No AM, mortes de 200 pacientes em estudo feito pela Samel serão investigadas pelo MPF

Luis Alberto Nicolau, presidente do Grupo Samel (Reproducão/Internet)

22 de setembro de 2021

20:09

Gabriel Abreu – Da Cenarium

MANAUS – Um estudo científico com o medicamento proxalutamida – realizado e patrocinado pela rede de hospitais Samel – pode ter sido responsável pela morte de 200 pacientes com Covid-19, no Amazonas. A denúncia do estudo idealizado pelo médico Luís Alberto Nicolau foi feita na semana passada pela Comissão Nacional de Ética e Pesquisa (Conep), do Conselho Nacional de Saúde (CNS), à Procuradoria Geral da República (PGR).

A assessoria da PGR informou, nessa quarta-feira, 22, que houve um declínio de competência para o Ministério Público Federal do Distrito Federal (MPF-DF), enquanto o MPF-DF informou que a denúncia está sendo apurada pelo 2º Ofício de cidadania, seguridade e educação do órgão. De acordo com o relatório encaminhado ao Ministério Público, no estudo clínico houve alto índice de Eventos Adversos Graves (EAG) em grau cinco, com óbitos evidenciados em lista.

Inicialmente, a Conep havia concedido parecer favorável para que a pesquisa fosse realizada com 294 voluntários, em Brasília. No entanto, Flávio Cadegiani teria começado a aplicar o estudo sem autorização no Amazonas, durante o mês de fevereiro, e só depois solicitou extensão da pesquisa em Manaus, Parintins, Itacoatiara, Coari, Manacapuru, Maués e Manicoré.

Cúpula do Grupo Samel em apresentação do estudo feito nas unidades hospitalares de Manaus (Reprodução/Internet)

Hipóteses

O coordenador da Conep, Jorge Venâncio, afirma haver duas hipóteses básicas sobre a substância utilizada para combater a Covid-19. “Eles cometeram erro gravíssimo porque teriam que ter interrompido a pesquisa após as mortes dos participantes. A outra hipótese é que o resultado é inteiramente fraudado. Eles submeterem 200 pessoas a morrerem em pesquisa que não tem valor científico nenhum. É um completo absurdo”, afirma Venâncio.

A Conep também identificou problemas na formação do Comitê Independente, exigência da própria Conep para a realização de ensaios clínicos. “Toda pesquisa tem que ter um comitê formado por técnicos que não tenham relação com a instituição e nem com o patrocinador da pesquisa, pessoas de fora, para a própria segurança dos participantes. Neste caso, além de não informarem a composição completa do comitê, ele é coordenado por uma pessoa da patrocinadora”, completa Venâncio.

Suspensão

No dia 2 de setembro, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) decidiu suspender a importação e o uso da substância proxalutamida em pesquisas científicas com seres humanos no Brasil. Segundo a decisão da Anvisa, um processo administrativo também foi aberto para apuração de possíveis infrações sanitárias com a apresentação, pelos importadores, de documentos ou informações que tenham por objetivo induzir que a agência aprovasse a importação irregular de medicamentos para uso em humanos.

A instituição também determinou a instauração de dossiê de investigação, com o objetivo de obter mais informações sobre os produtos à base de proxalutamida importados e utilizados no Brasil para a tomada de ações sanitárias, a fim de mitigar o risco para os usuários desses produtos.

Fachada do edifício-sede da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) (Divulgação/Anvisa)

“A decisão foi motivada a partir de diligências provenientes da Procuradoria da República no Rio Grande do Sul e diante da veiculação de notícias sobre a condução de pesquisas com o uso de proxalutamida em seres humanos, as quais dão conta de que unidades hospitalares e clínicas estariam usando o produto à base de proxalutamida à revelia dos estudos científicos aprovados pelo sistema Comitê de Ética em Pesquisa/Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CEP/Conep)”, diz nota da agência.

A proxalutamida

O remédio é um bloqueador de hormônios masculinos (antiandrógeno), ainda em desenvolvimento pela farmacêutica chinesa Kintor. A droga está sendo testada em pacientes com alguns tipos de câncer, como o de próstata, e assim como a cloroquina e ivermectina, remédios sem eficácia no combate à Covid-19, tem sido defendida pelo presidente Jair Bolsonaro contra o coronavírus.

Originalmente, proxalutamida é uma droga experimental contra o câncer de próstata (Reprodução)

De acordo com a publicação, a Anvisa solicitará informações à Conep sobre todas as pesquisas aprovadas com o uso da substância proxalutamida no Brasil, incluindo informações sobre o status das pesquisas, respectivos quantitativos do medicamento a serem utilizados em cada uma delas e instituições autorizadas a conduzi-las.

Grupo Samel

Em março deste ano, o grupo hospitalar Samel apresentou um estudo, durante uma coletiva de imprensa na capital amazonense, em que aponta a proxalutamida como um medicamento também capaz de reduzir o tempo de internação e o número de mortes de pacientes por Covid-19. A pesquisa, ainda não publicada em revista científica, é feita em parceria com a empresa americana de biotecnologia especializada no desenvolvimento de medicamentos para doenças capilares, Applied Biology.

Ao todo, 600 pacientes divididos em dois grupos participaram do estudo clínico. No primeiro grupo, foi aplicada a proxalutamida e no segundo, um outro placebo. No grupo que tomou a proxalutamida (296 pacientes) houve o registro de 12 mortes, apenas 3,7% do total de pacientes.

Já no grupo que tomou o placebo (294 pacientes), houve o registro de 141 mortes, o equivalente a 47,6%. As conclusões do estudo mostram que a proxalutamida reduziu o número de mortes, o tempo de internação hospitalar, inibiu a progressão da Covid-19 e parece atuar nos mecanismos principais da morte pelo coronavírus.

Prevent Senior

Folha de São Paulo divulgou informações sobre um dossiê assinado por 15 médicos, onde apontava que profissionais da Prevent Senior eram coagidos a prescrever remédios como hidroxicloroquina sem consentimento de parentes dos pacientes e eram obrigados a trabalhar mesmo quando infectados com o coronavírus.

Além disso, o documento afirma que a Prevent teria omitido sete mortes durante um estudo clínico sobre a eficácia dos remédios. Walter Correa de Souza Melo​, um dos médicos que realizou as denúncias, gravou a conversa telefônica de uma ligação com Batista Júnior, após ter relatado irregularidades à imprensa, sob condição de anonimato.

Análises

O Ministério Público Federal do Amazonas (MPF-AM) informou que instaurou, em abril deste ano, um procedimento para “apurar eventual irregularidade no que diz respeito a possíveis falhas graves e fraudes em estudo sobre o bloqueador hormonal proxalutamida no combate à Covid-19, na rede de hospitais Samel do Amazonas, no período de 2 de fevereiro a 22 de março de 2021”.

Após a análise de informações colhidas durante a apuração e considerando o encerramento dos estudos, o MPF concluiu que, “no âmbito dos direitos coletivos, não há medidas a serem adotadas nessa área específica de atuação do órgão, por meio Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão, e determinou o arquivamento do procedimento”, diz trecho da nota.

O MPF encaminhou os autos do procedimento aos Conselhos Regionais de Medicina nos Estados dos médicos envolvidos na pesquisa, sugerindo a instauração de processo administrativo disciplinar (PAD) contra os profissionais. O caso ainda foi encaminhado à área criminal do MPF para investigar a ocorrência de possível crime. Nessa esfera de atuação, o MPF já instaurou procedimento, que está tramitando em sigilo. O Núcleo de Combate à Corrupção do MPF, no Amazonas, também irá avaliar o caso para apurar possível omissão de agentes públicos.

Samel se posiciona

O Grupo Samel informou por meio de nota que os registros de óbito apontados são referentes à pesquisa realizada em todo o Estado do Amazonas e que só pode responder pelos pacientes que utilizaram o medicamento em suas unidades hospitalares.

“Mais esclarecimentos sobre o uso da proxalutamida nas demais cidades do País e em outros centros de saúde que não se integram à rede Samel devem ser solicitados diretamente ao pesquisador responsável pelo estudo da proxalutamida no Brasil, que, inclusive, já se pronunciou em suas redes sociais sobre o assunto”, diz trecho da nota.