Lei municipal muda nome de praça e ignora importância de líder da luta negra no bairro Praça 14

Bairro Praça 14, em Manaus (Foto: Karla Vieira/Semcom)

27 de julho de 2021

21:07


Déborah Arruda – Da Cenarium

MANAUS (AM) – Sancionada nesta semana pela Prefeitura de Manaus, a Lei nº 2.767/2021 mudou o nome da praça Nestor Nascimento, no bairro Praça 14, na zona Centro-Sul, para Oscarino Peteleco. A lei foi proposta pelo vereador David Reis (Avante), porém, a mudança não agradou grande parte dos moradores do bairro. Nascido e criado na Praça 14, Nestor Nascimento foi um dos maiores representantes da luta negra no Amazonas.

Oscarino Farias Varjão foi um popular ventríloquo de Manaus, que morreu em 2018. No texto do Projeto de Lei (PL) 354/2021, o parlamentar justificou que Oscarino é um grande ícone cultural no Estado, sendo reconhecido como patrimônio cultural e imaterial do Amazonas. Porém, o bairro já conta com uma praça no nome do ventríloquo e a mudança representa uma falta de compromisso com a comunidade negra, conforme explicou o presidente do Instituto Nacional Afro Origem, Christian Rocha.

“O parlamento municipal, com esse ato, só vem referendar o que os movimentos sociais vêm falando, de uma cidade que não respeita a causa negra, que tenta apagar uma luta digna e legítima. Esse Projeto de Lei é tão sem fundamento que eles se quer consultaram a comunidade negra. Se quer procuraram saber se já existia uma homenagem ao Oscarino, que já existe, dentro da Praça 14. Estão substituindo o ícone do movimento negro municipal, estadual e nacional. Eles [os políticos] estão enfadados ao extremismo, ao fanatismo, a realmente não ter compromisso com a comunidade negra”, afirmou.

Christian e outros representantes de movimentos sociais estiveram na Câmara Municipal de Manaus (CMM), nesta terça-feira, 27, para conversar com o líder do prefeito na Casa, vereador Marcelo Serafim (PSB), e com o vereador William Alemão (Cidadania), único que se manifestou contrário à mudança.

Nestor Nascimento foi o fundador e presidente do Movimento Alma Negra (Moan), a primeira organização voltada às causas negras no Amazonas, e do Instituto de Direitos Civis (IDC) do Amazonas. O líder foi responsável por mobilizar a população negra do Amazonas a participar do movimento social. Sua trajetória foi tão forte e marcante, que em 1997 foi convidado pelo então presidente dos Estados Unidos da América (EUA), Bill Clinton, para discutir sobre direitos humanos.

Nestor em Washington, nos EUA. (Acervo pessoal)

Movimento unido

Moradora há 45 anos do Quilombo do Barranco de São Benedito, na Praça 14, Jamilly Souza afirmou que os movimentos sociais se mobilizam para tentar revogar a mudança e que nesta quarta-feira, 28, deve ser feito um ofício pedindo a revogação da lei.

“Nós enquanto movimento, associação das Crioulas do Quilombo de São Benedito, seguimos na mesma batalha, de ter esse ideal de resistência dele e das lutas na causa negra. É uma tentativa de invisibilizar, Nestor foi uma pessoa negra que contribuiu brilhantemente na história do nosso município e do Estado. Meu primo, padrinho da minha mãe e uma pessoa muito querida pela comunidade. Tirar o nome dele dessa praça é um ato lamentável. Nós soubemos ontem e já estamos nos mobilizando para que seja revogado”, disse.

Mudança sem explicação

Para o historiador Juarez Silva, a troca de homenagens não se explica. Ocorre a retirada de uma homenagem já existente e validada pela própria comunidade, para substituir por uma homenagem também válida, mas que igualmente também já foi feita no mesmo contexto. Além disso, a nomeação da praça foi um consenso da comunidade local.

“A designação de logradouros e bens públicos apesar de poder fazer homenagens de vultos gerais da história, deve, sempre que possível, visar algum vínculo histórico entre o homenageado e o contexto em que a homenagem vai se encontrar. Nestor Nascimento tem uma reconhecida importância não apenas no contexto local das causas pelas quais se notabilizou, mas até no contexto nacional e internacional, toda a sua família e comunidade da região que com ele conviveu ou dele tem referências igualmente são importantes”, explicou o historiador.