Lideranças indígenas se preparam para lutar contra ‘marco temporal’ em 2023 no STF

O julgamento da tese do 'marco temporal' está previsto para o primeiro semestre de 2023 e promete uma ampla luta de resistência dos povos indígenas contra ele (Reprodução/DCM)

29 de janeiro de 2023

16:01

Mencius Melo – Da Agência Amazônia

MANAUS – Lideranças indígenas se reuniram entre os dias 25 e 26 de janeiro no Centro de Formação Vicente Cañas, em Luziânia (GO). O espaço pertence ao Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e o encontro ocorreu para debater o “marco temporal” – tese que diz que os indígenas só podem requerer direito às terras se as tivessem em sua posse física em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. A medida, defendida por ruralistas, tem forte oposição das lideranças indígenas brasileiras.

Lideranças de todos os povos indígenas do Brasil articulam agenda de luta contra a tese dos ruralistas sobre a legislação de terras indígenas (Reprodução/BrasildeFato)

De acordo com o advogado Nicolas Nascimento, da assessoria jurídica do Cimi, o contexto político difere, mas a luta é a mesma. “Daqui para frente será um cenário de luta. Temos um governo favorável, mas a pressão não pode deixar de existir para garantirmos saúde, alimentação, moradia e a demarcação dos territórios. Teremos que continuar mobilizados e fortes”, assinalou.

Paralelo

Paralelo ao encontro no Cimi, a coordenação executiva e jurídica da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), em conjunto com lideranças do povo Xokleng e Kaingang, se reuniram na última quinta-feira, 26, com ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). O encontro ocorreu para viabilizar o retorno do julgamento e a declaração de inconstitucionalidade do “marco temporal”, no STF, ainda no primeiro semestre de 2023.

Conforme o estudo do Conselho Indigenista, das 1.300 terras indígenas, mais de 64% continuam à espera de regularização. Além disso, segundo relatório da Comissão Pastoral da Terra (CPT), do total de famílias afetadas pelo aumento dos conflitos no campo (171,6 mil), 56% são indígenas (96,9 mil). A informação é da CPT.

As entidades representativas das mulheres indígenas também se articulam para barrar o ‘marco temporal’ no Supremo Tribunal Federal (Reprodução/Jornaltomado)

Segundo Dinamam Tuxá, liderança indígena, é preciso derrubar a tese do marco temporal. “Precisamos recuperar, o quanto antes, o estado de normalidade do processo legal de demarcação das Terras Indígenas no Brasil e, acreditamos que a derrubada dessa tese possa a reforçar uma segurança jurídica que estabilize nossos pleitos e preserve nossas vidas”, afirmou a liderança indígena.

Modelo

Em entrevista para a REVISTA CENARIUM, Carla Jarraira, liderança Macuxi da Raposa Serra do Sol, em Roraima, destacou que a votação no STF terá um efeito de modelo para o ordenamento jurídico sobre as Terras Indígenas (TI) do Brasil. “Como sabemos, o caso ganhou status de repercussão geral, pois a decisão que será tomada servirá de diretrizes para futuros modelos de processo de demarcações de terras indígenas”, observou.

Carla aproveitou para criticar a tese levantada pela bancada ruralista e outros entes que sustentam, por via jurídica, a expropriação das terras indígenas: “Não podemos considerar como honesta uma hermenêutica jurídica que visa parar com as demarcações das terras indígenas. De acordo com a teoria do indigenato, prevalece o direito dos povos indígenas, mesmo antes da criação do Estado”, salientou.

Em 2023, Brasília será palco de inúmeros eventos, como o Acampamento Terra Livre e a Marcha das Mulheres Indígenas. Todos em defesa dos direitos dos povos originários do Brasil (Reprodução/Cimi)

A representante do povo Macuxi aumentou o volume com duras críticas ao que chamou de “projeto genocida”. “A tese do marco temporal contrária à Constituição de 1988 é uma afronta aos direitos originários, pois, se aprovada, causará extermínio de vários povos indígenas. É um projeto genocida que o povo indígena não vai deixar que se repita”, finalizou.