Em Manaus, igarapé é coberto por ‘tapete de lixo’ e animais sobrevivem na sujeira

"Tapete de lixo" encobre parte do Igarapé dos Franceses, em Manaus (Ricardo Oliveira/ Revista Cenarium)

24 de fevereiro de 2022

11:02

Marcela Leiros — Da Revista Cenarium

MANAUS — Os cursos d’água em Manaus, a maior capital da Amazônia — com população estimada, em 2021, em 2,2 milhões de habitantes, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) — sobrevivem enquanto são tomados pela poluição urbana e falta de limpeza. Em 2021, a CENARIUM contou a situação do Lago do Oscar, na zona Leste, tomado pelo derramamento de resíduos tóxicos despejados pelo Grupo Sovel da Amazônia. Agora, na área mais central da cidade, um dos trechos do Igarapé dos Franceses, no bairro Flores, se vê coberto por um “tapete de lixo”.

A CENARIUM esteve no local em duas ocasiões. A primeira foi no dia 15 de fevereiro, onde foi constatado que o lixo no trecho do igarapé represou e ficou acumulado. Nessa quarta-feira, 23, de volta ao local, a situação continuava a mesma: a cobertura formada por garrafas PETs e outros materiais irreconhecíveis permanece no local, transformando a paisagem já modificada pelas construções urbanas em um lixão a céu aberto.

“Tapete de lixo” no Igarapé dos Franceses. (Ricardo Oliveira/ Revista Cenarium)

O igarapé faz parte da vista do “quintal” do aposentado Valdemir Pereira da Silva, que reside no Condomínio João Bosco, bairro Flores, zona Centro-Sul, há sete anos. Da porta da residência de Valdemir é possível ver o igarapé, o lixo e até mesmo animais, como jacarés, que vivem em meio aos resíduos.

Ele explicou à CENARIUM que é a primeira vez que vê o lixo acumulado dessa forma e, agora com o aumento das chuvas na capital amazonense, a tendência do curso d’água de aumentar de nível e alagar as redondezas é grande. A preocupação é de que o lixo e os animais saiam do igarapé e invadam a via pública e até mesmo a área do condomínio.

Jacaré nada no igarapé tomado pelo lixo (Jander Souza/ Revista Cenarium)

“Um dia desses vieram aqui e fizeram uma limpeza nesse igarapé, mas faz tempo já. Foi a Prefeitura, mas faz mais de dois meses que não voltam aqui”, lembra ele, ressaltando, ainda, a falta de responsabilidade dos moradores da região que despejam lixo nas margens do igarapé, que é arrastado para a água pelas chuvas.

“Eu não acho legal as pessoas estarem jogando lixo aqui. Tem muita gente daqui que joga. Tem uma lixeira ali e jogam foram. Aí chove e a água leva. O lixo só não foi adiante porque tem uma contenção, a água encheu e o lixo ficou”, explica.

O aposentado Valdemir Pereira da Silva (Jander Souza/ Revista Cenarium)

“Está difícil aqui, porque quando chove, a água deu bem aqui, alaga tudo aqui. Ninguém pode fazer nada, quem pode fazer alguma coisa é a Prefeitura. Vieram uma vez, recolheram tudo, mas nunca mais vieram”, finaliza ele.

Riscos da poluição

O Igarapé dos Franceses é um afluente — curso de água que deságua em rios principais — da Bacia do São Raimundo, desaguando no Igarapé do Mindu. Este tem sua nascente localizada no Bairro Cidade de Deus, zona Leste de Manaus, próximo à Reserva Florestal Adolpho Ducke, com a foz localizada no encontro com o Igarapé dos Franceses formando, a partir daí, o Igarapé da Cachoeira Grande. O “Mindu” deságua ainda no Igarapé do São Raimundo, que deságua no Rio Negro.

A Bacia de São Raimundo fica localizada no Sudoeste da cidade, abrangendo diversos bairros e com uma área de contribuição de aproximadamente 98,89 Km². Diante dessa extensão, os riscos ambientais e para a saúde humana são pontuados por especialistas, como o doutorando em Ciência Animal e Recursos Pesqueiros da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) Hélio Beltrão.

“Excesso de poluição podem acarretar consequências como doenças transmitidas ao homem, como hepatite A e cólera, além de parasitas humanos que podem ser transmitidos por água contaminada. Pode trazer, ainda, consequências de inundações devido ao entupimento de bueiros e igarapés. Também, a poluição desses igarapés pode acarretar um elevado aumento de metais pesados que podem trazer sérias consequências para a saúde humana, como o mercúrio, chumbo e outros metais altamente nocivos. Além da poluição visual da cidade, que possui igarapés como bueiros…”, explica.

Lixo está represado em trecho do Igarapé dos Franceses. (Ricardo Oliveira/ Revista Cenarium)

Para Beltrão, a poluição é uma das consequências da falta de ação da gestão pública e até mesmo do comportamento da população com o lixo, que o despeja em lugares inapropriados.

“Uma das causas disso é a falta de uma educação ambiental voltada às comunidades, para elas terem conhecimento que, jogando lixo e esgoto nos igarapés, pode acarretar consequências a eles próprios ou toda a população. Uma falta de incentivo de políticas públicas voltadas também a investimento em conservar esse igarapés seria um fator ideal”, acrescenta ainda.

A CENARIUM questionou a Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semmas) e a Secretaria Municipal de Limpeza Pública (Semulsp) sobre a falta de ações de limpeza no trecho do Igarapé dos Franceses citado na reportagem e se há algum planejamento programado para o local, mas não obteve retorno até a publicação desta matéria.