Menino de comunidade do Pará usa cotidiano difícil para escrever poesias na Amazônia

No momento mais difícil de sua vida Mateus Marinho encontrou na poesia uma nova razão de viver (Reprodução/Instagram)

23 de julho de 2020

13:07

Luciana Bezerra

MANAUS – A história do pequeno Mateus Nunes Marinho, 8 anos, morador da comunidade Boa Nova, em Óbidos, no Pará, viralizou nas redes sociais após sua tia divulgar um vídeo onde ele recita poesias autorais e expressa a vontade de se tornar um poeta para poder mudar de vida e ajudar seus familiares. O vídeo foi compartilhado, na segunda-feira, 20, por diversas celebridades como, atriz Bruna Marquezine, a escritora e roteirista Glória Perez, a ex-ministra Marina Silva, além do poeta do programa da Rede Globo, Encontro, Bráulio Bessa.

Mateus viu sua vida mudar por meio dos seus poemas. Atualmente, ele tem nove poemas autorais, o primeiro deles “O menino lá da roça”, foi escrito com a ajuda da avó, Maria Madalena, de 65 anos, que é deficiente visual.

A poesia que ele escreveu para os profissionais da saúde, em agradecimento ao período da pandemia do novo Coronavírus, rapidamente ficou famosa, assim como o menino. Após seu vídeo viralizar, nas redes sociais, o pequeno poeta conseguiu arrecadar cerca de R$ 50 mil, em uma vakinha virtual, dinheiro que chegou em boa hora para ajudar a família.

Mateus Marinho escreve poesias contando os difíceis momentos de sua vida (Reprodução / Instagram)

No entanto, a vida do pequeno paraense de olhos esverdeados não foi tão fácil quanto parece. Apesar da pouca idade, Mateus teve de aprender desde cedo a dura lição da sobrevivência. Aos seis meses, foi abandonado pela mãe, que sofre de problemas mentais. Sem pai, ele morava com a avó e com uma irmã de 11 anos, que também tem problemas mentais, segundo relatou a ‘tia’ e responsável pela guarda do menino, Lúcia Nunes da Silveira, em entrevista, nesta quarta-feira, 23, à REVISTA CENARIUM.

O gosto pela poesia começou após Mateus assistir a novela Bom Sucesso, onde o personagem Mário [interpretado pelo ator Lucio Mauro Filho] escrevia e recitava poemas para sua amada Nana [interpretada por Fabiula Nascimento]. Partindo desse pressuposto, de acordo com Lúcia, Mateus pediu que ela mostrasse para ele outros poemas.

“Não entendia nada de poema. Quando o Mateus me pediu ajuda. Lembrei que no WhatsApp recebia muitas mensagens. Quando abri o grupo da família, por acaso, tinha um vídeo do Bráulio Bessa, falando o poema ‘Recomeçar’, Até então só conhecia ele pelo programa da Fátima [Apresentadora do Encontro com Fátima Bernardes], mas não sabia que ele era poeta e que aquilo era poesia. Quando o Mateus viu o vídeo, ele disse: ‘tia, é isso que eu quero fazer’”, relembra Lúcia Silveira, com a voz embargada.  

Em sua conta no Instagram, Mateus relata em vídeo como decidiu ser poeta e sintetiza como estava sua vida naquele momento.

Infância desestruturada

De família humilde, Mateus vive uma vida simples, na zona rural do município de Óbidos (a 781 quilômetros de Belém). Segundo Lúcia, o pequeno paraense vem de um histórico com diversos problemas familiares, incluindo abusos e maus-tratos. Em decorrência dessa vida e, sem amor ou carinho, Mateus estava se tornando uma criança agressiva tanto em casa, como escola.

No colégio, os responsáveis eram sempre advertidos pelas atitudes do menino com os colegas e até mesmo com a professora. Cansada de ver o sofrimento das crianças, de Mateus e de sua irmã, Lúcia resolveu ligar para o Conselho Tutelar, da região, e pedir ajuda.

“O Mateus me procurou quando mais faltava amor na família dele. Eu entendi aquilo como um pedido de socorro. Por ser vizinha e amiga da família, acompanhava tudo que acontecia com eles. Até que um dia cansei de ver as crianças vivendo sem carinho, desestruturada e sem cuidados. A avó, é cega, frágil e não tem condições de cuidar dela, imagina de duas crianças. Foi quando me senti na obrigação de pedir ajuda”, relembra Lúcia.  

“Hoje, eu me sinto mãe, avó, ou seja, tudo que ele nunca teve. Ele precisa de uma pessoa que dê amor, carinho, atenção, afeto que ele não recebeu da família biológica”, completa Lúcia. 

A professora de Mateus, Marinelma Marques, também acompanhou a vida desestabilizada que a criança vivia antes da poesia e dos cuidados da tia. Segundo Marinelma, tudo isso, afetava o desempenho do menino na escola, mesmo ele que sempre demonstrou inteligência acima da média dos colegas da classe.

“O Mateus agora é uma benção”, diz a professora sorrindo. “Ele sempre foi uma criança muito inteligente e tem uma capacidade enorme de assimilação. Capta tudo muito rápido. Quando ele entrou na escola, ele era muito revoltado. Mas, com a ajuda de todos, ele foi melhorando. Hoje ele é a alegria da escola e da comunidade”, destaca a professora.

Lúcia Siqueira e Mateus Marinho. Ela foi a responsável pela mudança de vida do pequeno paraense (Reprodução/Internet)

Nova vida

Atualmente, Mateus Marinho é um menino como qualquer criança da sua idade, feliz e que gosta de brincar e de remar sua canoa pelos rios da região onde mora. Em sua conta no Instagram, ele apresenta Lucia Siqueira como a grande responsável pela transformação de sua vida e por sua história dentro da poesia. 

“Essa é a tia Lúcia. Foi com ela que me senti à vontade para abrir meu coração e falar do meu sonho. Foi com ela também, que construímos juntos os degraus para subir nessa escada de construção de nosso sonho. Não foi fácil e nem está sendo, mas tenho certeza que juntos venceremos. Uma tia-mãe que sempre me acolheu em seus braços e me deu carinho e amor, por isso, eu levarei para sempre comigo dentro do meu coração”, diz Mateus, em sua conta no Instagram. 

Lúcia tem sido incansável na luta para que Mateus tenha uma vida diferente da qual ele levava há um ano. Segundo ela, o Conselho Tutelar da região lhe concedeu a guarda do menino, contudo, ela nunca o separou do convívio com a família biológica.

“O Conselho Tutelar acompanha o Mateus até hoje. Atualmente, eu tenho a guarda do Mateus, cuido dele como um filho. Mas nunca separei ele da família biológica. Muito pelo contrário, sempre falo para ele cuidar da avó dele, com muito carinho, da irmã e da mãe, mesmo com todas as dificuldades familiares”, finaliza Lúcia.

As poesias  

O sonho do pequeno paraense é se tornar um poeta e escritor profissional. Em suas poesias, Mateus tenta retratar seu cotidiano, as condições de moradia do interior da Amazônia, sua família e os dramas vividos por ele, apesar da pouca idade.

Veja algumas das poesias escritas por Mateus. Para outras informações sobre ele você acompanha na conta do Instagram @opequenosonhador.mateus .

O Menino da Roça

Vida solitária
Levo a vida de um menino
Entre flores e espinhos
Entre chuva e sol

As vezes me sinto só
Deus és minha inspiração
Seguro em suas mãos
Olho pra este mundão

Com tanta corrupção
Parece não ter saída
Olho pra minha vida
Uma família sofrida

Mas com Deus no coração
Tenho lembrança dos
Momentos difíceis da
Minha vida

Meu Perfil

Ao rimar este poema
O alfabeto vou usar
Pra contar minha história
Do povo deste lugar

Mateus é o meu nome
Escrito com a letra “m”
Com sete anos de idade
Já tenho a capacidade
De escrever o meu poema

Sou filho do interior
Com muito orgulho de ser
Não tenho pai registrado
Com uma mãe do meu lado
Uma vó que me irradia
Não têm a capacidade
De enxergar a luz do dia

É normal que todo mundo
Tenha uma vocação
Vou me tornar um poeta
Pra alegrar seu coração

Todo dia eu peço a Deus
Saúde pra estudar
Pra ser alguém na vida
E minha família ajudar

Na vida: Ninguém
É feliz sozinho
Preciso do seu carinho
Não quero mal a ninguém
Só quero deixar saudade
No coração de Alguém

Profissionais de Saúde

Tá vendo aquelas pessoas
Vestidas de branco ali,
São todas super heróis
Não param de trabalhar
São tantas vidas humanas
Que eles têm que salvar

Os profissionais da saúde
Podem ser chamados heróis
Pois arriscam a própria vida
Para salvar todos nós

São heróis de carne e osso
Sem horário pra deitar
Com simples gestos de amor
Tentam a dor curar
Causada por uma praga tão forte
Que o mundo quer derrotar

Vocês têm o meu respeito
E minha admiração
A equipe do Samu
O copeiro e o segurança do portão
O médico, enfermeiro, fazendo seu plantão
E assim, honram o imposto pago por esta nação

É preciso perceber
Que hoje o Mundo Parou
Que todos somos iguais,
O dinheiro não é tudo
Se todos fizerem sua parte
Nascerá um mundo novo

Fique em Casa, por mim, por você e os profissionais de Saúde.
Fique em Casa