Insegurança alimentar é uma realidade maior em lares de mulheres pretas, mostra estudo

Moradora da Favela Serro Aglomerado (Foto: Pedro Vilela/Getty Imagens)

05 de agosto de 2022

15:08

Sara Araújo – Da Agência Amazônia

MANAUS – Um estudo publicado nesta sexta-feira, 5, pela Universidade Federal da Bahia, mostrou que os lares de mulheres negras são os mais afetados pela fome e 21,2% deles sofrem com insegurança alimentar. Essa realidade, segundo a historiadora e articuladora do Movimento de Mulheres Negras da Floresta-Dandara, Francy Junior, não se restringe apenas àquele Estado. A Região Norte ainda faz parte da triste estatística que coloca mães, solos e pretas, no topo do ranking da lista da falta de alimentação.

“Toda semana recebemos mulheres, mães de lares e pessoas pretas no geral que nos procuram porque precisam de alimentação. Estamos com um leque de famílias que tiveram suas situações agravadas pela pandemia, mas que já viviam em uma situação muito ruim. Temos pesquisas que mostram que, antes da pandemia, estávamos com uma total de 2,7 milhões de pessoas só no Amazonas com insegurança alimentar. A rede nacional de mulheres negras fez um levantamento e nesse período de dois anos e chegamos a distribuir oito toneladas de alimentos”, disse Francy Junior.

Francy Junior, historiadora e articuladora do Movimento de Mulheres Negras da Floresta-Dandara (Foto: Arquivo Pessoal)

Ela explica que essa realidade é muito pior no interior e em lugares mais distantes como comunidades ribeirinhas. “Na capital, ainda “é possível” fazer um bico, limpar um quintal e arrumar algo para comer. As pessoas olham para o caboclo e pensam que não passam fome porque é só pescar. Esse tipo de alimentação não é nem o que chamamos de alimentação segura, que é de fato ter uma refeição garantida”.

De acordo com Francy, é preciso fazer uma análise mais minuciosa, pois as realidades são específicas de cada lugar. “Esperávamos que os governantes pudessem olhar o mapa da fome por cidade. Aqui, no Amazonas, por exemplo, temos a Zona Franca de Manaus e as pessoas acham que isso é uma garantia geral para todos e, por isso, nessa região todos estão trabalhando e com alimento na mesa”.

Francy observa que esse público ainda é pouco assistido, mesmo com as políticas públicas que vieram para amenizar os impactos da pandemia. “Recebemos alimentação da Austrália e de outras pessoas que se mobilizam para ajudar. Eles (governo) fazem toda uma fiscalização nesse processo de entrega. Eles têm o controle de quem precisa, mas esses auxílios não chegam para muitos”.

Maria de Jesus, 36, e os filhos
(Foto: Ueslei Marcelino/Reuters)

Segundo a especialista, diversas famílias ficaram sem apoio. “Essas chefes de família mapeadas precisam ser fiscalizadas para assegurar que recebam seu benefício. Sou professora e vejo como essas pessoas foram afetadas por não terem um celular para assistir às aulas. Existem áreas realmente isoladas na Região Norte que precisam de assistência e não receberam esse direito, até mesmo na capital. Se não chegou a lugares da capital, imagine no mais longe interior”, disse a historiadora.

Francy adverte sobre a participação do Estado no processo de amparo e destaca a ideia de que atualmente vive-se uma falsa ilusão do cenário em que essa população se encontra. “Eles agem como se a pandemia tivesse acabado e que todos voltaram a trabalhar porque não estamos mais em isolamento. Atuam como se não houvesse mais pobreza, e as pessoas estivessem se alimentando normalmente e isso não é verdade. Muitos estão desempregados e a maioria são mulheres, mães solo. Aproximadamente, 78% das mães solo no Brasil estão endividadas, segundo uma pesquisa da Universidade do Rio de Janeiro.

Moradora da Favela Serro Aglomerado (Foto: Pedro Vilela/Getty Imagens)

De acordo com último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a Região Norte do Brasil comporta 1.388 milhão de pessoas pretas, o que representa um total de 7,5% da população. Para Francy, “Essas pessoas geralmente estão em famílias compostas por, pelo menos, sete pessoas, que não conseguem comprar jaraqui (peixe). Hoje, se você for à feira, não compra dez peixes por menos de R$20. Se conseguir comprar, dá basicamente para o almoço. E só estamos falando da proteína. São pessoas que só pensam no almoço porque podem facilmente dormir com fome”, lamenta a historiadora.