‘Golpe de 64’: censura, violência e repressão marcaram ‘Anos de Chumbo’ da Ditadura Militar

Estudante é carregado por oficiais do Exército após confronto entre militares e estudantes no Rio de Janeiro. (Evandro Teixeira)

31 de março de 2022

13:03

Marcela Leiros – Da Revista Cenarium

MANAUS — Há 58 anos, no dia 31 de março de 1964, iniciava um período de violência, censura e repressão aos opositores do regime no Brasil. A Ditadura Militar, conhecida como “Anos de Chumbo“, durou 21 anos, teve cinco mandatos militares e instituiu 16 atos institucionais — mecanismos legais que se sobrepunham à Constituição. Mas apesar de parecer um período relativamente longínquo na história do País, o contexto político e social atual dá indícios de que se a democracia não for permanentemente defendida, o passado pode se tornar presente.

O golpe militar pôs fim no governo de João Goulart, o Jango. Nesse dia, tanques do Exército foram enviados ao Rio de Janeiro, onde estava o presidente. Três dias depois, ele partiu para o exílio no Uruguai e uma junta militar assumiu o poder do Brasil. A partir daí, iniciou-se uma agenda autoritária para modernizar o País e barrar os movimentos sociais que atuavam no período.

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“Na época, o mundo vivia a Guerra Fria. O medo americano a partir da Revolução Cubana, o plano ‘Condor de Kennedy’ que previa militarização da América Latina, o governo populista de João Goulart que se alinhava à esquerda, ocasionaram o golpe”, explica o historiador Cleomar Lima.

Enterro do estudante Edson Luís. (Arquivo Nacional, Correio da Manhã)

O historiador lembra ainda que a história parece se repetir. Recentemente, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) proibiu manifestações políticas em um dos maiores festivais de músicas do Brasil, o Lollapalooza. A decisão ocorreu após a cantora Pabllo Vittar gritar “fora Bolsonaro” e levantar a bandeira do ex-presidente Lula durante uma apresentação. O episódio causou grande repercussão e foi considerado por juristas e artistas como censura.

“A coisa está muito mais séria do que pensamos e o golpe está vindo pelas instituições republicanas. Censura, aparelhamento do TSE, aumento salarial só da categoria de policiais, nomeações de delegados federais que se alinham com os desmandos do governo, governos paralelos na saúde, educação, milícias digitais. Isso é só a ponta de Iceberg”, explica Lima.

Estudantes detidos no estádio de General Severiano.
(Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro)

Ordem do dia

O Ministério da Defesa divulgou nessa quarta-feira, 30, o texto da ordem do dia de 31 de março, a ser lida nesta quinta-feira, 31, nas unidades militares, no qual afirma que o golpe militar de 1964 resultou em “fortalecimento da democracia”. O texto é assinado pelo ministro da Defesa, general Braga Netto, e pelos comandantes de Exército, Marinha e Força Aérea.

“Nos anos seguintes ao dia 31 de março de 1964, a sociedade brasileira conduziu um período de estabilização, de segurança, de crescimento econômico e de amadurecimento político, que resultou no restabelecimento da paz no País, no fortalecimento da democracia, na ascensão do Brasil no concerto das nações e na aprovação da anistia ampla, geral e irrestrita pelo Congresso Nacional”, diz o texto.

“Nos deixaram um legado de paz, de liberdade e de democracia, valores estes inegociáveis, cuja preservação demanda de todos os brasileiros o eterno compromisso com a lei, com a estabilidade institucional e com a vontade popular”, afirma a Ordem do Dia.

Veja fotos dos “Anos de Chumbo”:

À CENARIUM, o cientista político Carlos Santiago enfatiza que existe um sentimento saudoso de setores da área militar, e também de militantes políticos, do período da Ditadura Militar, inclusive com depoimentos favoráveis às torturas, censuras e agressões contra opositores.

“O Golpe Militar de 1964 não deve ser comemorado, não deve ser aplaudido. Essa data serve para o País refletir sobre um passado que deve ser lembrado como um grande mal. Não se resolve problemas políticos, econômicos e sociais com ditaduras, agressões e censuras. Se resolve pela via democrática, pelo diálogo, pela conversa, pelo pacto, por eleições limpas e livres. Quem comemora o golpe de 1964 está muito distante dos valores democráticos. O atual governo não foi eleito para defender ou impor censuras, foi eleito para respeitar a Constituição”, destaca Santiago.

Carlos Santiago é sociólogo, analista político e advogado (Divulgação)