Irmãs indígenas fazem parte da nova geração que atua em defesa da Amazônia

Ativistas e militantes, as Sateré/Dessana exibem a beleza e o orgulho de um Brasil índio e amazônico (Reprodução/Lucas Silva)

15 de julho de 2020

20:07

Mencius Melo

MANAUS – Politizadas, conscientes e libertárias são adjetivos que definem bem as irmãs Sâmela e Sandiely Sateré. Duas jovens mulheres nascidas na “aldeia urbana” da capital amazonense, descendentes diretas do povo Sateré Mawé (1) e do povo Dessana (2).

As irmãs são filhas de mãe Sateré e pai Dessana, e são representantes étnicas da Amazônia brasileira no ‘Fridays For Future’, movimento liderado pela ativista ambiental Greta Thunberg.

Entre os binários de uma sociedade digital, Sâmela exibe orgulhosa, seu cocar Sateré (Reprodução/Lucas Silva)

Em recente campanha mundial intitulada ‘SOS Amazônia’, elas ajudaram a arrecadar recursos para apoiar as comunidades indígenas afetadas pela pandemia da Covid-19, que no Amazonas ganhou proporções assustadoras.

Em entrevista à REVISTA CENARIUM, as irmãs Sateré-Dessana falaram sobre como chegaram ao Fridays, suas lutas e posturas diante do mundo que as cerca.

Com 23 anos, a estudante de Biologia da Universidade Estadual do Amazonas (UEA), Sâmela Sateré conta as experiências de uma jovem indígena. “Entrei na UEA em 2016 pelo sistema de cotas, no começo não encontrei nenhum acadêmico indígena e então me encolhi”, recordou.

 A estudante conta que esse comportamento é quase natural em função do preconceito contra os indígenas em boa parte da academia. “Temos um preconceito estrutural na sociedade brasileira e nas universidades isso não seria diferente, por isso muitos não assumem a descendência étnica, principalmente em cursos elitizados como a medicina”.

Cartaz não mão e máscara no rosto, Sâmela é o retrato dos protestos pela vida nas florestas do Amazonas (Reprodução/Arquivo Pessoal)

Empoderamento e ativismo

Oriunda de uma família engajada, Sâmela relembra a luta de sua vó. “Nasci na Associação de Mulheres Indígenas Sateré Mawé (Amism), movimento criado por minha vó em 1992, mas, o empoderamento veio quando ingressei em 2016 no Movimento Estudantes Indígenas do Amazonas (Meiam)”, recordou.

“Nesse período identificamos 25 acadêmicos indígenas na UEA e de lá para cá, iniciamos a fortalecimento dessa entidade e posso dizer com orgulho que me aceito como sou, sou aceita como sou e hoje faço parte do Núcleo de Estudantes Indígenas da Escola Normal Superior da UEA”, orgulhou-se.

Questionada como se deu a aproximação com o grupo de Greta, Sâmela relembrou. “Em 2019 participei da ‘Greve pelo Clima’, um protesto mundial com apelo ao meio ambiente, acredito que isso me credenciou e o Friday me contactou via uma Friday de Curitiba que não sei como me achou”, relembrou com humor.

“A partir desse contato, apresentei o Fridays para o pessoal da Fundação Amazonas Sustentável (FAS) e assim iniciamos a parceria”, descreveu.

Sandyely planeja cursar administração, para ajudar a organizar entidades e organizações voltadas para a causa indígena e ambiental (Reprodução/Arquivo pessoal)

Irmã de lutas

Sandiely Sateré é a mais nova militante da família, com apenas 15 anos, estuda o primeiro ano do ensino médio em Manaus. Fã de Sâmela, ela credita à irmã, o engajamento e a indicação para o Fridays For Future. “Ela me motivou a entrar no movimento ambiental, ela está me ensinando a me defender e a defender meus irmãos”, falou com orgulho.

Para ela, o momento politico no Brasil exige a participação dos ‘parentes (3)’. “Hoje estamos lutando contra o genocídio dos nossos irmãos e a morte de nossas matas”, avançou.

Por estar em um ambiente juvenil, Sandyely relata que o bullying não a assusta. “Aprendi a não baixar a cabeça, sou convocada pelos meus professores a debater sobre meio ambiente, orgulho étnico e outros temas”, relatou.

Sobre a vaidade de ‘cunhã-poranga (4) ela não abre mão. “Na escola uso meus colares, brincos e outros assessórios Sateré, sou indígena pura, não tenho para onde correr e eu gosto muito disso”, descreveu-se.

‘Future’ e futuro

Questionadas sobre o futuro no ‘Future’ elas comentaram. “Estamos estudando inglês para dominar melhor as participações inclusive no próximo vídeo do ‘SOS Amazônia com data a confirmar”, adiantaram Sâmela e Sandyely.

Quanto ao futuro no Amazonas, Sâmela estuda um ativismo político mais engajado. “Estou estudando a possibilidade de um engajamento partidário, mas, ainda não sei de fato como isso se dará”, hesitou.

Já Sandyely planeja cursar administração em nível superior. “Planejo fazer administração para ajudar a associação e quem mais da nossa gente precisar”, finalizou.

Máscaras para a prevenção à Covid-19 são confeccionadas na associação das mulheres Sateré, fundada pela avó das Fridays amazonenses (Reprodução/Arquivo Pessoal)

Lugar de fala

O sociólogo Luiz Antônio, aprova e incentiva que cada vez mais surjam ‘Sâmelas e Sandyelys’. “Acho um barato essa molecada estar tomando a frente, enquanto muitos estão apenas olhando vídeos na internet”, criticou.

Para o estudioso, no entanto, é preciso ter cuidado com o que hoje se convencionou a chamar de ‘lugar de fala’. “É preciso que os próprios sujeitos de uma realidade falem, como é o caso das jovens Sateré, mas, é preciso falar com propriedade e expressar os anseios do seu povo, é preciso estar em sintonia com sua gente”, alertou.

“Caso isso não ocorra, torna-se apenas algo midiático e até perigoso, como é o caso do atual presidente da Fundação Palmares que é negro, mas, ataca e agride seu próprio povo”, lamentou.

(1) Sateré Mawé – povo que habita o Estado do Amazonas, na região dos rios Maraú e Andirá. São conhecidos como os criadores da cultura do guaraná no Brasil e pela prática do Ritual da Tucandeira.

(2) Dessana – povo habitante do Alto Rio Negro, no Amazonas. Conhecidos com a “gente do universo”, são conhecidos pelo forte xamanismo.

(3) Parentes – expressão de tratamento que significa ‘irmandande’ entre os povos indígenas do Brasil.

(4) Cunhã-poranga – ‘moça mais bonita da tribo’ ou ‘mulher bonita da aldeia’, em tupi.