No AM, movimento alega ‘desconhecimento’ de parlamentares sobre equidade na saúde negra

(Reprodução/Elói Correa)

03 de agosto de 2021

20:08

Priscilla Peixoto – Da Cenarium

MANAUS – Representantes do Instituto Nacional Afro Origem do Amazonas (Inaô-AM) alegam ‘desconhecimento’ de parlamentares da Assembleia Legislativa do Amazonas (Aleam) em votação sobre equidade na saúde negra, nesta semana. O Projeto de Lei (PL) nª 225/ 2020, da deputada Joana Darc, (PL) foi tratado com sarcasmo e desinformação por partes dos deputados.

“Os deputados precisam entender que legislam para o coletivo e bem da sociedade e se eles acham que está tudo a mil maravilhas, então não tem o motivo para ele se candidatarem com o objetivo de fiscalizar e melhorar a vida das pessoas. Temos uma política que não respeita o negro, a mulher, a criança, o deficiente, o idoso, o homossexual e não sabem, ao menos, a importância de um projeto desse”, afirma Christian Rocha.

O PL que visa “medidas de garantia da equidade na atenção integral à saúde da população negra”, de responsabilidade da deputada Joana Darc, (PL), foi retirado de pauta. O deputado Felipe Souza (Patriotas) foi um dos presentes a questionar a propositura de Joana Darc alegando não entender a norma. “Queria explicação da autora, porque todos são iguais perante a Lei”, alegou o deputado

“Vamos imaginar, caso eu fosse acometido de Covid e fosse procurar uma unidade de saúde. No momento em que percebesse qualquer tipo de tratamento diferenciado pela cor da pele… Isso é crime, racismo. Não existe essa diferenciação. Todos precisam ter um tratamento especial. Todos precisam ter garantido atenção integral independente da cor da pele, religião e orientação sexual. Todos somos seres humanos”, comentou o deputado, enfatizando que projetos assim incentivam atitudes racistas.

Desinformação

“Só iremos vencer o racismo quando pararmos de criar mecanismos que diferencie as raças. A saúde é universal… todos somos iguais independente da nossa saúde. Enquanto não pararmos de diferenciar as pessoas por sua cor de pele, estaremos até incentivando práticas racistas. Eu sou veementemente contra esse projeto. Imagine o absurdo, se tiver capacidade de atendimento para uma pessoa vai ter que escolher pela cor da pele. Quem decide de acordo com a gravidade é o médico. Sou contra” declarou o parlamentar.

Despreparo

Para Christian Rocha, o comportamento dos políticos presentes na referida sessão mostra o despreparo e o real sentido da necessidade de políticas públicas que promovam a equidade entre a população. “Sabe o que é ouvir legisladores dizerem que todos são iguais independente da cor e da raça? Até parece que eles sendo um operador do direitos, sendo juristas, também não sabem que a culpa do racismo é a falta de celeridade, é dentro do campo da desigualdade nesse Brasil”, disparou.

“É o mesmo que ele jogar na cara do negro que a culpa do racismo é nossa. Dá pra perceber aí uma fala racista e falta de conhecimento sobre igualdade, equidade e sobre toda essa realidade. Vivemos em um País cheio de estatutos, isso aí já mostra que esse País não é e nunca foi igual, será que eles nunca se atentaram pra isso?”, questionou Rocha.

Nota de repúdio

Em nota de repúdio enviada à Aleam pelo o movimento negro após o ocorrido, os integrantes declararam que, ao contrário do posicionamento do deputado Fausto Júnior (MDB), não são as legislações que asseguram a igualdade de raça, credo e orientação sexual justificativas para o racismo, é o racismo que as justifica, pois ele é a causa de milhares de mortes entre os pardos e negros no País.

“Ao rejeitar o PL 225/2021, a Aleam mostrou que a comunidade preta do Amazonas não passa de um reduto eleitoral de fácil acesso, pois, na realidade, não possui nenhuma representatividade na casa do povo, fazendo da Constituição mera folha de papel. Mostrou que a causa negra só é justa quando convém, quando serve para aumentar a base eleitoreira, porque ao surgir a chance de trabalhar em benefício dela, lava as mãos e busca justificar (de maneira incoerente e rasa) e disseminar o racismo e a discriminação já tão entranhados nas instituições do Estado”, consta um trecho da nota.

O instituto enviou formalmente um nota de repúdio para a Assembleia Legislativa do AM (Reprodução/Afro Origem)

Pedido de apuração ao MPF

O Inagô fez um pedido junto ao Ministério Público Federal (MPF) que apure os comportamentos classificados como de “cunho racista” por parte dos deputados estaduais durante a análise do projeto. No último dia 29 de junho, representantes do instituto participaram de uma audiência pública online com a procuradora Regional dos Direitos do Cidadão Michele Diz Y Gil Corbi e o promotor de Justiça do Ministério Público do Amazonas (MP- AM), Antônio Mancilha, para pedirem medidas quanto ao comportamento referente à derrubada do projeto.

“Estamos no aguardo do posicionamento do Ministério Público. Todos os movimentos de negritude estão apoiando. Procuraremos também a OAB e se esses poderem entenderem que não há uma manifestação racista, e um desconhecimento das desigualdades, significa infelizmente que os movimentos sociais precisam atuar mais contra esses tipo de desrespeito”, ressalta Christian.

Sobre o projeto

Dentre os pontos sugeridos nas medidas de garantia da equidade na atenção integral à saúde da população negra em casos de epidemias ou pandemias, surtos provocados por doenças contagiosas ou durante a decretação de Estado de Calamidade Pública estão:

“Para promover a equidade étnico racial, especialmente no que tange a atenção à saúde integral da população negra, o Estado e os Municípios deverão atuar em colaboração com iniciativas da sociedade civil organizada, para adotar um conjunto articulado de ações que visam a promoção da igualdade e o enfrentamento ao racismo institucional”, conta o 2º artigo do texto.

O Projeto de Lei também propunha o “Reconhecimento do racismo estrutural e das desigualdades étnico-raciais como determinantes sociais das condições de saúde da população negra e da importância e necessidade do SUS para a maioria dessa população, nas ações de divulgação científica, orientação e treinamento de profissionais.”

“O agente da saúde vai poder identificar qual paciente sofre mais com a anemia, hipertensão, porque o negro tem uma patologia diferenciada e é justamente esse tratamento mais técnico que esse PL traz. Ele precisa ser colocado em pauta ou vamos continuar perdendo negros e negras devido à deficiência no poder público no que tange a saúde”, explicou Christian.

Parte da proposta apresentada pela deputada Joana Darc (Reprodução/ Afro Origem)

Outra lado

Procurado pela CENARIUM para falar sobre o assunto, o deputado Fausto Jr. informou que mantém o raciocínio expressado durante a sessão do último dia 7 de julho. O parlamentar alegou ser contra qualquer tipo de racismo e ressaltou que cabe aos médicos definir urgência de atendimentos.

“Em relação ao meu voto, mantenho o meu entendimento, quem define a urgência do atendimento é a necessidade médica , o direito à vida está acima de todos os direitos. Sou contra qualquer tipo de racismo. E foi exatamente por essa razão que fui contra o projeto. Por entender que o mesmo poderia estimular esse crime. Agora, em relação ao projeto, ele foi deliberado pela assembleia e a sua desaprovação foi uma decisão colegiada por ampla maioria”, respondeu o deputado.

Fausto frisou, ainda, que nenhum integrante do movimento o procurou e não tem notícias de que outros parlamentares tenham sido procurados para um diálogo para um entendimento. ” Acredito que o melhor caminho pra buscar o entendimento, seria o diálogo com o parlamento e nenhum representante desse movimento procurou a grande maioria dos parlamentares, eu não fui procurado. Agora buscar intimidações , usando órgãos de controle, de forma política, é um caminho de quem quer fugir do debate e procura ganhar as coisas no grito. O que não levará nada a lugar algum”, concluiu.