Mieloma múltiplo: subnotificação no Brasil compromete estatística e tratamento da doença

A cada cem brasileiros, quatro são atingidos pelo mieloma múltiplo (Reprodução)

13 de maio de 2022

16:05

Alessandra Leite – Especial para Cenarium

SÃO PAULO – A cada cem brasileiros, quatro são atingidos pelo mieloma múltiplo – tipo de câncer de medula – o que representa em torno de 7,6 mil casos por ano. Já nos Estados Unidos (EUA), são 19 mil diagnósticos registrados no mesmo período, evidenciando os índices de subnotificação considerados “dramáticos” pelos especialistas.

Dados demonstram que, após os primeiros sintomas, 26% dos pacientes levam até um ano para procurar assistência médica. Também depois dos primeiros sintomas, 33% e 29% dos pacientes com mieloma múltiplo levam de seis meses a um ano, respectivamente, para serem diagnosticados.

Segundo o hematologista e professor do Departamento de Clínica Médica do Departamento de Hematologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Angelo Maiolino, a estatística da doença no Brasil é falha devido à falta de notificação, ou seja, aos casos não reportados. “Tem paciente que faz a diálise sem saber o diagnóstico do mieloma múltiplo e quase a totalidade dos pacientes são inicialmente assintomáticos, nos quais usamos uma combinação de medicamentos para cada fase da doença”, explica.

A intervenção precoce, de acordo com o médico, é sempre o ideal como em qualquer doença, ponto no qual o mieloma múltiplo enfrenta gargalos, como a ausência de diagnósticos e a dificuldade de acesso aos tratamentos na rede pública de saúde. “A intervenção precoce é o ideal para evitar que o paciente vá parar numa diálise”, complementa Maiolino.

O hematologista destaca o atraso no diagnóstico e a dificuldade de acesso aos medicamentos inovadores pelo Sistema Único de Saúde (SUS) como condições delicadas para os pacientes de mieloma múltiplo no Brasil. “Eu atuo nos dois sistemas, o público e o privado. No público a gente carece muito mais do diagnóstico. É importante tornar os dois sistemas equilibrados e há uma distância muito grande, sem dúvida”, reconhece.

O hematologista Angelo Maiolino destaca que a intervenção precoce é sempre o ideal (Divulgação)

Resiliência, tratamento e vida normal

Convivendo com a doença há quase uma década, o comerciante Luiz Fernando Leite Fontenele, de 37 anos, relata o “baque” de receber a confirmação do diagnóstico, somente sete meses após sofrer uma fratura. “Tinha 28 anos e estava me estabelecendo na vida pessoal e profissional. Mas com certeza não saber o que você tem é pior. As dores são difíceis, mas é algo com o que a gente aprende a conviver”, diz Fontenele, sempre com um sorriso, ao relembrar que depois de ser diagnosticado ainda demorou mais de um ano para iniciar o tratamento.

Após o transplante de medula óssea, Luiz Fernando ainda passou pelo drama de viver uma recidiva, termo usado na medicina para se referir a uma “recaída”. “Foi pior do que saber da doença. Faço um tratamento específico, com uma combinação de medicamentos a cada 28 dias em ambiente hospitalar e a cada 21 dias em casa. Tenho essa rotina, mas a combinação de remédios me permite ter uma vida normal, trabalhar, enfrentando os desafios que a doença traz”, conta.

O mieloma múltiplo não tem cura, embora seja possível alcançar o que os especialistas chamam de “cura funcional”, proporcionando qualidade de vida para quem tem a doença.

A perspectiva, conforme Maiolino, é ter no futuro uma cura total, porém, o que se tem atualmente em um cenário possível é a cura funcional, onde a doença não tem repercussão. “Com os medicamentos de manutenção, nosso objetivo é igualar as expectativas de vida do paciente com e sem mieloma múltiplo”, ressalta o especialista.

Mieloma é tipo de câncer

O mieloma múltiplo (MM) é um tipo de câncer do sangue que afeta o sistema hematológico, resultando em complicações sobretudo renais e esqueléticas. Entre os problemas acarretados pela doença, estão os problemas no sangue como anemia, coagulação anormal, imunossupressão e hiperviscosidade, fadiga, infecção e tromboembolismo venoso. Nos rins, com quadros de proteinúria, hipercalcemia e insuficiência renal, pode levar à dependência de diálise.

São comuns ainda comprometimentos ósseos, como lesões líticas, osteopenia e hipercalcemia, (sendo geralmente mais afetados os ossos da coluna vertebral, pélvis e caixa torácica), além de episódios de dor e imobilidade .

Exposição itinerante ‘Mais Próximos Mais Fortes’

O Museu da Casa Brasileira, localizado na cidade de São Paulo, foi palco do lançamento da exposição “Espaço Mieloma Múltiplo – Mais Próximos Mais Fortes”, espaço gratuito dedicado ao público em geral, com o intuito de ampliar a conscientização sobre esse tipo de câncer.

A Amgen – empresa pioneira na utilização de células vivas para o desenvolvimento de medicamentos biológicos – ofertará a mesma exposição de modo itinerante, com previsão para acontecer no Rio de Janeiro, Salvador e Brasília nos próximos meses.

O espaço consiste em apresentar uma abordagem 360 º sobre o mieloma múltiplo, sob a perspectiva de quem tem a doença, mostrando quais são os principais sintomas que comprometem a qualidade de vida do indivíduo e que muitas vezes acabam sendo confundidos com os de outras enfermidades mais conhecidas.