Governo federal pede dinheiro para combater desmatamento enquanto negligencia crimes ambientais

Polícia Federal realizou maior apreensão de madeira do Brasil na divisa do Pará com Amazonas (Reprodução/Polícia Federal)

20 de abril de 2021

16:04

Marcela Leiros

MANAUS – Ao mesmo tempo em que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) pede verbas estrangeiras para se comprometer com a preservação ambiental e combater o desmatamento ilegal, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, prometeu reduzir o desmatamento da Amazônia entre 30% e 40% em um ano se o Brasil receber US$ 1 bilhão (aproximadamente R$ 5,7 bilhões) de países estrangeiros. Salles foi denunciado por agir contra investigações que apuram crimes ambientais e continua no cargo mesmo diante das suspeitas.

O pedido de recursos financeiros para ajudar o governo brasileiro a cumprir metas de preservação do meio ambiente e redução de emissões de gases de efeito estufa foi feito por Bolsonaro ainda em fevereiro, na primeira reunião com o Estados Unidos sob gestão de Joe Biden. Participaram do encontro os ministros das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e o enviado especial do Clima do governo americano, John Kerry.

Agora, o pedido será reforçado na Cúpula de Líderes sobre o Clima, que inicia nesta quinta-feira, 22, onde o Brasil pretende se comprometer perante outros líderes globais a eliminar o desmatamento ilegal até 2030.

O ministro do Meio Ambiente foi denunciado ao Supremo Tribunal Federal (STF) pelo superintendente da Polícia Federal no Amazonas, Alexandre Saraiva, que apontou a possibilidade de ocorrência dos crimes de advocacia administrativa, organização criminosa e o crime de “obstar ou dificultar a ação fiscalizadora do poder público no trato de questões ambientais”.

Trecho da denúncia de Alexandre Saraiva enquanto superintendente da PF. (Reprodução/PF-AM)

Segundo Saraiva – exonerado após o envio da notícia-crime ao STF – Salles, junto com o senador Telmário Mota (PDT-RR), teve uma parceria com o setor madeireiro “no intento de buscar patrocínio de interesses privados e ilegítimos perante a Administração Pública.” O delegado da PF se referia às tratativas de Salles para “causar obstáculos à investigação de crimes ambientais” no âmbito da Operação Handroanthus GLO, que apreendeu o recorde histórico de 131 mil metros cúbicos de madeiras – equivalente a 6.243 caminhões lotados de carga – em tora na divisa dos estados do Pará e Amazonas.

As suspeitas do delegado são reforçadas por ações dos próprio ministro do Meio Ambiente. No dia 31 de março, Salles, esteve no Pará para fazer uma “verificação” da madeira apreendida. Segundo a Folha de S. Paulo, ele criticou a operação da PF e afirmou que houve falhas na ação e que as empresas proprietárias das toras teriam razão para contestar a investigação. Já em abril, o ministro se reuniu com empresários alvos da “Handroanthus GLO” e se comprometeu a promover uma revisão rápida da documentação, assim como apoiar uma eventual liberação da cerca de 40 mil toras.

Desmatamento recorde

O desmatamento na Amazônia cresceu 30% em 2020 e bateu o recorde de desmatamento dos últimos 10 anos, segundo dados do Sistema de Alerta de Desmatamento do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). Os Estados do Pará, Amazonas e Mato Grosso lideraram os índices de desmatamento no ano passado.

Entre janeiro e dezembro de 2020, a floresta perdeu 8.058 km² de área verde. Em comparação com 2019, foram derrubados 6.200 km² de floresta. Só em dezembro de 2020, os satélites registraram 276 km² de devastação, o que também significa recorde para a década.

No ranking dos estados que mais desmataram a Amazônia no ano passado, o Pará aparece em primeiro lugar, com 42% de todo o desmatamento registrado em doze meses. Em seguida vem Amazonas (17,2%), Mato Grosso (13,4%), Rondônia (12,9%), Acre (8.5%), Maranhão (2,9%), Roraima (2,5%) e, por último, Amapá (0,3%) e Tocantins (0,3%).

Emissão de gases

São Félix do Xingu (PA), Altamira (PA) e Porto Velho (RO) são as três cidades com a maior taxa de desmatamento dos últimos dois anos e que estão na lista das 10 que mais perderam floresta desde 2008. São elas também as que mais emitem CO2 no país, o principal gás do efeito estufa. 

Há uma relação direta, principalmente no Brasil. O Observatório do Clima, rede de 56 organizações da sociedade civil, contabilizou qual é a emissão de cada um dos 5.570 municípios do Brasil.

Entre as 10 cidades com a maior liberação de carbono, sete também estão no topo na lista de desmatamento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Cidades com mais emissões e a posição na Amazônia de perda de floresta:
  1. São Félix do Xingu (PA) – 2° lugar na taxa de desmatamento
  2. Altamira (PA) – 1° lugar na taxa de desmatamento
  3. Porto Velho (RO) – 3° lugar na taxa de desmatamento
  4. São Paulo (SP)
  5. Pacajá (PA) – 6° lugar na taxa de desmatamento
  6. Colniza (MT) – 12° lugar na taxa de desmatamento
  7. Lábrea (AM) – 4° lugar na taxa de desmatamento
  8. Novo Repartimento (PA) – 18° lugar na taxa de desmatamento
  9. Rio de Janeiro (RJ)
  10. Serra (ES)

Negou recursos

Em 2019, o governo brasileiro recusou a oferta de US$ 20 milhões dos países do G7 para ajudar no combate às queimadas na Amazônia. O anúncio da oferta de dinheiro foi do presidente francês, Emmanuel Macron.

À época, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, disse que estava “muito evidente o esforço, por parte de algumas correntes políticas, de extrapolar questões ambientais reais transformando-as numa ‘crise’ fabricada, como pretexto para introduzir mecanismos de controle externo da Amazônia”.

“O Brasil não aceitará nenhuma iniciativa que implique relativizar a soberania sobre o seu território, qualquer que seja o pretexto e qualquer que seja a roupagem”, afirmou Araújo. Alguns tempo depois, o presidente Jair Bolsonaro reforçou que o motivo da recusa foi por temer a “perda de soberania”.

“Tem países oferecendo alguns milhões de dólares para a gente para reflorestamento e tiveram embate comigo ano passado. Eu não aceitei isso porque a troca seria perdermos parte da soberania na região Amazônia”, declarou.