Entrevista exclusiva: ator que interpreta drag queen na série ‘As Five’ fala sobre vida e humor à CENARIUM

Bailarino, Marcos Oli interpreta uma drag queen na série 'As Five': 'Precisamos repensar a representatividade no audiovisual' (Divulgação)

03 de dezembro de 2020

13:12

João Paulo Guimarães

BELÉM, PA – Marcos Oli é incrível e completo. É da nova geração de atores brasileiros conhecidos pelo ativismo nas redes. Nessa quarta feira ele estreou na série As Five do Globoplay, série dirigida por Cao Hamburguer que narra um spin off de Malhação Viva a diferença e que vai misturar comédia e drama onde Marcos interpreta dois personagens, o bailarino Miguel e a drag queen Michelle.

Ator falou sobre novo papel em ‘As Five’, que vai ao ar no Globoplay (Divulgação/ Arquivo Pessoal)

Recentemente Marcos participou de um vídeo com Maria Bop, a Blogueirinha do fim do mundo, onde interpreta um atendente de Call Center que atende no Banco Reparação Histórica, que negocia a dívida que os povos brancos têm em relação à comunidade das pessoas pretas. O vídeo que tem uma carga temática pesada e séria surpreende pelo bom humor e interpretação escrachada, marca registrada dos vídeos de Maria Bop e incorporada por Marcos que mostra uma química natural contracenando com a Blogueirinha. Em entrevista exclusiva para a REVISTA CENARIUM, Marcos nos conta como foi o processo e fala também sobre sua vida e sobre eleições.

Como drag, Marcos Oli posa e arranca elogios (Divulgação/ Arquivo Pessoal)

Cenarium: Marcos. Parabéns. É muito divertido ver vocês dois no vídeo que além de ser engraçado faz a gente refletir junto à postura da cliente que é interpretada pela Maria. O vídeo onde você e Maria protagonizam uma chamada de call center de marketing pra um banco é genial e hilário. Quanto tempo demoraram pra gravar e como foi o processo criativo do texto que aborda a dívida histórica do branco com o povo negro?

Marcos: Foi tudo muito rápido. Lembro de ter começado a escrever esse roteiro pra eu fazer os dois personagens, como sempre fiz, mas percebi que esse texto precisava ser divido com alguém, rapidamente me veio Maria Bopp (Blogueirinha do Fim do Mundo), que serviu de referência para mim quando comecei a criar os meus vídeos no IGTV. Então a convidei numa segunda-feira, enquanto estava escrevendo a esquete, e ela aceitou de cara, fiquei muito feliz! Na terça-feira, gravamos, na quarta-feira enviei para a edição e na quinta-feira nosso filho já estava pronto para nascer (risos).

Cenarium: Humor ainda é o melhor caminho ou é o que chama mais atenção pra problemas como as diferenças econômicas e a diferença no trato do poder público sobre assuntos como o racismo?

Marcos: Não diria o melhor caminho, até porque temos outros caminhos e mecanismos que podemos usar como forma de protesto ou reflexão. A arte em si, é um grande exemplo. Mas eu percebi que é através do riso que as pessoas se reconhecem, começam a refletir e tiram suas próprias conclusões. O famoso “rindo de nervoso” é uma expressão que recebo em 90% dos meus posts desde que comecei a escrever sobre racismo, política e “perrengues de um artista ativista”. O humor me levou pra essa sagacidade de fazer rir e chorar sem precisar ter muito tempo.

Cenarium: Como você conheceu Maria?

Marcos: Conheci a Maria em um curta metragem, o “Preto no Branco”, dirigido por Valtinho Rege. E lembro de estar a assistindo do vídeo e de ficar babando… Ela sempre foi uma ótima atriz. É um filme bem denso, pois trata do racismo, mas era como se ali já tivesse um pouquinho da Blogueirinha do Fim do Mundo sem ela saber. Tinha certeza que trabalharíamos depois de um tempo e aconteceu!

(Reprodução/ Internet)

Cenarium: Ainda existem pessoas no poder público que negam o racismo no país. E é um tipo de negação que chega a ser criminosa. Qual seria o motivo dessas pessoas quererem camuflar algo que é tão óbvio?

Marcos: Existem, sim, e, para mim, racismo deveria ser um crime inafiançável. Ao invés de Ordem e Progresso, em nossa bandeira deveria vir escrito “O mito da democracia racial”. O Brasil se recusa a falar de racismo, porque eles se recusam a querer reconhecer e tratar o racismo estrutural. Assim como já disse Darcy Ribeiro, a crise educacional no Brasil não é uma crise e, sim, um projeto. Eu diria que o mito da democracia racial também seria um projeto de defender a inexistência do racismo no Brasil.

Cenarium: O que caracteriza mais o racismo no Brasil?

Marcos: Discriminação, desigualdade social, sistema meritocrático, falta de representatividade das mídias, sistema judiciário e o mito da democracia racial, para citar alguns exemplos.

Cenarium: A diferença econômica ou a diferença no trato de órgãos como a polícia militar e civil nas abordagens a pessoas pretas no país todo?

Marcos: Sempre. Quando falamos sobre racismo estrutural falamos sobre o sistema judiciário e de segurança pública de nosso país. Não tem como dizer que não a diferença no trato com pessoas pretas, quando temos no sistema de encarceramento uma ocupação maior de pessoas pretas. “Preto no Branco”, que é o curta metragem que citei anteriormente, retrata a abordagem da polícia com pessoas pretas de forma desumana e agressiva. Não tem como não se reconhecer nesse filme e perceber que para o branco, pessoas pretas paradas são suspeitas e correndo são culpadas, como disse Maju Coutinho.

Cenarium: Marcos muito obrigado por dedicar esse tempo pra falar com a gente da revista e a Cenarium tem só mais uma perguntinha. Gostaríamos de saber como podemos fazer pra pagar nossa dívida com os povos ancestrais do nosso Brasil. O brasileiro branco que nega a realidade do problema têm dinheiro suficiente pra isso?

Marcos: O brasileiro nega ter dinheiro para qualquer coisa quando se trata de reparação. Como falamos no vídeo, a dívida precisa ser paga por quem envolveu nosso sangue e inventou o racismo. Quando a Blogueirinha pergunta ao atendente eu reafirmo “O primeiro passo é reconhecer que quem nos deve são vocês”. Não adianta só não ser racista, o branco precisa ser antirracista, reconhecer seus privilégios e entender o que pode fazer para mudar isso. Se sou empresário, quantas pessoas pretas eu contrato? Se tenho uma escola, quantos professores pretos eu contrato? Quantos conteúdos pretos eu consumo no dia a dia? Isso, dentre outras coisas, como ser a favor e lutar por cotas sociais, a democratização das mídias e o combate à desigualdade.