Em discurso para ‘fã-clube’, Bolsonaro fala ao mundo sobre ‘cristofobia’ no Brasil

Em mais um desdobramento desastroso de seu discurso na ONU, Bolsonaro levanta 'cruzada' contra algo incipiente na sociedade brasileira (Reprodução/Internet)

23 de setembro de 2020

20:09

Mencius Melo – Da Revista Cenarium

MANAUS – Na repercussão daquele que já é considerado o mais polêmico discurso mundial do atual presidente da República brasileira, a REVISTA CENARIUM procurou profissionais para entender qual o sentido da expressão “cristofobia”, da qual Jair Bolsonaro (sem partido) empregou em parte do discurso na Organização das Nações Unidas (ONU).

A psicóloga Neyla Siqueira entende que, ao pé da letra, “cristofobia” seria o medo de Cristo, e tenta, diante da fala de Bolsonaro, esmiuçar o sentido. “Vamos tentar entender que na raiz da palavra seria a aversão a todo tipo de cristianismo seja católico ou evangélico, além de outros”, observou.

De acordo com a psicóloga, a “cristofobia” existe, inclusive com proposta de Projeto de Lei (PL) para criminalizá-la. “A bancada evangélica apresentou proposta para ser votada no Congresso Nacional, mas a pergunta que fica é: os cristãos são realmente perseguidos no Brasil?”, questionou a profissional.

Ela continuou os questionamentos lançando outras luzes sobre o tema. “Será que as pessoas morrem por serem cristãs no Brasil? Será que cristãos sofrem por serem cristãos no Brasil? Eles têm oportunidades negadas por serem cristãos?”, indagou Neyla Siqueira.

Segundo a psicóloga, os “cristofóbicos” podem existir, mas dados precisam ser avaliados para entender qual a dimensão da presença deles na sociedade brasileira. “É existente como a homofobia? Como o racismo? Como a lesbofobia? É preciso saber sobre esses números”, pontuou.

Neyla continuou sua avaliação. “Eu particularmente não vejo um movimento crescente e nem como fato. Porém, sabemos que a base do atual governo é a base evangélica e isso nos leva a duas reflexões: ou o presidente tem dados concretos sobre isso ou é uma mania de perseguição”, avaliou.

Cientista refuta a ideia

O sociólogo do departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Professor Luiz Antônio, lamentou a fala do presidente. “Foi uma das falas mais vergonhosas da história da República e eu diria da história do Brasil, ele mentiu publicamente na frente da maior organização de países livres do mundo, que é a ONU”, criticou.

Sobre a possível “cristofobia”, ele comentou. “Isso não é verdade, o que há é um grupo de gente que tem ódio no coração e essas pessoas se apresentam como cristãs, e existe um outro grupo de pessoas que estão denunciando isso. São pessoas desse grupo de ódio que estão ameaçando o padre Julio Lanceloti”, atestou o sociólogo.

Em sua avaliação, Bolsonaro exagerou. “Embora seja um idiota de pai e mãe, não existe uma cruzada em anticristo no Brasil, o que existe é uma cruzada em defesa das liberdades individuais, em defesa democracia, em defesa da paz, contra o presidente da República”, esclareceu.

“O que existe é um grupo de neopetencostais e não são todos que seguem o Jair Bolsonaro. São pessoas de denominações como a do Silas Malafaia, que usa o nome de Cristo apara dominação política”, acusou. “A cruzada que existe hoje é a da civilização contra a barbárie”, concluiu Luiz Antônio.

Evangélico comenta

Para Zacarias Lopes de Lima Júnior, pastor auxiliar no Ministério Internacional Filadélfia, a “cristofobia” existe sim e está presente no dia a dia de quem já sentiu na pele o tratamento dispensando aos evangélicos. “Sim, acredito que exista e eu já sofri com isso”, declarou ele ao ser questionado pela reportagem.

De acordo com Zacarias, isso já lhe aconteceu em ambientes dos quais frequenta ou precisa frequentar. “Em determinados locais, incluindo no trabalho, o cristão evangélico muitas vezes é taxado até de ignorante ou preconceituoso mesmo sem falar nada”, apontou o religioso.

Ele conta que já foi agredido verbalmente por ter posição religiosa diferente da maioria. “Também muitas vezes já fui ofendido como massa de manobra ou fanático obediente, acredito que não sabiam que eu era pastor”, afirmou o membro do Ministério Filadelfia.

Apesar das agressões ou do incômodo por determinados comentários, Zacarias Lopes não vê como tendência, a “cristofobia” no Brasil mesmo com a fala do presidente. “Não acredito numa perseguição velada, mas já me senti descriminado por ser cristão”, desabafou à reportagem.

Religioso católico se posiciona

Membro da igreja católica e ativo representante do cristianismo no Amazonas, Frei Paulo Xavier se posicionou como representante da fé cristã. Para ele, existe uma inversão que precisa ser observada e que é o fundamento para a realização pessoal de um bom seguidor ou seguidora de Cristo.

“Há perseguição aos que seguem o Cristo histórico.  Que se comprometem com os pobres. Os que estão ao lado dos oprimidos e injustiçados. Dos que estão sem voz e sem vez. A perseguição se faz porque incomoda aqueles que deveriam fazer promoção social do povo”, ponderou.

O religioso continuou. “A perseguição se manifesta nas ações contra os trabalhadores, contra os assalariados, os moradores da rua, os indígenas, os negros, as mulheres, crianças, jovens”, asseverou Frei Paulo Xavier, em um misto de protesto e indignação.

Como exemplo de “cristofobia”, ele aponta os recentes ataques a um símbolo da igreja para os pobres no Brasil. “O caso emblemático é do padre Júlio Lanceloti de São Paulo, que tem um trabalho de seguimento de Jesus com a ação que faz com os moradores de rua”, protestou. Questionado se Bolsonaro tem razão quanto à “cristofobia”, Xavier respondeu: “Esse presidente delira”, finalizou.