Em Portugal, escritor lança livro sobre quarentena e relata angústia com Brasil de Bolsonaro: ‘trejeitos de psicopata’

Em entrevista à REVISTA CENARIUM, Odenildo revela como foi o processo de construção das 19 crônicas sobre experiências vividas em seus 100 dias de extremo isolamento em casa em Leça da Palmeira, em Portugal (Arquivo pessoal)

06 de setembro de 2020

15:09

Márcia Guimarães – Da Revista Cenarium

MANAUS – O linguista e escritor Odenildo Sena, de 69 anos, converteu o isolamento na pandemia em produção literária. Muita produção. Morando desde 2017 em Leça da Palmeira, uma extensão da cidade do Porto, em Portugal, Odenildo viveu a fase mais crítica da pandemia de Covid-19 em um apartamento de 90 metros quadrados, na companhia apenas da mulher e do filho adolescente. O confinamento, as impressões sobre a crise mundial, aprendizados, angústias e apreciações sobre a condução da pandemia na Europa e no Brasil transformaram-se em três livros prontos e material ‘engatilhado’ para mais duas obras.

A primeira produção é o e-book “100 dias de quarentena: No tempo em que a vida parou”, lançado em meados de agosto, exclusivamente, em edição digital no site da amazon.com.br.

(Reprodução)

Em entrevista à REVISTA CENARIUM, Odenildo revela como foi o processo de construção desta obra, que reúne 19 crônicas sobre experiências vividas na fase mais conturbada da pandemia, até o momento em que ele sai de casa pela primeira vez, após 100 dias de isolamento.

Assim como no livro, onde as crônicas trazem referências à condução da pandemia no Brasil, com o registro indignado de quem considera o presidente Jair Bolsonaro uma “figura com todos os trejeitos de um psicopata”, na entrevista, Odenildo também revela a angústia de ser um brasileiro assistindo o País ir na contramão do restante do mundo, com “um presidente extremamente irresponsável e sem nenhuma empatia com o povo” e “reconhecido como genocida”.

Após flexibilização de regras de quarentena, escritor costuma passear na orla de Leça da Palmeira, Portugal (Arquivo pessoal)

A entrevista traz ainda o anúncio do próximo lançamento, “Aprendiz de Escritor”, que ganhará edição impressa pela Editora Valer e será lançado em uma live com Milton Hatoum e outros escritores, em 25 de setembro, além de uma visão sobre as movimentações políticas para as eleições deste ano no Amazonas. Com a experiência de quem já foi presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam), secretário de Estado de Ciência, Tecnologia e Inovação e candidato a vereador em 2016, Odenildo diz se assustar ao ver que os nomes que surgem na preferência do eleitorado para a Prefeitura de Manaus são os mesmos que por décadas ocupam cargos no Executivo e no Legislativo.

Nascido em Santarém, no Pará, mas criado em Manaus, Amazonas, Odenildo é linguista, com mestrado e doutorado em Linguística Aplicada e tem interesses nas áreas do discurso e da produção escrita. Foi professor do Departamento de Língua e Literatura Portuguesa da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), de 1980 a 2012, quando se aposentou.É autor dos livros “Palavra, poder e ensino da língua”, “A engenharia do texto”, “No tempo de eu menino”, “Mazelas do livro didático” e “Tempos de memória”, além dos lançamentos mais recentes.

Escritor aproveitou isolamento social, em Portugal, para escrever obra “100 dias de quarentena” (Arquivo pessoal)

Sobre tirar o máximo proveito da quarentena ocupando-se com a escrita, Odenildo diz que a escrita é o que o salva na velhice, não porque goste, mas pela necessidade que tem de escrever. Ainda tem muito a dizer e a escrever.

Veja na entrevista na íntegra:

REVISTA CENARIUM: Por que o senhor decidiu escrever “100 dias de quarentena: No tempo em que a vida parou”? Foi algo planejado ou que foi surgindo, conforme os sentimentos e impressões surgiram no isolamento?

Odenildo Sena: “Eu decidi escrever esse livro, “100 dias de Quarentena”, porque percebi naquele momento, lá no início da pandemia, que a gente estava vivendo um momento diferente, um momento eu diria único na vida da humanidade, particularmente, aqui no País onde estou, em Portugal. Aí eu resolvi construir vários textos. Eles foram escritos em intervalos mais ou menos regulares, relatando minhas impressões, minha sensação do que representava aquela experiência para mim e para todo o mundo, aquela experiência bem diferente, de estar em casa recolhido num espaço pequeno, no meu caso aqui, num apartamento de 90 metros quadrados, sem o direito de ir e vir. Essa foi a razão inicial de eu ter escrito o livro”.

REVISTA CENARIUM: Quando o livro foi lançado?

Odenildo Sena: “100 dias de quarentena – no tempo em que a vida parou” foi lançado exclusivamente em edição digital no site da amazon.com.br há 15 dias e está tendo uma ótima receptividade. Tenho recebido bons comentários de pessoas que leram o livro e gostaram. Talvez um pouco lá na frente saia a edição impressa”.

REVISTA CENARIUM: Está morando em Portugal há quanto tempo?

Odenildo Sena: “Desde dezembro de 2017”.

(Arquivo pessoal)

REVISTA CENARIUM: Decidiu mudar-se por que razão?

Odenildo Sena: “A decisão de mudar para cá foi pensada e aconteceu, sobretudo, em virtude de uma profunda amargura minha com os rumos que o País vinha tomando desde 2016, com o golpe contra a presidenta Dilma Rousseff. Aquilo foi a gota d’água para tomarmos a decisão de sairmos do Brasil, mesmo porque, naquele momento, já por conta de tudo o que vinha acontecendo, eu já imaginava, ou pelo menos previa, que a situação no Brasil não ia melhorar tão cedo, como de fato, isso se confirmou. O Brasil hoje vive uma situação tão dramática e a gente não sabe como isso irá terminar. E, para uma pessoa com a minha idade, estou caminhando para os 70 anos, isto é muito angustiante, porque a gente conseguiu lá atrás, a partir de 2003, até 2014, sonhar com um país diferente, mais igualitário, com menos concentração de renda, com mais educação, mais preocupado com a ciência, com os jovens, os pobres, os negros, e eu me dei conta de que isso tudo tinha ido por águas abaixo. E, de fato, as perspectivas de recuperação do Brasil, para voltarmos a sonhar com um país diferente, elas estão muito reduzidas hoje. Quando me mudei para cá, já estava aposentado da Ufam. Havia entregue o cargo de secretário de Ciência e Tecnologia que ocupava”.

REVISTA CENARIUM: Então o senhor foi em busca de um local para viver sua aposentadoria de uma forma mais tranquila, por assim dizer, diante do cenário político, econômico e social que se configurou no Brasil nos últimos anos… Está vivendo em que cidade? Com a família?

Odenildo Sena: “De fato, diante do quadro que a gente estava vivendo no Brasil e que se prolonga de forma até mais dramática, decidimos que precisávamos encontrar um lugar em que pudéssemos respirar com mais tranquilidade, onde encontrássemos mais tranquilidade, mais qualidade de vida e segurança e aí escolhemos a cidade do Porto. Nós moramos em uma extensão da cidade do Porto, que se chama Leça da Palmeira. E eu estou aqui com a família, com a esposa e o filho de hoje 17 anos”.

Leça da Palmeira, Portugal (Arquivo pessoal)
Leça da Palmeira, Portugal (Arquivo pessoal)

REVISTA CENARIUM: Entendo. Aliás, confesso que sinto uma certa inveja de quem tem um presidente como o de Portugal…

Odenildo Sena: “É bem verdade. Você fala do presidente, mas eu acrescentaria o primeiro-ministro também. E essa foi uma diferença que a gente percebeu muito aqui e isso está expresso no meu livro, uma diferença muito grande entre a atenção, os cuidados do poder público com a população, as providências tomadas em tempo hábil, enfim, há uma empatia maior do poder público, tanto do primeiro-ministro, quanto do presidente com o bem-estar da população, tanto que logo no início da pandemia, lá pelo dia 15 de março, Portugal já fechou suas fronteiras, começou a tomar suas providências muito cedo e, claro, essa presença diária do poder público, orientando a população, dando forças e também exigindo que a população cumprisse com as normas, isso tudo transmitiu uma confiança muito grande no poder público. Exatamente o que não aconteceu no Brasil e essa era uma coisa que me angustiava muito, porque ao mesmo tempo em que eu estava escrevendo o meu diário da quarentena, do que estava acontecendo aqui, do que eu via mais de perto aqui em Portugal, eu estava acompanhando de longe a tragédia que se avolumava a cada dia no Brasil. Então, foram momentos muito angustiantes, porque eu via as coisas acontecerem aqui e ao mesmo tempo voltava meu olhar para Manaus e para o Brasil e aquilo tudo me deixava profundamente angustiado e apreensivo”.

REVISTA CENARIUM: Todos os textos do livro seguem o estilo de crônica? E quantos textos o senhor produziu para o livro nesse período de isolamento?

Odenildo Sena: “Na verdade, o livro foi escrito no estilo bem descontraído da crônica, mas eu diria cheio de momentos poéticos também. É aquele texto que você escreve com parágrafos curtos, como eu costumo falar, para permitir que o leitor tenha tempo para respirar. E aí escrevi ao longo do período, sem preocupação de data exata. Não era todo dia que eu escrevia. Eu escrevia aos poucos, mesmo porque sou lento para escrever. Ao longo do período, eu escrevi 19 crônicas que dão conta do início mais conturbado da pandemia, da minha percepção sobre isso, até o momento em que eu, pela primeira vez, depois de 100 dias, saí de casa, e aí conto muito no livro, no decorrer das várias crônicas, diversas experiências vividas, dentre as quais o que a gente teve que aprender de novo porque a gente descobriu que a gente não estava preparado para não se valer do direito de ir e vir, de ficar recolhido, de não poder ir à rua, enfim, tivemos que aprender muito”.

REVISTA CENARIUM: Para o senhor, o que está sendo possível aprender com a pandemia?

Odenildo Sena: “A gente se deu conta de que a gente ouve muito pouco, a gente presta muito pouca atenção para o que chamei de invasão do silêncio, a gente não se dá conta de que o silêncio abriga um sem número de sentidos. Outra coisa que a gente acabou aprendendo, somos três aqui em casa, aprendemos que nós precisávamos nos entregar muito mais uns aos outros. Essa é outra coisa com a qual não estávamos acostumados, porque uma coisa é você ser obrigado a ficar recolhido em um espaço pequeno, transformar esse espaço na razão da sua vida, e outra coisa é você ter o direito de ir e vir, de sair a qualquer hora. Enfim, também descobrimos muita coisa boa. A tragédia também nos ensina a descobrir e a perceber que há coisas boas das quais a gente não se dava conta em outras ocasiões”.

REVISTA CENARIUM: O senhor já mencionou como se sente assistindo à distância a pandemia no Brasil, pode falar um pouco mais sobre isso?

Odenildo Sena: “Praticamente em todas as crônicas começo o texto fazendo uma apreciação até meio literária dos acontecimentos e termino sempre fazendo uma referência aos acontecimentos factuais que em geral marcavam os cinco, seis ou sete dias anteriores a eu concluir cada crônica. No fechamento de cada crônica, sempre faço uma referência ao que acontecia no Brasil naquele momento e o registro é sempre de muita indignação, sobretudo, porque o Brasil, em todos os sentidos, foi na contramão do que eu via em países como Portugal e Alemanha. Mas foi na contramão, sobretudo pela presença de um presidente extremamente irresponsável e sem nenhuma empatia com o povo”.

REVISTA CENARIUM: Como o senhor descreve a condução da pandemia pelo governo federal no Brasil?

Odenildo Sena: “Aí no Brasil, o que se via e o que ainda se vê ainda hoje, é uma coisa assustadora, de uma figura com todos os trejeitos de um psicopata que ao invés de conduzir a população para um lugar seguro, empurra a população para um abismo, na medida em que não dá exemplos de como a população deve se proteger, como deve se comportar numa situação como essa. Ele é o próprio exemplo daquilo que não se deve fazer”.

REVISTA CENARIUM: Na sua visão, as atitudes do presidente da República em relação à pandemia influenciam o comportamento da população?

Odenildo Sena: “Aí entra um pouco a questão do discurso, um presidente da República fala de um lugar social de muita relevância, de muita importância, mesmo sendo um picareta como esse que se tem no Brasil, hoje reconhecido como um genocida, ele fala de um lugar social que tem uma influência muito grande. Então, se ele estimula a aglomeração de pessoas, quando deveria manter distanciamento, se ele não usa máscara, se ele não se solidariza com os mais de 100 mil mortos, quase 120 mil mortos hoje, ele acaba mantendo um comportamento na contramão de tudo aquilo que se poderia esperar de um homem público, com espírito público. Esse é um homem público sem nenhum espírito público”.

REVISTA CENARIUM: Quais as consequências dessa falta de espírito público, na sua opinião?

Odenildo Sena: “Eu diria que é perfeitamente aceitável que se atribuam muitas das mortes no Brasil pela Covid-19 em decorrência dessa irresponsabilidade que acaba estimulando o povo a imitá-lo (o presidente) de uma certa forma. Isso agravou bastante a situação. Portanto, repito, acho plausível que a gente possa chamá-lo de um genocida mesmo. Ele contribuiu para a morte de milhares de pessoas nesse País e o que é mais trágico, em nenhum momento foi capaz de se solidarizar com as famílias, os parentes e os amigos, dessa mortandade toda que aconteceu e continua acontecendo no Brasil. Muita gente poderia ter sido salva, mas a irresponsabilidade dessa figura grotesca não permitiu isso. E Manaus não fugiu ao que aconteceu no resto do Brasil. Eu ficava muito apavorado aqui vendo como a situação era tratada aqui em Portugal e olhando para Manaus, vendo o povo na rua como se nada estivesse acontecendo, como se fosse, entre aspas, uma ‘gripezinha’ mesmo. Uma única gripezinha não tira em tão pouco tempo a vida de tanta gente de todas as idades”.

REVISTA CENARIUM: E qual foi (ou está sendo) o maior desafio para o senhor no isolamento?

Odenildo Sena: “O maior desafio, eu poderia resumir assim, foi a impossibilidade do abraço. Isso eu acho que é representativo do maior sofrimento que a gente viveu, e ainda vive, por conta dessa pandemia. Tanto que quando eu, particularmente, saí depois de 100 dias e tive um primeiro encontro com pessoas conhecidas em um café que a gente frequenta aqui perto, foi uma experiência terrível, porque nós estávamos acostumados a nos cumprimentar, nos abraçar e aqui em Portugal há muito o hábito do beijinho e a gente se viu impossibilitado de fazer isso. Enfim, a (falta de) interação com as pessoas foi o que mais maltratou a gente. Mas, ao lado desse sofrimento, dessa angústia, eu procurei tirar proveito do isolamento. Então foi um período que eu acho que nunca tinha escrito tanto na minha vida. Escrevi acho que muito, produzi bastante, tenho três livros prontos para publicação. Um deles sairá agora em setembro, um outro livro novo chamado “Aprendiz de Escritor”, que é um projeto antigo que eu tinha na minha cabeça e ele saltou para o papel sobretudo nesse período de isolamento”.

REVISTA CENARIUM: Do que trata “Aprendiz de Escritor”?

Odenildo Sena: “Aprendiz de escritor” trata-se de uma visita ao processo de criação de vários escritores famosos, do meu próprio processo de criação e, resultado disso, o compartilhamento de algumas crônicas minhas todas voltadas para os temas dos livros, das leituras e da escrita. É, também, uma tentativa de mostrar aos leitores que, com leitura, dedicação e disciplina é possível qualquer um se tornar um escritor de bons textos”.

(Reprodução)

REVISTA CENARIUM: O senhor produziu bastante na quarentena. O isolamento é bom para a escrita, para o escritor?

Odenildo Sena: “Eu procurei tirar o máximo de proveito da quarentena me ocupando com a escrita. Como eu tenho a mania de só conseguir escrever sem barulho em meu redor, o silêncio do isolamento acabou me ajudando muito. Não que eu goste de escrever. Escrever para mim é sempre um desafio, dá muito trabalho, mas, como eu costumo dizer, o que me salva na velhice é a escrita, não por eu gostar de escrever, mas pela necessidade que tenho de escrever”.

REVISTA CENARIUM: Quantos textos já produziu recentemente, no isolamento?

Odenildo Sena: “Consegui produzir muito. Além do livro “100 dias de quarentena”, que escrevi motivado pela situação inusitada da pandemia, terminei um outro livro chamado “Aprendiz de escritor”, que terá a edição impressa pela Editora Valer. O livro será lançado numa live transmitida pelas minhas redes sociais em 25 de setembro, às 19h, horário de Manaus, com a presença de Milton Hatoum, Tenório Telles, Marcos Frederico, Neiza Teixeira, além de mim. O Milton Hatoum escreveu um pequeno texto para a contracapa do livro. Além disso, produzi bastante material que, com calma e paciência, vou transformar em pelo menos mais dois livros. Ao lado disso, tenho pronto um livro chamado “O passo a passo na construção do texto”, destinado a alunos do ensino fundamental. Enfim, mesmo com a quarentena já amenizada, continuo produzindo bastante e sempre estou compartilhando meus textos nas redes sociais, principalmente no Facebook, onde mantenho uma página chamada “Odenildo Sena – Meus escritos”.

REVISTA CENARIUM: Diria que ainda segue em isolamento?

Odenildo Sena: “Sim, em isolamento parcial. Agora já saio duas ou três vezes por semana para um passeio na orla do Atlântico, que fica aqui perto de casa. Mas com todos os cuidados possíveis”.

(Arquivo pessoal)

REVISTA CENARIUM: Como está o dia a dia por aí, agora, com a reabertura das atividades?

Odenildo Sena: “A vida por aqui foi retomada, mas há uma série de regras de segurança que as pessoas continuam seguindo, uma vez que o vírus continua circulando. A média de mortos em Portugal nas últimas semanas tem sido entre duas a cinco pessoas. Mas o importante é que a situação está sob controle, porque o poder público monitora os novos casos de contágios”.

REVISTA CENARIUM: Tem se dedicado exclusivamente à escrita e à família?

Odenildo Sena: “Sim! E isso me dá enorme prazer nessas alturas da vida”.

REVISTA CENARIUM: O senhor ocupou cargo no governo e chegou a se candidatar a vereador. Tem acompanhado as movimentações políticas para as eleições deste ano no Amazonas?

Odenildo Sena: “Sim, fui presidente da Fapeam e secretário de Ciência e Tecnologia. Conseguimos desenvolver grandes projetos na área e colocar o Amazonas no mapa da ciência no Brasil. Quando percebi que não seria mais possível trabalhar com independência, entreguei o cargo e fui para casa. Quanto a minha experiência como candidato a vereador, que agora está completando quatro anos, consegui perto de 1.300 votos, não fui eleito, mas pude aprender um pouco que é muito difícil mudar mentalidades com vistas a um trabalho político de caráter mais coletivo, como seria desejável para a redenção da cidade de Manaus. Distante e olhando de fora para Manaus e para o Estado, fica mais fácil entender como nosso povo se acostuma e se conforma com a precariedade das coisas. Só para citar alguns poucos exemplos de Manaus, é simplesmente impossível explicar aqui na Europa que entra década e sai década e ainda falta água nas torneiras; que diariamente áreas inteiras da cidade ficam se energia! Além disso, assusta-me mais ainda verificar que as figuras que aparecem na preferência do povo para a prefeitura são exatamente as mesmas que por décadas ocupam cargos no Executivo e no Legislativo, nada fizeram de estruturante pela cidade e pelo Estado, mas continuam na “crista da onda”. No quadro atual de candidatos à prefeitura (de Manaus), a única e verdadeira novidade, a meu ver, seria a escolha do deputado José Ricardo. Afora isso, não vejo perspectiva alguma para essa pobre e sempre maltratada cidade”.

REVISTA CENARIUM: Acredita que a humanidade sairá melhor, evoluirá com a pandemia?

Odenildo Sena: “Eu me empolguei um pouco quando comecei a analisar as coisas, achando que o mundo sairia melhor dessa pandemia, que as pessoas sairiam melhores, com outra consciência, mas aos poucos eu fui desconstruindo essa minha percepção, que na verdade era uma grande ilusão. O mundo não vai mudar muito em relação a isso, a despeito de toda tragédia que isso já representou, continua representando e vai representar por muito tempo ainda lá na frente. O mundo, eu diria, está saindo pior, talvez. Mas, por outro lado, talvez, eu diria que a gente nunca teve tanta oportunidade de refletir sobre o nosso comportamento, sobre o mundo, sobre a importância da presença do poder público. Acho que tivemos a chance de sairmos dessa mais humanos, mas hoje não creio que a gente vá conseguir. O mundo já travessou tantas tragédias, a 1ª Guerra Mundial, 2ª Guerra Mundial, a gripe espanhola no início do século passado, as guerras recentes e isso não representou nenhuma mudança. Eu acho mesmo que, essa frase é atribuída ao Nelson Rodrigues, acho mesmo que já fui mais otimista em relação à humanidade, mas acho que verdadeiramente ela não deu certo. A humanidade não deu certo. É preciso outra forma de existência nesse mundo”.

REVISTA CENARIUM: Pretende voltar a morar no Brasil um dia?

Odenildo Sena: “Embora não possa prever o futuro, a princípio não existe em meu horizonte de vida o desejo de retornar para o Brasil. Mesmo porque a tragédia que aí se instalou desde o golpe contra a presidenta Dilma Rousseff indica que o Brasil precisará talvez de décadas para retomar o caminho do País dos meus sonhos. A caminho dos 70 anos, certamente não terei tempo de ver e viver isso. Torço para que, pelo menos, a sua geração e as gerações mais novas possam viver nesse país sonhado por minha geração”.

“Brasil precisará talvez de décadas para retomar o caminho do País dos meus sonhos” (Arquivo pessoal)