Metade do orçamento do Auxílio Brasil acabaria com a extrema pobreza se recursos fossem melhor aplicados, aponta FGV
02 de maio de 2022
20:05
Iury Lima – Da Revista Cenarium
VILHENA (RO) – Comida. Remédios. Transporte. Necessidades básicas praticamente inacessíveis para mais de 27 milhões de brasileiros, segundo as contas da Fundação Getulio Vargas (FGV). Todas essas pessoas estão abaixo da linha da pobreza – quase três vezes a população inteira de Portugal. Mas seria possível erradicar a pobreza extrema no País? Para o economista e diretor da FGV Social, Marcelo Neri, a resposta é sim e, por mais incrível que pareça, gastando a metade do orçamento anual de quase R$ 90 bilhões destinados ao Auxílio Brasil, programa do Governo Bolsonaro criado para substituir o Bolsa Família.
Neri aponta que, por mais que seja difícil melhorar a vida para esta parcela da população, o grande problema em questão não é a falta de recursos, mas sim a falta de um bom gerenciamento, pois o governo federal estaria gastando mal o dinheiro de programas assistenciais.
“Temos recursos para isso, porém, mal gastos (…) existe um número muito grande, que é o total de pessoas pobres: 27,5 milhões, sendo que destas, quase cinco milhões de pessoas a mais do que antes da pandemia. Se fosse fazer uma transferência bem focalizada, dando aos pobres aquilo que eles precisam para chegar até a linha de pobreza, custaria R$ 15 por pessoa; um valor relativamente baixo ao mês, mas que, em termos agregados do orçamento, daria cerca de R$ 45 bilhões por ano. E nós gastamos o dobro disso, por exemplo, agora, no Auxílio Brasil. Então, ainda está no nosso alcance”, apontou Marcelo Neri em entrevista à CENARIUM.
‘Generoso, mas não enxerga pobreza’
Na avaliação do diretor da FGV Social, o Auxílio Brasil “perdeu o passo” na transição do Bolsa Família para o novo sistema de distribuição de renda que, apesar de “generoso”, “não enxerga o tamanho da pobreza” e “contradiz os estudos” a respeito do problema.
“O valor aumentou, só que a distribuição é feita de uma forma que não enxerga famílias maiores, com necessidades maiores, ou seja, as famílias mais pobres”, diz o especialista.
Neste perfil de ‘invisibilidade’, entram famílias como a de Raquel Mapidawey Suruí. Ela é mãe solteira, indígena integrante da etnia Paiter Suruí, mas não vive mais em uma das 28 aldeias do povo originário.
Desempregada aos 35 anos, ela faz o que pode para sustentar os cinco filhos.
Hoje, a família de seis pessoas vive no distrito de Riozinho, a 480 quilômetros de Porto Velho. Raquel até chegou a receber um auxílio de R$ 250 do Bolsa Família, mas não consegue mais nenhum benefício desde agosto do ano passado. Em situação desesperadora, ela conta que há dias em que chegam a passar fome.
“Eu tenho cinco filhos e é muito difícil criá-los. As coisas estão saindo muito caras e a sobrevivência é difícil. Passamos necessidades, tem dias que passamos fome, que precisamos das coisas e não conseguimos. Eu preciso comprar alimentos, materiais escolares e de saúde para eles. Nós precisamos de um pouco mais de ajuda do governo”, desabafou Raquel Suruí à reportagem.
A família de Raquel faz parte do grande bolo de pessoas que passaram todo o ano de 2021 com até R$ 290 mensais: 13% da população brasileira, segundo a FGV, sendo o maior patamar em quase uma década.
“O Auxílio Brasil não enxerga o caso dessa família com cinco filhos. O programa não diferencia uma família de seis pessoas de um adulto morando sozinho. Em uma família grande como essa, a necessidade, logicamente, é maior. O Auxílio Brasil acabou desprezando uma lição que a gente não só já sabia, como já fazia. É um passo para trás”, criticou Marcelo Neri.
Pior patamar em quase 10 anos
Ano | Extrema pobreza (em %) |
2012 | 11,4 |
2013 | 10,5 |
2014 | 9,2 |
2015 | 9,9 |
2016 | 10,8 |
2017 | 11,2 |
2018 | 11,1 |
2019 | 11 |
2020 | 8,2 |
2021 | 13 |
Investir nos mais novos é o caminho
Segundo a Fundação Getulio Vargas, um investimento mais efetivo em crianças resultaria em uma bela economia futura: com mais educação e assistência, desde cedo, menos períodos, hospitais e até mesmo menos programas de transferência de renda logo mais à frente.
“As crianças são o grande bolsão de pobreza no País. Por isso, é preciso dar recursos para as crianças, principalmente, por meio da educação. As crianças mais jovens foram as que mais saíram da escola. No fundo, zelar por elas é cuidar do futuro do País”, alertou o economista.
Estagflação
De acordo com o especialista, a pandemia de Covid-19 empurrou cerca de 20 milhões de pessoas para a linha da pobreza (antes ainda da extrema pobreza). São cidadãos que tiveram de lidar com outro problema, além da falta de renda: a estagflação. Isso, porque, obviamente, para os pobres, os preços nas alturas causam ainda mais impactos.
“A gente tem uma situação de inflação alta, pois chegou aos 12%, em 12 meses, e fazia muito tempo que não víamos isso acontecer. A inflação dos pobres é ainda mais alta e, além disso, o Banco Central ainda vai aumentar os juros. Quando fizer isso, o desemprego vai sofrer. Então, não é só inflação alta, é estagflação na renda dos pobres: mistura de estagnação com inflação alta”, concluiu Marcelo Neri.
Veja mais detalhes na reportagem feita em parceria da TV Cenarium com a TV Cultura
*Colaborou Jorge Valente – Da TV Cultura