Especialistas analisam comportamento de adolescente que matou a mãe e o irmão por ser proibido de usar celular

Dados do Fórum de Segurança Pública apontam que, entre 2019 e 2021, mais de 130 crianças sofreram algum tipo de violência (Reprodução)

22 de março de 2022

20:03

Malu Dacio – Da Revista Cenarium

MANAUS – Quando um garoto de 13 anos executa a mãe, o irmão mais novo de apenas 7 anos e tenta contra a vida do próprio pai, como aconteceu no último sábado, 19, uma série de questionamentos entram em voga. Acontece que a motivação torpe gera ainda mais discussões. Segundo a Polícia Civil, ele disse que cometeu os crimes porque teria sido proibido de usar o celular para jogar com os amigos e praticar jogos. 

A REVISTA CENARIUM procurou especialistas e questionou para além do ocorrido: o que leva um jovem a desenvolver tal atitude? Alessandra Pereira, psicóloga e especialista em terapia cognitiva comportamental explica que muito dos comportamentos dos jovens da atualidade é resultado de um processo educativo deficitário e que muitos pais têm dificuldades em acompanhar as mudanças geracionais.

“Vivemos numa sociedade tecnológica, velhas fórmulas educativas, usadas no século passado, para lidar com as atuais gerações, simplesmente não funcionam. A educação baseada no medo impede que o diálogo e o cuidado sejam as tônicas de uma educação autônoma e saudável. A violência, sempre surge, como alternativa, quando os pais não sabem como lidar com as situações impondo aos filhos a punição, o medo e controle como estratégias de educação”, explica a especialista.

A psicóloga define que dialogar dá trabalho, assim como educar também exige tempo e abertura. “Os pais não sabem falar ou conversar. Muitos, ao tentar iniciar uma conversa com os filhos fazem um monólogo, sermão, ou exigem obediência, como se o ambiente familiar fosse um quartel e as relações entre pais e filhos fossem hierarquizadas”, salientou.

A tarefa de dialogar e educar não é fácil. “Vivemos uma quebra nos modelos aprendidos até o final do século XX e se os pais desejam aprender a lidar com as novas gerações precisam abrir-se para discutir a educação de crianças e jovens no século XXI”, disse Alessandra.

Transferência de responsabilidades

A psicóloga não acredita que o acesso aos jogos seja o problema. A maior questão, de acordo com a especialista, é a ausência de acompanhamento dos pais na educação dos filhos. Ela conta que na adolescência, pouquíssimos pais se importam com o que os filhos fazem, desde que não deem o famoso “trabalho”.

De acordo com Alessandra, as escolas que têm como público adolescentes, são quase unânimes em dizer que os pais de adolescente raramente aparecem nas reuniões de escola. Questionada se essa ‘culpa jogada’ para a tecnologia pode ser uma transferência de responsabilidade de quem deveria ter a responsabilidade, ela resume.

“Não penso em culpa, mas acredito que a sociedade, juntamente com a família, na função de cuidadores, são os maiores responsáveis pelos “adoecimentos” sociais protagonizados por crianças, jovens e até adultos. A sociedade também tem sua parcela nisso e não é pouca”, apontou.

Violência entre crianças e adolescentes, infelizmente, não são casos isolados. Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública divulgados no fim de 2021 apontam que entre 2019 e 2021 o total de crimes com vítimas de 0 a 17 anos foi de 129.844 mil registros. O estudo completo está disponível ao final da publicação.

24.761 desses registros de violência contra crianças e adolescentes aconteceram no 1º semestre de 2021.
O Brasil registra, ao menos, 136,8 casos de violência contra crianças e adolescentes por dia, no 1º semestre de 2021.

A finalidade do estudo é promover um olhar inédito para o contexto da violência contra crianças, por meio da compilação de dados de Boletins de Ocorrência. Os crimes aqui considerados são: maus tratos (art. 136 do Código Penal e art. 232 do Estatuto da Criança e do Adolescente), lesão corporal dolosa em contexto de violência doméstica (art. 129, §9º do Código Penal), exploração sexual (art. 218-B do Código Penal e artigo 244-A do ECA), estupro (inclui estupro de vulnerável) e mortes violentas intencionais, homicídios dolosos, feminicídios, latrocínio, lesão corporal seguida de morte e mortes decorrentes de
intervenção policial).

Armas dentro de casa

Gilson Gil, sociólogo e professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), define que tratar sobre a questão de armas no ambiente familiar é deveras complicado. Ele afirma que os militares recebem treinamentos e são ensinados sobre como se portar com as armas de fogo, mas o mesmo não acontece com as outras pessoas de seu respectivo seio familiar.

“A presença da arma é algo complicado. Há argumentos a favor de seu porte em casa, mas há também exemplos como esse que indicam a periculosidade desse ato. O pai pode ser treinado, mas os familiares não. Isso faz com que aliado a um cenário de conflito e desagregação, a posse da arma acabe sendo um ponto de distúrbio e ameaça e não de segurança”, destaca o sociólogo.

O professor também acredita que o uso do celular, especialmente, entre os jovens, tornou-se uma obsessão. “Faz parte da identidade deles sendo estimulados pela mídia, pelas famílias e isso ocorre a todo momento. É mais do que hora das pessoas refletirem sobre o real papel desse instrumento”, admoestou o especialista.

“Os jovens estão sem limites normativos. É difícil para as famílias colocar estes limites. Certos valores como família, estudo ou trabalho, parecem pouco significar para alguns grupos e gerações”, finalizou o especialista.

Veja estudo completo:

Malu Dacio – Da Revista Cenarium

MANAUS – Quando um garoto de 13 anos executa a mãe, o irmão mais novo de apenas 7 anos e tenta contra a vida do próprio pai, como aconteceu no último sábado, 19, uma série de questionamentos entram em voga. Acontece que a motivação torpe gera ainda mais discussões. Segundo a Polícia Civil, ele disse que cometeu os crimes porque teria sido proibido de usar o celular para jogar com os amigos e praticar jogos. 

A REVISTA CENARIUM procurou especialistas e questionou para além do ocorrido: o que leva um jovem a desenvolver tal atitude? Alessandra Pereira, psicóloga e especialista em terapia cognitiva comportamental explica que muito dos comportamentos dos jovens da atualidade é resultado de um processo educativo deficitário e que muitos pais têm dificuldades em acompanhar as mudanças geracionais.

“Vivemos numa sociedade tecnológica, velhas fórmulas educativas, usadas no século passado, para lidar com as atuais gerações, simplesmente não funcionam. A educação baseada no medo impede que o diálogo e o cuidado sejam as tônicas de uma educação autônoma e saudável. A violência, sempre surge, como alternativa, quando os pais não sabem como lidar com as situações impondo aos filhos a punição, o medo e controle como estratégias de educação”, explica a especialista.

A psicóloga define que dialogar dá trabalho, assim como educar também exige tempo e abertura. “Os pais não sabem falar ou conversar. Muitos, ao tentar iniciar uma conversa com os filhos fazem um monólogo, sermão, ou exigem obediência, como se o ambiente familiar fosse um quartel e as relações entre pais e filhos fossem hierarquizadas”, salientou.

A tarefa de dialogar e educar não é fácil. “Vivemos uma quebra nos modelos aprendidos até o final do século XX e se os pais desejam aprender a lidar com as novas gerações precisam abrir-se para discutir a educação de crianças e jovens no século XXI”, disse Alessandra.

Transferência de responsabilidades

A psicóloga não acredita que o acesso aos jogos seja o problema. A maior questão, de acordo com a especialista, é a ausência de acompanhamento dos pais na educação dos filhos. Ela conta que na adolescência, pouquíssimos pais se importam com o que os filhos fazem, desde que não deem o famoso “trabalho”.

De acordo com Alessandra, as escolas que têm como público adolescentes, são quase unânimes em dizer que os pais de adolescente raramente aparecem nas reuniões de escola. Questionada se essa ‘culpa jogada’ para a tecnologia pode ser uma transferência de responsabilidade de quem deveria ter a responsabilidade, ela resume.

“Não penso em culpa, mas acredito que a sociedade, juntamente com a família, na função de cuidadores, são os maiores responsáveis pelos “adoecimentos” sociais protagonizados por crianças, jovens e até adultos. A sociedade também tem sua parcela nisso e não é pouca”, apontou.

Violência entre crianças e adolescentes, infelizmente, não são casos isolados. Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública divulgados no fim de 2021 apontam que entre 2019 e 2021 o total de crimes com vítimas de 0 a 17 anos foi de 129.844 mil registros. O estudo completo está disponível ao final da publicação.

24.761 desses registros de violência contra crianças e adolescentes aconteceram no 1º semestre de 2021.
O Brasil registra, ao menos, 136,8 casos de violência contra crianças e adolescentes por dia, no 1º semestre de 2021.

A finalidade do estudo é promover um olhar inédito para o contexto da violência contra crianças, por meio da compilação de dados de Boletins de Ocorrência. Os crimes aqui considerados são: maus tratos (art. 136 do Código Penal e art. 232 do Estatuto da Criança e do Adolescente), lesão corporal dolosa em contexto de violência doméstica (art. 129, §9º do Código Penal), exploração sexual (art. 218-B do Código Penal e artigo 244-A do ECA), estupro (inclui estupro de vulnerável) e mortes violentas intencionais, homicídios dolosos, feminicídios, latrocínio, lesão corporal seguida de morte e mortes decorrentes de
intervenção policial).

Armas dentro de casa

Gilson Gil, sociólogo e professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), define que tratar sobre a questão de armas no ambiente familiar é deveras complicado. Ele afirma que os militares recebem treinamentos e são ensinados sobre como se portar com as armas de fogo, mas o mesmo não acontece com as outras pessoas de seu respectivo seio familiar.

“A presença da arma é algo complicado. Há argumentos a favor de seu porte em casa, mas há também exemplos como esse que indicam a periculosidade desse ato. O pai pode ser treinado, mas os familiares não. Isso faz com que aliado a um cenário de conflito e desagregação, a posse da arma acabe sendo um ponto de distúrbio e ameaça e não de segurança”, destaca o sociólogo.

O professor também acredita que o uso do celular, especialmente, entre os jovens, tornou-se uma obsessão. “Faz parte da identidade deles sendo estimulados pela mídia, pelas famílias e isso ocorre a todo momento. É mais do que hora das pessoas refletirem sobre o real papel desse instrumento”, admoestou o especialista.

“Os jovens estão sem limites normativos. É difícil para as famílias colocar estes limites. Certos valores como família, estudo ou trabalho, parecem pouco significar para alguns grupos e gerações”, finalizou o especialista.

Veja estudo completo: