Em Manaus, 43 crianças aguardam adoção; no Brasil, mais de cinco mil estão disponíveis

A região Norte é a que tem o menor registro, com pouco mais de 1,9 mil crianças acolhidas (Divulgação/CNJ)

15 de outubro de 2020

12:10

Luciana Bezerra – Da Revista Cenarium

MANAUS – No mês que se comemora o Dia das Crianças no Brasil, a expectativa de milhares de meninos e meninas em todo o País é de ter uma família. De acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), mais de 30 mil crianças e adolescentes encontram-se em situação de acolhimento em mais de 4.533 mil unidades brasileiras, deste total, cerca de 5.154 mil estão aptas para adoção. Em Manaus, 174 crianças estão acolhidas nos oito abrigos espalhados pela cidade, sendo 43 aptas para serem adotadas.

Muitas dessas crianças e adolescentes estão sob medida protetiva por estarem em situação de risco, negligência, abandono, maus-tratos, entre outras violações do direitos estabelecidos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Para o presidente da Associação Brasileira dos Magistrados da Infância e da Juventude (Abraminj), desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), José Antônio Daltoé Cezar, o Poder Judiciário tem implementado uma visão integral no acolhimento.

“Temos observado um grande esforço judicial, desde audiências virtuais até a busca por capacitação dos agentes de direito, para que a criança tenha seus direitos como indivíduo respeitados. O próprio CNJ com uma iniciativa de aprimorar os cadastros de adoção para dar celeridade ao processo contribui para esse contexto mais ágil e buscando sempre a melhor condição para a criança”, destaca o desembargador.

No entanto, explica a juíza titular do Juizado da Infância e Adolescência Cível do Amazonas, Rebeca de Mendonça Lima, há mais de nove anos no órgão, no Amazonas, o sistema integrado de acolhimento ainda passa por dificuldades de atualização porque muitos municípios do interior do Estado não têm internet ou não há servidores suficientes para alimentar o cadastro.

Dados de Manaus

Segundo Rebeca, encontrar famílias que não tenham preferências somente por crianças saudáveis e que ainda estejam na primeira infância é uma luta diária travada pelas autoridades de defesa e apoio aos menores abandonados.

“As pessoas ainda têm preferências na hora da adoção por bebês, de pele clara e de meninas. As crianças com mais idade e adolescentes são mais difíceis de serem a escolha principal na adoção”, esclarece a juíza.

A magistrada enfatiza ainda que o Amazonas ainda preserva a cultura de dar a criança ainda na gestação. “Aqui no Amazonas, as pessoas ainda têm a cultura de dar o filho para um conhecido ainda na gestação e não passa pelo Juizado. Essas adoções nessa faixa etária não acontecem com frequência”.

Abrigo verso família acolhedora

De acordo com juíza amazonense, há duas situações para as crianças acolhidas. Esse acolhimento pode ser Institucional no abrigo ou em família acolhedora, que são famílias cadastradas que recebem uma verba do município para receber essa criança na casa delas.

Clesley Rodrigues, do abrigo Nacer em Manaus, diz que mais 140 crianças já passaram pela Instituição (Ricardo Oliveira/ Revista Cenarium)

“Essas famílias acolhedoras funcionam como um processo mais próximo que essa criança pode experimentar de ter um lar e uma família normal, com pai e mãe, afeto, carinho e organização familiar”, frisa Rebeca.

Mas, afirma a magistrada, existem projetos de apadrinhamento, onde um profissional de determinada área colabora com seu trabalho como forma de auxiliar aquela criança. Essa ajuda pode ser financeira ou afetiva, como levar a criança para passar o fim de semana na casa dela ou um passeio em um parque, shopping, teatro, entre outros.

Agora o que não é possível acontecer, segundo a juíza, é uma família acolhedora adotar uma criança. “Em Manaus, já tivemos um problema parecido, onde uma família acolhedora não quis devolver a criança por ter criado vínculo afetivo por ela e foi um problema jurídico”.

A família que pretende adotar uma criança precisa ser habilitada para tal. O processo inclui avaliações médicas, psicológicas, palestras do grupo de apoio à adoção, o Juizado ainda solicitará diligências na casa dessa família e se ela não tem certidões de antecedentes criminais.

Novo sistema de alertas

Uma dessas melhorias pode ser traduzida na implantação do SNA, que conta com um inédito sistema de alertas com o qual os juízes e as corregedorias podem acompanhar todos os prazos referentes às crianças e adolescentes acolhidos e em processo de adoção, bem como de pretendentes.

O objetivo do sistema é dar mais celeridade na resolução dos casos e maior controle dos processos. Atualmente, a região Sudeste registra mais de 15 mil crianças abrigadas, a maior quantidade do País. Já a região Norte é a que tem o menor registro com pouco mais de 1,9 mil crianças acolhidas.

Para Rebeca o novo sistema SNA foi criado para agilizar os processos de adoção. Segundo a magistrada, se a pessoa tem interesse em adotar uma criança, ela deve acessar o sistema SNA e realizar um pré-cadastro, o que vai gerar um protocolo e com base neste número ela vai agilizar a ação de habilitação para adoção.

Contudo, enfatiza a juíza, a falta de infraestrutura no Amazonas ainda é alta. De acordo com uma decisão pública determinada por ela, aumentou o número de conselhos tutelares desde o ano passado. “Os órgãos eram reduzidos, não tinham um carro próprio, sede e nem infraestrutura para trabalhar. Na realidade, o que percebemos é que ainda não se pensam na criança como prioridade por aqui”.

Rebeca critica ainda que apesar dos 30 anos do Eca, que é uma das legislações mais avançadas no que diz respeito aos direitos de crianças e adolescentes, nós ainda temos muito a alcançar em relação a políticas públicas voltadas para essa faixa etária. “Dou um exemplo, não tem mais verba para o pagamento da família acolhedora porque o município não reserva no seu orçamento para essa demanda. Não temos verba desde o início do ano e isso é só um exemplo que estou te dando”.

A juíza assinala ainda que a prioridade absoluta prevista no artigo 227 da Constituição Federal e no Eca ainda precisa sair do papel, pelo menos aqui em Manaus e em boa parte do Brasil.