a qualquer afirmação que contrarie seu dogma/verdade“, salienta.

O agente penitenciário Jorge José da Rocha Guaranho invadiu a festa de aniversário de Marcelo Arruda (Reprodução/Internet)

‘Legitimando o ódio’

Na leitura de Carolina, ações como essa também são resultados da lógica da violência gratuita e apoiada pela política do próprio Governo Bolsonaro. Realidade possível e aceita pelo próprio líder do grupo, que incentiva manifestação de violência seja por meio das políticas públicas ou do próprio discurso.

O comportamento fanático flerta com o delírio e coloca o indivíduo fanático no lugar de escravo diante do senhor absoluto que pode ser uma divindade, um líder político, ou mesmo uma causa suprema. Desta forma, enquanto membro de um grupo, algumas pessoas podem vir a se apoiar nessas premissas de violência autorizada e no anonimato de pertença do grupo, chegando a ações drásticas como o que temos no caso em questão“, diz a profissional que complementa:

“Vale lembrar que estas são as primeiras impressões. É importante investigar se este rapaz que invadiu a festa sofria, de fato, de algum transtorno psicológico que o fez usar como pano de fundo o grupo bolsonarista para manifestar a raiva e o ódio que ele tinha. É como se isso justificasse alguma coisa que, internamente, não foi resolvida”, pontua.

Veja vídeo:

Momentos antes do invasor atacar Marcelo Arruda (Reprodução/Internet)

Violência gratuita

Na leitura do sociólogo Luiz Antônio, o caso explicita a crueldade que tem mobilizado, torturado e viciado gerações. “Estamos diante de maldade no sentido mais explícito que a humanidade pode ver. A mesma maldade que mobilizou milhares de militares ditadores, nas Américas, que mataram, estupraram e torturam multidões. É isso que está em curso. Não vejo como doença, mas como maldade na enésima potência, a mesma que faz com que homens batam em mulheres, a que faz adultos espancarem crianças. A mesma que sai da boca de pastores neopentecostais em atos públicos e televisionados e incitada pelo próprio presidente da República que faz ‘arminha’ e diz que vai eliminar os outros” analisa.

O uso de armas, inclusive, era uma das pautas defendidas pelo policial penal que se declarava conservador cristão nas redes sociais. Desde o início do atual governo, várias medidas foram tomadas para flexibilizar e atenuar as exigências em relação ao acesso a armas de fogo, no Brasil, bem como número permitido de armas e munições por pessoa. “No final de tudo, temos aí duas pessoas mortas, duas famílias enlutadas por conta do uso da ‘porcaria’ de uma arma como forma de resolver conflito“, lamenta o sociólogo.

Perfil de Jorge Guaranho no Twitter (Reprodução/Rede Social)

O mesmo ponto é ressaltado pelo especialista em saúde mental pela Fiocruz Welligton Guimarães. Para ele, a circulação de armas também incide nos indicadores da violência. O especialista atenta para o perigo de uma pessoa desequilibrada, emocionalmente, ter acesso à arma de fogo. “Olha, muitos precisam de auxílio e acompanhamento psicológico e não vão buscar ajuda. No momento de conflito e emoção essas pessoas, por terem acesso às armas, acabam cometendo uma atrocidade”.

O especialista em saúde mental que também é focado em casos que envolvem álcool e uso de ilícitos explica que em situações de uso de drogas, elas alteram os sentimentos e as emoções e são capazes de potencializar traços de desvio de personalidade. “Se a pessoa tem baixa tolerância, desvio de comportamento, o consumo de droga abusivo pode transformar aquele ser em uma bomba-relógio que vai estourar em qualquer canto por motivos quaisquer”, explica o profissional quanto à suspeita de que o homem que invadiu a festa podia estar sob efeito de drogas, segundo testemunhas.

Entenda o caso

Na noite do sábado, 9, o agente penitenciário federal Jorge José da Rocha Guaranho invadiu a festa de aniversário de 50 anos do guarda municipal Marcelo Arruda. Após uma primeira discussão, o homem tido como desconhecido pelos convidados saiu do local prometendo voltar para matar todos. O episódio ocorreu na sede da Associação Esportiva Saúde Física Itaipu (Aresfi), em Foz do Iguaçu, no Oeste do Paraná.

Ao perceber novamente a presença do agente penal que demonstrava incômodo com relação ao tema da festa referente ao ex-presidente Lula e proferia aos gritos o nome do atual presidente da República, o guarda municipal que também era tesoureiro do PT, na cidade, foi alvo de tiros disparados pelo agente penitenciário que, ainda sim, conseguiu revidar.

Jorge Garanho foi para o hospital e Marcelo Arruda morreu após os disparos. As armas utilizadas tanto por Guaranho quanto por Marcelo foram recolhidas e encaminhadas para perícia. A polícia vai investigar a real motivação do crime, que, num primeiro momento, é classificado pelo secretário municipal de segurança pública de Foz do Iguaçu, Marcos Antonio Jahnke, “como intolerância política”.

Veja vídeo do momento dos disparos: