Na Câmara, audiência questiona Funai e Ministério da Justiça sobre omissão e falta de segurança no Vale do Javari

A cúpula menor, voltada para baixo, abriga o Plenário do Senado Federal. A cúpula maior, voltada para cima, abriga o Plenário da Câmara dos Deputados (Marcello Casal Jr./Agência Brasil)

12 de julho de 2022

21:07

Marcela Leiros – Da Revista Cenarium

BRASÍLIA – O ministro da Justiça e Segurança Pública, Anderson Torres, não compareceu novamente a uma das sessões das comissões externas temporárias criadas no Congresso Nacional para acompanhar as investigações dos assassinatos do servidor licenciado da Fundação Nacional do Índio (Funai), Bruno da Cunha Araújo Pereira e do jornalista britânico Dominic Mark Phillips, o “Dom Phillips”. Torres já havia faltado a uma sessão da comissão criada no Senado. Mas, desta vez, mandou representantes.

A sessão na Câmara dos Deputados ocorreu nesta terça-feira, 12, e os deputados aprovaram o relatório parcial da relatora da comissão, a deputada Vivi Reis (PSOL-PA), com resultados da diligência feita ao Vale do Javari, onde o indigenista e o jornalista, inicialmente, desapareceram, nos dias 30 de junho e 1° de julho.

O superintendente da Polícia Federal (PF) no Amazonas, Eduardo Fontes, representou o ministro. Ele foi questionado sobre o que fez o órgão descartar com tanta agilidade, por meio de nota divulgada no dia 17 de junho, a participação de mandantes no crime.

“A nota oficial foi feita, sim, pela PF, eu a redigi, inclusive, com a aquiescência de todos os membros do comitê [de crise]. O que nós dissemos na nota é que, até aquele momento, as investigações não apontavam para a existência de uma organização criminosa e, de fato, até o momento, não existe uma organização criminosa nos termos da Lei 12.850/2013. O que nós apuramos é se existe, sim, uma associação criminosa que se dedica a uma pesca ilegal, isso também é uma das linhas da investigação, e ainda disse, em nota, no parágrafo seguinte, que nós não descartávamos que novas prisões fossem feitas. Então, até aquele momento, as investigações apontavam para ausência de um mandante”, disse ele.

O superintendente da Polícia Federal Eduardo Fontes (Michael Dantas/AFP)

O delegado ainda lembrou que três pessoas foram presas por participação no assassinato e cinco envolvidos na ocultação dos cadáveres de Bruno Pereira e Dom Phillips já foram identificados. Fontes também afirmou que a Polícia Federal analisa possível conexão entre o duplo homicídio no Vale do Javari e o assassinato do colaborador da Funai Maxciel Pereira dos Santos, em Tabatinga, no Amazonas, em 2019.

“Nós também estamos analisando se existe, sim, alguma conexão com esse caso. É um caso de 2019, eu assumi há menos de 2 meses, quando aconteceu, mas estou acompanhando o caso. Infelizmente, não posso passar informações que são sigilosas, tem muitas quebras requeridas junto ao Poder Judiciário, mas, sim, o trabalho está sendo feito”, disse ainda.

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Falta de efetivo

O coordenador-geral de Gestão de Pessoas da Funai, Paulo Henrique de Andrade Pinto, que também esteve presente, pontuou a falta de efetivo da Funai para realizar as atividades. Ele foi questionado, pelos parlamentares, sobre a falta de agilidade do órgão para reforçar esse efetivo no Vale do Javari.

“Falar da atuação da Funai, em qualquer parte do território nacional, nós temos sempre que nos remeter ao histórico, conhecido, público e notório de déficit de efetivo. E com isso, todas as ações que a Funai vêm realizando, com o objetivo de mitigar esse déficit de efetivo”, disse.

“A primeira é que nós instruímos e encaminhamos, desde 2019, pedido de concurso público para o incremento de efetivo dos cargos vagos de efetivo na Fundação Nacional do Índio. A Funai também instruiu processo que versa sobre adicional de fronteiras. Outra ação também fixa vedação de saída de servidores dessas regiões menos providas de servidores para as mais providas. Temos também a questão da contratação temporária no âmbito da ADPF [Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental] 709”, adiciona ele.

Ainda segundo Paulo Henrique, já há uma autorização para encaminhar servidores para a região. Cerca de 23 pessoas já foram autorizadas a se deslocarem. O representante da Funai, que também representou o Ministério da Justiça, ainda afirmou que há um planejamento de ter entre 35 a 40 homens da Força Nacional atuando no Vale do Javari.

O delegado da Polícia Federal também afirmou que já há um pedido de reforço do efetivo na instituição. “Já conversei, pessoalmente, com a coordenação de gestão de pessoas, há um concurso em andamento, e há uma previsão de novos policiais estarem lotados no Amazonas”, disse ele.

Omissão do Estado

O sentimento de “extrema insegurança” foi percebido pelos parlamentares do Congresso que estiveram presentes na diligência à região. O membro da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), organização que denunciou o desaparecimento de Bruno e Dom Phillips, Beto Marubo, questionou os presentes sobre a omissão do Estado. Ele lembrou que o efetivo policial durante as buscas pelos desaparecidos foi reforçado, mas agora a falta de segurança voltou a imperar na cidade de Atalaia do Norte e região.

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“O Estado continua não atuando, eles simplesmente abdicaram da responsabilidade. Nós estamos sós, eu não vejo providência nenhuma sendo tomada lá. O Estado brasileiro não está no Vale do Javari. Nós da Univaja estamos sós, estamos lá ameaçados em Atalaia do Norte, não mudou nada. Eu vi, no período das buscas, pressão nacional e internacional, um grande contingente do Exército, da Marinha, das polícias civil e ambiental do Estado do Amazonas; agora, foi todo mundo embora”, lembrou.

O membro da Univaja, Beto Marubo (Reprodução)

Marubo ainda questionou a Funai sobre quais medidas o órgão tomou sobre denúncias feitas pela Univaja referente às invasões na Terra Indígena (TI) Vale do Javari. “Todas as denúncias feitas pela Univaja, a Funai sempre procurou averiguar”, disse, vagamente, a substituta da Coordenação-Geral de Índios Isolados e de Recente Contato da Fundação, Priscila Ribeiro da Cruz.

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