Instituto Marielle Franco oferece curso de formação a pré-candidatas negras de todos os Estados

Pré-candidatas a deputadas estaduais, selecionadas no projeto Estamos Prontas, dos Estados da Amazônia; candidata do Acre ainda não foi encontrada. (Arte: Isabelle Chaves)

11 de maio de 2022

16:05

Marcela Leiros – Da Revista Cenarium

MANAUS — A REVISTA CENARIUM firmou parceria com o Instituto Marielle Franco (IMF), que realiza, junto ao movimento Mulheres Negras Decidem (MND), o projeto “Estamos Prontas”, oferecendo curso de formação a pré-candidatas negras de todos os Estados. Na Amazônia, oito mulheres já foram selecionadas e muitas querem levar ao debate a discussão sobre a justiça socioambiental e a luta contra a invisibilidade da região. A liderança do Estado do Acre ainda não foi encontrada.

Entre as selecionadas da Região Norte do País estão: Suane Brazão (Solidariedade), do Amapá; Léo Simão (PT), de Rondônia; Francy Júnior (PT), do Amazonas; Bia Caminha (PT), do Pará; Ana Cleia Kika (PT), do Tocantins e Sirdennys Silva (PT), de Roraima. Ainda na Amazônia estão Creuzamar de Pinho (PT) e Professora Graciele (PT), do Mato Grosso.

A intenção do projeto é ampliar a representação na política institucional de mulheres negras, LBTQIA+ e periféricas, que atuam como lideranças coletivas. A pré-candidata a deputada estadual Ana Cleia Kika (PT), de Tocantins, conversou com a CENARIUM sobre a participação das mulheres da região amazônica no projeto e destacou que a conquista de espaços, principalmente na política, é extremamente necessária diante do apagamento histórico das mulheres dessa região.

A pré-candidata a deputada estadual Ana Cleia Kika (PT), de Tocantins. (Divulgação)

“A condição da mulher na Amazônia ainda precisa avançar muito”, disse Ana Cleia, que é pesquisadora e mestranda em Comunicação e Sociedade na Universidade Federal do Tocantins (UFT). “A gente nunca teve uma indígena representando o legislativo aqui ou a Câmara Municipal [em Tocantins], e nunca teve nenhuma mulher indígena ou quilombola na minha cidade. E conseguir ocupar esses espaços vai demorar muito. A gente só vai conseguir se a lei obrigar a inseri-las e quando elas são inseridas nesse contexto da disputa eleitoral, ainda vão estar em desvantagem em relação a outras mulheres”.

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Filha de agricultores analfabetos, Ana Cleia nasceu na cidade de Porto Nacional e é presidente do PT no município. A pré-candidata conta que a mãe só teve a oportunidade de estudar depois de 30 anos de casada, pois era impedida pelo marido. Ela mesmo só entrou na universidade federal aos 37 anos.

“Esse apagamento da nossa história enquanto mulheres da Amazônia ainda continua vivo. A gente vai servir apenas para fazer o serviço pesado: puxar carroça, para ir para as ruas, gritar e conseguir votos. Mas na hora de assumir de fato o legislativo, vão querer nos silenciar. Para mim, que sou uma mulher preta, que vem da periferia, onde a gente não tem esse recurso, ele [o projeto Estamos Prontas] veio como um pontapé inicial para ter mais energia para essa disputa eleitoral”, acrescentou.

Candidatura coletiva

A pré-candidata Francy Júnior, que é uma das selecionadas no projeto e se articula junto a outras seis mulheres para formarem uma bancada coletiva no Amazonas, foi candidata a vereadora na última eleição pelo grupo “Quilombo Petista”, coletivo formado por pessoas autodeclaradas pretas que querem pensar, e formar, uma estratégia para estar nos espaços de poder dentro e foras dos partidos.

“É uma candidatura antirracista, porque é de pessoas pretas, mas também tem mulheres indígenas. O sentimento maior que percebemos é que dentro da discussão e narrativa que estava sendo construída dentro do partido era de fortalecer nomes de homens. Percebemos que sozinhas nós sairíamos muito fragilizadas. Temos uma força, nós temos representatividade, temos inserção em diversos espaços e seguimentos da sociedade, e se unirmos essas forças, com certeza sairemos mais fortalecidas”, explicou à CENARIUM.

A pré-candidata Francy Júnior, do Amazonas. (Divulgação)

Francy ainda explanou sobre a conquista de espaços de poder pelas mulheres amazônidas, lembrando que a participação atual nesses espaços é quase insignificante. “Aqui, no Amazonas, não temos nenhuma [representante]. A luta da mulher amazônida é secular. É incrível o apagamento histórico, de não dar visibilidade a todo processo de luta e construção da Região Norte. O setor masculino parece que tem prazer em apagar a memória das nossas lideranças. Sabemos que aqui, na Amazônia, muitas mulheres foram tombadas, assassinadas, silenciadas”, acrescentou ela.

Mulheres de luta

Conforme explicou a coordenadora-geral do Estamos Prontas e coordenadora política do Movimento Mulheres Negras Decidem, Tainah Pereira, o projeto abrange candidaturas individuais e chapas coletivas. As mulheres foram selecionadas por meio de um edital e passaram por um processo seletivo. O projeto tem o foco da disputa para as assembleias legislativas nos Estados e busca contribuir na formação política de lideranças coletivas que estão construindo suas candidaturas com os movimentos sociais.

“São mulheres do campo, da cidade, lideranças religiosas e mulheres quilombolas e trazem mais especificidades consigo como, por exemplo, as que estão na Amazônia. Nós temos conversado principalmente com as lideranças do Amapá e do Amazonas sobre como ativar suas bases no interior dos Estados, entendendo inclusive as questões sobre mobilidade, que são muito diferentes de outras regiões, os tempos de deslocamento são muito diferentes, o acesso das pessoas que vão votar nelas a determinados espaços”, detalhou ela.

A coordenadora-geral do Estamos Prontas e coordenadora política do Movimento Mulheres Negras Decidem, Tainah Pereira (Divulgação)

Outro ponto destacado são as lutas e movimentos dos quais as mulheres amazônidas fazem parte. Muitas se mobilizam em prol de disputas territoriais e têm ligações com povos indígenas.

“Mesmo durante o processo seletivo, algumas delas sinalizaram para nós essas questões de disputa territorial que existem em função do desmatamento ilegal, do avanço mesmo das grandes empresas sobre territórios indígenas, muitas delas têm conexões com as populações indígenas, algumas se autodeclaram afro-indígenas, mulheres negras amazônidas. Elas têm uma agenda para o debate da justiça socioambiental muito forte”, concluiu.

O projeto terá ciclos com temas como segurança digital, segurança psicossocial, segurança física — com tarefas que devem cumprir na missão de garantir a própria segurança e da equipe que está junto delas — haverá encontros sobre questões jurídicas do processo eleitoral, captação de recursos e financiamento da campanha, e sobre mobilização e ativação territorial.