ESPECIAL | Eles fizeram a Amazônia de cobaia – ‘Kit Covid’ em Belém

Nos primeiros meses deste ano, Belém viveu um pico da pandemia de Covid-19 (Agência Belém/Fotos Públicas)

24 de agosto de 2021

09:08

Danilo Alves – Da Cenarium

BELÉM (PA) – “Eu confesso que cheguei a acreditar que a azitromicina seria eficaz”. A declaração é do gerente de Tecnologia da Informação, Leandro Júnior, 55, que, no início deste ano, procurou uma Unidade de Pronto-Atendimento (UPA) de Belém com sintomas de Covid19, como falta de ar e perda de olfato e paladar. A azitromicina, um dos remédios de eficácia não comprovada, mas ainda utilizado como tratamento precoce da doença, foi receitado a ele, mas sem o resultado prometido.

Antes do início da vacinação no Pará, no mês de fevereiro deste ano, o Sistema Único de Saúde (SUS) do Estado atendeu, em média, 8 mil pacientes com sintomas de Covid-19 por dia, conforme site de monitoramento da Secretaria de Saúde do Estado do Pará (Sespa). A porta de entrada para a rede pública foram as UPAs e hospitais administrados pelas prefeituras. Em Belém, no pico da pandemia, o serviço chegou a ficar superlotado, com média de 3 mil atendimentos diários. Foi nesta mesma época que Leandro Júnior procurou atendimento.

“Além do AZ [azitromicina], o médico também me receitou medicamentos paliativos para sintomas, o paracetamol e vitaminas de complexo B. Como havia falta de paladar, ele também realizou meu encaminhamento para a realização do teste”, contou. Leandro foi diagnosticado com Covid-19. “Eu confesso que cheguei a acreditar que a azitromicina seria eficaz, já que é indicada para o tratamento de infecções causadas por bactérias sensíveis. No entanto, nada disso me eximiu de ser infectado”, disse Leandro.

Cinco meses depois do atendimento de Leandro, a reportagem da CENARIUM, em Belém, visitou duas UPAs para saber se os médicos da rede pública ainda receitam medicamentos do “Kit Covid”. Uma delas foi justamente a UPA onde Leandro foi atendido, no bairro Terra Firme. Por lá, o cenário era diferente dos últimos meses, quando pacientes aguardavam em filas pelo médico, enquanto os acompanhantes esperavam do lado de fora.

Há registros de utilização de medicamentos do “Kit Covid” em Belém, no início deste ano (Ricardo Oliveira/Cenarium)

O atendimento demorou cerca de uma hora e meia. Durante a triagem, o paciente é questionado sobre os sintomas que sente e, após 40 minutos, o médico realiza a consulta. Para quem não manifesta sintomas graves, o médico receita vitaminas do complexo B e soro para hidratação. Durante a consulta, a reportagem questionou o profissional sobre o teste. Ele orientou que a testagem fosse realizada na policlínica central de Belém, localizada no hospital de campanha do Estado, e prescreveu um encaminhamento, já que foi mencionado durante atendimento sintoma de perda de olfato.

A outra UPA visitada, fica em Icoaraci, distrito de Belém. No local, além dos pacientes com sintomas de Covid-19, havia outras pessoas que necessitavam de atendimento de urgência/emergência, por isso a consulta demorou mais tempo para acontecer. Durante a espera, a reportagem da CENARIUM conversou com Keylleane Santos Dias, 23. Ela foi à UPA se queixando de falta de ar e foi medicada no local com broncodilatadores. “O médico disse que não era Covid-19, mas sim crise de ansiedade, mas, mesmo assim, vou pagar para fazer o teste, porque estou sentindo essa dor há uma semana”, conversou.

Após duas horas, o atendimento ocorreu, no mesmo protocolo da primeira UPA visitada. Durante a consulta com o médico, o mesmo que atendeu Keylleane, este também afirmou que apesar dos sintomas descritos, não acreditava que fosse Covid-19. Após insistência em afirmar que um dos sintomas era falta de olfato, o médico então solicitou que descrevesse com detalhes os sintomas. Ao final, o profissional garantiu que não havia como ser Covid-19, devido ao número de pacientes que ele já atendeu, e de como a doença se desenvolve, mesmo em alguém assintomático. Não houve receituário e a consulta foi finalizada.

“Eu confesso que cheguei a acreditar que a azitromicina seria eficaz, já que é indicada para o tratamento de infecções por bactérias. No entanto, nada me eximiu de ser infectado”, Leandro Júnior, 55 anos, gerente de Tecnologia da Informação.

O procedimento pode ter sido diferente nas duas unidades hospitalares visitadas, mas houve algo em comum: a livre decisão do profissional de saúde em adotar ou não os protocolos para identificar se o paciente está ou não infectado.

A Secretaria Municipal de Saúde (Sesma) informou que os atendimentos realizados nas UPAs e hospitais municipais respeitam o protocolo adotado pelo Ministério da Saúde e pela Organização Mundial da Saúde (OMS), desde o início da pandemia da Covid-19. Ainda segundo a Sesma, os profissionais de saúde que realizam os atendimentos foram orientados a respeitar as regras de segurança para melhor tratamento dos pacientes infectados. A secretaria também informou que não há registros de denúncias relacionadas a tratamento precoce contra a Covid-19 na Região Metropolitana de Belém.