Endometriose: uma em cada dez mulheres sofrem com a doença; demora no diagnóstico agrava sintomas, dizem especialistas

11 de julho de 2022

15:07

Eliziane Paiva – Da Revista Cenarium

MANAUS – Doença conhecida por ocasionar sintomas desconfortantes e prejudiciais à qualidade de vida das mulheres, principalmente em idade reprodutiva, a endometriose acomete uma a cada dez mulheres, de acordo com o Ministério da Saúde.

E com base no documento da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), em média, estima-se tempo entre o início dos sintomas e o diagnóstico definitivo em um período de, aproximadamente, sete anos.

O assunto ganhou repercussão com o anúncio da cantora Anitta, ao dizer que sofre com dores “sem explicação” há nove anos e recebeu o diagnóstico da doença que, segundo esclarecem especialistas, pode prejudicar ainda os ovários, as tubas e outros órgãos, como o intestino e a bexiga.

A endometriose acomete uma a cada dez mulheres. (Reprodução)

De acordo com informações da Febrasgo, o endométrio que reveste a parte interior da cavidade uterina, renovado mensalmente por meio da descamação durante o fluxo menstrual, em algumas situações, ao invés de ser eliminado ele volta pelas trompas, alcança a cavidade pélvica e abdominal, causando a patologia.

Na pelve, as células do endométrio funcionam de forma semelhante as que estão revestindo o útero, isso quer dizer que a menstruação ocorre normalmente, entretanto, no lugar errado, atenuando grande parte dos sintomas da doença.

Especialistas em endometriose

Em depoimento à Febrasgo, o vice-presidente da Comissão Nacional Especializada em Mortalidade Materna, Dr. Rodolfo de Carvalho Pacagnella, afirma que esses tipos de desafios são agravados pela forma de como a mulher é observada pela sociedade. 

“Em uma sociedade onde se enxerga a mulher como um ser de segunda categoria, se investe pouco na vida das mulheres, se investe pouco na qualidade de vida dessas mulheres, se investe pouco no reconhecimento dessas mulheres como fundamentais para a constituição de um País, de uma sociedade justa e igualitária”, destaca Pacagnella.

Segundo a Febrasgo, 10% da população global feminina é portadora de endometriose, e cerca de 50% das pacientes com dor pélvica e infertilidade possuem a doença. No Brasil, com exame clínico, ultrassom e ressonância magnética, o diagnóstico demora, em média, sete anos para ser concluído.

Dores pélvicas incapacitantes e infertilidade são os principais sintomas da endometriose. (Reprodução)

Especialistas em ginecologia destacam que entre os principais sintomas estão a dismenorreia, quando há sintomas de cólica muito intensa, dor pélvica crônica ou dor acíclica; dispareunia de profundidade, dores durante a relação sexual; alterações intestinais cíclicas ou distensão abdominal; sangramento nas fezes, constipação, disquezia e dor anal no período menstrual; alterações urinárias cíclicas ou disúria; hematúria; polaciúria e urgência miccional no período menstrual, e a infertilidade.

De acordo com a endocrinologista Géssica Andrade, no Brasil, cerca de 7 milhões de mulheres em idade reprodutiva possuem endometriose, porém, o diagnóstico precoce não é feito e a doença inflamatória evolui. 

“O problema é que a endometriose é uma ‘doença inflamatória sistêmica’, afeta todo o corpo, e, por isso, fazer apenas o bloqueio hormonal ou cirurgia não basta”, destaca a médica, acrescentando ainda que a regulamentação do sono, prática de atividades físicas e suplementação de nutrientes podem ajudar na desinflamação.

A psicóloga, terapeuta da ginecologia natural e pesquisadora sobre a menstruação Andressa Guerreiro relata que em Manaus a falta de profissionais capacitados é uma das maiores queixas de suas pacientes com endometriose, além da demora no diagnóstico e que a endometriose é vista pelos médicos como uma doença que afeta apenas o corpo da mulher quando há ainda uma doença emocional.

Psicóloga e terapeuta da ginecologia natural, Andressa Guerreiro. (Divulgação)

“A endometriose também é uma doença emocional, assim como todas as irregularidades que acontecem no útero da mulher. O nosso útero é um receptáculo de energia, de dores emocionais, de traumas”, disse à REVISTA CENARIUM, ao explanar que muitos diagnósticos se limitam em apenas uma categoria de tratamento, quando, na verdade, há um “leque” de tratamentos que precisam ser feitos em paralelo.

Andressa, diagnosticada com endometriose neste ano, disse ainda que precisou recorrer ao atendimento clínico fora de Manaus. “Esse ano, depois de quase dez anos passando por vários médicos, recebi o diagnóstico, por isso, a doença se agravou, pela demora e por falta de profissionais qualificados”, desabafa.

A fisioterapeuta especializada em Fisioterapia Pélvica-Uroginecologia Funcional Patrícia Oliveira conversou com a reportagem da REVISTA CENARIUM e revelou haver queixas de incontinência urinária ou constipação intestinal de pacientes com o diagnóstico. 

Fisioterapia Pélvica-Uroginecologia Funcional, Patrícia Oliveira. (Divulgação)

“É elaborado um protocolo de tratamento fisioterapêutico personalizado para essa mulher, com objetivo de minimizar os sintomas em conjunto com o tratamento médico”, disse Patrícia, ao citar alguns dos recursos utilizados.  “A fisioterapia pélvica vem somar junto ao tratamento multidisciplinar da endometriose, focando na redução da dor e do desconforto apresentado pela paciente de forma individual, levando qualidade de vida para essa mulher”, finaliza.

Mobilização

A escritora e jornalista Caroline Salazar, que há 12 anos lançou o blog “A Endometriose e Eu“, com o propósito de desmistificar o tema e compartilhar estudos científicos sobre a endometriose, realiza também palestras de conscientização para que mulheres sejam diagnosticadas precocemente.

“Apesar de ter ultrapassado uma década de vida, sei que ainda estamos no começo da missão. Precisamos educar a sociedade, especialmente as pessoas que sofrem com endometriose sobre as verdades sobre a doença. A informação correta salva-vidas e sou imensamente grata por realizar esse feito diariamente.”

Caroline foi pioneira no Brasil em falar abertamente sobre uma consequência pouco conhecida da endometriose, a dispareunia, dor durante a relação sexual, e seu tratamento, a fisioterapia uroginecológica.

Palestra de Caroline Salazar sobre Endometriose no Senado Federal (Reprodução)

Além disso, a escritora luta pelo reconhecimento da doença como social e por políticas públicas efetivas para as mulheres brasileiras com endometriose. Hoje, Salazar é a principal ativista do Brasil na causa e é capitã brasileira da Marcha Mundial pela Conscientização da Endometriose, a ‘EndoMarcha’.

A EndoMarcha é uma manifestação em massa nunca realizada por nenhuma outra doença antes, que visa educar, conscientizar a sociedade e pedir o reconhecimento da doença como social e de saúde pública.

No dia 13 de março, foi sancionada a Lei 14.324, que determina o Dia Nacional de Luta contra a Endometriose, publicada no Diário Oficial da União, e também estabelece a Semana Nacional de Educação Preventiva e de Enfrentamento à Endometriose.

Conforme o texto da lei, o objetivo da iniciativa é sensibilizar a sociedade para os problemas da doença, por meio da disseminação de informações sobre diagnóstico, tratamento e ações preventivas e terapêuticas na área. Em 2016, Roraima foi o primeiro Estado a ter o dia 13 de março como Dia Estadual de Luta contra a Endometriose e a Semana Estadual de Educação Preventiva e Enfrentamento à Endometriose.