EDITORIAL – Saiba a quem interessa a descredibilização do Ibama

O Ibama virou alvo de ataques da extrema-direita no caso de uma capivara com um tiktoker (MMA)

02 de maio de 2023

14:05

Por Paula Litaiff*

O presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Rodrigo Agostinho, afirmou que a descredibilização do órgão interessa aos desmatadores, grileiros e garimpeiros ilegais. Nós, da REVISTA CENARIUM, adicionamos que interessa, também, aos genocidas de povos tradicionais e à extrema-direita, que naturaliza crimes contra a humanidade.

A tentativa de desqualificar uma instituição, que há 33 anos busca fazer valer a legislação ambiental e que sofreu desmonte nos últimos quatro anos, partiu de um impasse de 72 horas envolvendo a relação de uma capivara, ‘Filó’, com o influenciador digital Agenor Tupinambá. Agenor ficou popular nas redes sociais por postar imagens dele na Amazônia com animais silvestres e foi acionado pelo Ibama.

No período de 2019 a 2022, travou-se uma verdadeira “cruzada” de desinformação contra as instituições de fiscalização ambiental, no Brasil, que combatem a derrubada ilegal de árvores, a ocupação/invasão de fazendeiros em áreas de preservação ambiental e a extração de ouro em terras indígenas com assassinatos e exploração desses povos.

Não foi por amor à capivara “Filó” que nomes como Mário Frias, ex-secretário nacional de Cultura, e das deputadas Carla Zambelli (PL-SP) e Bia Kicis (PL-DF) mobilizaram as redes sociais para agir em favor do influenciador digital, com disparos de fake news sobre o trabalho do Ibama.

‘Boiada’

Mário Frias, Carla Zambelli e Bia Kicis integram o grupo do ex-ministro Ricardo Salles, aquele que sugeriu, em 2020, aproveitar-se do período da pandemia, quando milhares de pessoas morriam pelo novo coronavírus, para aplicar “reformas infralegais de desregulamentação e simplificação” na área do meio ambiente para “ir passando a boiada”.

A histeria virtual sobre o sofrimento de Agenor – que responde judicialmente por mortes de animais silvestres – contou com o apoio maciço de grupos ligados à extrema-direita, que tem como líder aquele que defende a concepção genocida de que o Brasil “falhou” por não ter dizimado seus indígenas como fizeram os Estados Unidos.   

Oportunistas

Esses grupos sabem como usar as fragilidades psicológicas dos usuários para criar algoritmos focados em engajamento impulsionado por opiniões e ações extremadas, como estudou Max Fisher, na obra  “A máquina do caos: como as redes sociais reprogramaram nossa mente e nosso mundo”, de 2022.

Eleito um dos cinco melhores trabalhos de excelência em jornalismo, em 2022, pela New York Public Library, o livro mostra como especialistas em algoritmos usam o Facebook, Twitter e YouTube para identificar usuários os quais podem se aproveitar das emoções para emplacar desinformação e fake news.

Histeria

Esses influenciadores geram uma espécie de histeria coletiva em cadeia usando gatilhos, como ameaças, medos e pressões sociais, analisou o psicanalista e professor da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Mário Eduardo Costa Pereira.

Após seguir as regras dos algoritmos e da Psicologia, a extrema-direita manobrou a “massa virtual” para atacar o Estado Democrático de Direito sob um cenário da dissonância cognitiva coletiva, como pontuou o escritor João Cezar de Castro Rocha, no livro “Guerra Cultural e Retórica do ódio: Crônicas de um Brasil Pós-político”, de (2021).

João Cezar de Castro expõe como os grupos extremistas implantam debates infundados e criam uma realidade paralela para justificar o preconceito e a ascensão de um governo autocrata, como exemplo, a “extinção” do Ibama, como sugeriram milhares de internautas no “Caso Filó”.

Seletivos

A ilogicidade do ativismo seletivo sobre o episódio do influenciador tiktoker e da capivara fica latente quando se pergunta: “onde estavam esses defensores ambientais quando, em 2021, mostraram ao mundo a desnutrição de crianças Yanomami, em Roraima?”

“Onde eles viviam quando, em 2022, assassinaram uma família inteira de ribeirinhos ambientalistas, em São Félix do Xingu, no Pará?”; “Onde estão, agora, com a ameaça aos indígenas do Vale do Javari e em Autazes, no Amazonas?”

É preciso que nós, sociedade, liguemos o sinal de alerta em todos os momentos que grupos virtuais se unem para desconstruir a legitimidade de órgãos públicos de fiscalização e identificarmos quando há interesses de se manobrar emoções para implantar um determinado projeto de poder.

(*) Paula Litaiff é gestora do Conselho Editorial da Revista Cenarium