‘É um verdadeiro descaso’, diz liderança indígena sobre morte de crianças Yanomami por falta de medicamentos em Roraima

"Falta um olhar solidário e humano do governo com nossa população. Faltam ações de retirada de invasores. Falta Funai cumprir suas obrigações, diz líder indígena Junior Hekurari (Reprodução/Redes Sociais)

26 de junho de 2022

16:06

Gabriel Abreu – Da Agência Amazônia

BOA VISTA (RR) – A morte de duas crianças de três anos na Comunidade Tirei, dentro do Território Yanomami, foi divulgada nesse sábado, 25, por Junior Hekurari, presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Ye’kuana (Condisiyy). Segundo Hekukari, as mortes foram provocadas por conta de uma pneumonia grave nas crianças que apresentaram, ainda, sintomas como diarreia, desidratação e verminose. Não há medicamentos nas comunidades Yanomami para tratar as doenças.

Em uma rede social, Junior compartilhou a informação das mortes das crianças e fez um desabafo. “Enquanto o presidente da República se preocupa em realizar motociatas e, até mesmo, defender seus aliados que estão sendo presos, o meu povo Yanomami está sofrendo as consequências desse governo genocida. Duas crianças de 3 anos de idade, da Comunidade Tirei, morreram por diarreia, pneumonia grave, desidratação e verminose. Falta medicamento”, afirmou o presidente do Condisiyy.

Que continua o relato afirmando que a Fundação Nacional do Índio (Funai) não realiza ações de fiscalização na Terra Yanomami. “Falta um olhar solidário e humano do governo com nossa população. Faltam ações de retirada de invasores. Falta Funai cumprir suas obrigações. É um verdadeiro descaso”, finaliza o desabafo.

A reportagem da REVISTA CENARIUM entrou em contato com a Funai e Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), mas até a publicação desta matéria não obteve reposta.

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Prontuário médico de uma das crianças que morreu (Reprodução/Internet)

A falta ou escassez de atendimento médico, aliada à deficiência de fiscalização ambiental, empurra os Yanomami para um cenário desesperador. Estima-se que 20 mil garimpeiros ilegais atuem no território. A atividade de mineração contamina os rios com mercúrio e tem causado deformidades e doenças em mulheres e crianças, conforme apontou o líder indígena do povo Yanomami, Dário Kopenawa, à REVISTA CENARIUM.

“As crianças estão saindo com malformações. Mulheres e crianças já estão com sintomas de coceira e também apresentam dor de barriga, diarreia e infecção urinária, porque a gente está tomando água suja. Não é só a água, todo o Território Yanomami está poluído”, advertiu o vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami.

A Terra Yanonami foi homologada em 1992 e compreende 96 mil km² espalhados por Roraima e Amazonas. O território do povo, porém, se estende até a Venezuela. Dados mais recentes, de 2011, indicam uma população de 19 mil indígenas Yanomami no território brasileiro e 16 mil do lado venezuelano.

Descaso

O descaso com a Saúde do povo Yanonami já foi destaque em vários veículos de comunicação do País. No ano passado, o programa Fantástico, da TV Globo, mostrou como as crianças diagnosticadas com malária morrem por conta da falta de medicamentos nas comunidades.

No Brasil, a assistência à saúde dos Yanomami está sob responsabilidade do Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami (DSEI-Y), vinculado à Secretaria Especial de Saúde Indígena do Ministério da Saúde. O território é dividido entre as etnias Yanomami e Ye’kuana, distribuídas em 258 aldeias, a maioria localizada em áreas remotas e de acesso, exclusivamente, aéreo ou fluvial.

Imagem da Comunidade Tirei, dentro do Território Yanomami, localizada próximo a áreas de exploração de garimpo ilegal (Reprodução)

Ações de fiscalização

Em maio, a Justiça Federal, em Roraima, expediu decisão que obrigava o governo federal, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e a Fundação Nacional do Índio (Funai) a se articularem para atuação no combate a ilícitos ambientais na Terra Indígena Yanomami (TIY), em Roraima.

A medida foi resultado de ação movida pelo Ministério Público Federal (MPF) que solicitava a retomada das operações policiais para retirada de invasores que promovem o garimpo ilegal na terra indígena. O pedido apontava que os órgãos do governo federal vinham desrespeitando decisões judiciais anteriores que impuseram a retirada de todos os garimpeiros da TIY, sob pena de R$ 1 milhão.

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Alvo de diversas ações

O próprio MPF de Roraima informou que a saúde Yanomami é objeto de inúmeros procedimentos nesta Procuradoria da República. Entre todas as medidas empreendidas, destaca-se a recente Recomendação N° 1/2021/MPF/AM/RR, expedida em conjunto com a Procuradoria da República do Amazonas, que propõe uma profunda mudança de caráter estrutural nos serviços públicos fornecidos aos Yanomami e auditoria no emprego dos recursos públicos destinados à saúde indígena.

A recomendação foi parcialmente acatada e segue em fase de acompanhamento de seu cumprimento por meio do Procedimento Administrativo N° 1.32.000.000241/2022-117. De imediato, foi criado pela Sesai um plano emergencial para os principais agravos de saúde em regiões prioritárias da TI Yanomami, com vigência para 180 dias, tendo sido contratados 25 profissionais para composição das equipes de saúde.

Ajuizou-se em 2021 a ACP N° 1001192-58.2021.4.01.4200, a fim de que a Secretaria de Saúde Indígena fornecesse refeições aos pacientes internados nos postos de saúde em terra indígena, bem como a crianças e idosos em estado de subnutrição. A judicialização impeliu à SESAI a revisar seu entendimento, adquirindo gêneros alimentícios para seus estabelecimentos de saúde.