17 de janeiro de 2023
14:01
Daniel Amorim – Agência Amazônia *
MANAUS – Parte da história do Amazonas, inaugurada em 1885, durante o mandato do governador Eduardo Ribeiro, a conhecida ponte de ferro na Avenida Constantino Nery recebeu o nome de Prudente de Moraes, em homenagem ao presidente do Brasil na época. Erguida com pedras portuguesas, a exemplo de outros monumentos do período áureo da borracha, como o Teatro Amazonas, a ponte teve seu apelo histórico descaracterizado ao ter a mureta pintada pelo poder público municipal, sem a avaliação de especialistas a respeito dos procedimentos necessários para a intervenção.
“Primeiro precisamos verificar se são estruturas históricas, se estão tombadas. Isso se chama processo de restauração. Mas, para tanto, precisamos colocar profissionais capacitados, com a anuência dos órgãos públicos“, explica a turismóloga Márcia Raquel Guimarães, coordenadora do Observatório de Turismo da Universidade do Estado do Amazonas (UEA).
Ela enfatiza que qualquer “volta ao passado” precisa ter como foco a configuração do presente. “Esse restauro deve ter uma funcionalidade de uso atual, inclusive para garantir a manutenção. Não podemos pintar, sem observar a configuração original, e deixar essas obras vulneráveis às intempéries”, diz Guimarães.
Esse não foi o primeiro monumento da história de Manaus a ser “revitalizado” sem o aval dos órgãos responsáveis pelo patrimônio histórico. Recentemente, a estátua do fundador da Província do Amazonas, João Batista de Tenreiro Aranha, na Praça da Saudade, recebeu nova pintura em cor dourada e provocou críticas por parte de especialistas e da população.
Tanto a ponte de ferro Prudente de Moraes como a estátua de João Batista de Tenreiro Aranha foram pintadas dentro das ações de reforma e manutenção dos espaços públicos executadas pela Secretaria Municipal de Limpeza Pública (Semulsp).
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Por meio de nota, divulgada nas redes sociais, a Faculdade de Artes da Universidade Federal do Amazonas (Faartes/Ufam) defendeu que o restauro é uma área de conhecimento técnico, químico, estético, artístico e histórico que preza pela obra e sua essência, em permanente diálogo com as instituições e com as normas que tratam do patrimônio cultural.
“Esse problema ocorreu devido à falta de comunicação entre os órgãos. O turismo precisa de turismólogos trabalhando nas secretarias. O primeiro passo é ter profissionais capacitados”, ressalta a turismóloga Márcia Raquel Guimarães Guimarães.
“Deveriam ter contrato, feito uma licitação, para empresas que trabalham com revitalização de monumentos históricos, devendo haver uma fiscalização de órgãos especializados e atrelados ao poder público“, argumenta o historiador Hosenildo Alves. Ele identifica sinais do patrimonialismo brasileiro nesse tipo de iniciativa. “É a questão histórica que move os gestores públicos no Brasil“.
Normativas
O capítulo III, do Plano Diretor Urbano e Ambiental do Município de Manaus, trata da qualificação cultural do território e especifica que “Manaus tem como objetivo geral tutelar e valorizar o seu patrimônio cultural, formado por um conjunto de bens imóveis de valor significativo, paisagens, sítios históricos, conjuntos arquitetônicos, edificações de interesse cultural e os bens imateriais ou intangíveis da Cidade e da região”.
Em seu artigo 13, o documento ressalta a necessidade de proteção dos bens que integram o patrimônio
cultural será implementada mediante: utilização de instrumentos de intervenção que incentivem a conservação dos bens de interesse histórico e cultural; estruturação e aparelhamento do órgão ou entidade municipal responsável pelo planejamento e pelo gerenciamento dos programas de proteção e valorização do patrimônio cultural; instituição e execução do Plano de Preservação do
Centro Histórico; arrecadação de bem tombado abandonado, nos moldes definidos em legislação municipal específica.
Cabe ao Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) o trabalho de fiscalizar a manutenção e restauro de monumentos e construções históricas na área do Centro de Manaus. De acordo com o superintendente substituto do órgão, Mauro Augusto Menezes, um acordo de cooperação técnica foi firmado com o município para que “as intervenções futuras não tenham impacto na memória e na identidade cultural da cidade“, garantiu.
A reportagem tentou contato com a Secretaria Municipal de Limpeza Urbana (Semulsp), mas não obteve resposta até a publicação desta matéria.