Perfil alimentar de crianças Yanomami aponta para desnutrição severa e agravamento da fome

Foto de menina Yanomami, de 8 anos, deitada em uma rede com as costelas expostas chamou a atenção para a crise humanitária dos Yanomami (Reprodução/Folha de S. Paulo)

28 de maio de 2022

13:05

Ívina Garcia – Da Revista Cenarium

MANAUS — As invasões e explorações ilegais de minérios dentro de Terra Indígena Yanomami deixam marcas para além das ambientais. A água é um dos primeiros bens básicos a serem afetados, por conta de mercúrio usado no garimpo, o que também mexe com a alimentação dos povos e piora a qualidade de vida daqueles que ainda estão em desenvolvimento, as crianças.

De acordo com estudo brasileiro sobre nutrição de crianças Yanomami publicado nessa sexta-feira, 27, na Universidade Cambridge do Reino Unido, alimentos ultraprocessados, desnutrição severa e agravamento de fome são os principais desafios enfrentados pelos Yanomami, principalmente as crianças. O levantamento avaliou 251 crianças indígenas Yanomami de 6 a 59 meses, das aldeias Auaris, Maturacá e Ariabú, localizadas em território indígena Yanomami, na Amazônia brasileira.

Apesar de demonstrar um consumo de alimentos naturais (93%) ou minimamente processados (56%) alto, o estudo apontou que 32% das crianças avaliadas consomem alimentos ultraprocessados, como refrigerantes em pó, refrigerantes, doces, pão, biscoitos, suco artificial, iogurte artificial, alimentos enlatados e macarrão instantâneo. Esse número foi 11 vezes maior em crianças Maturacá e nove vezes maior em Ariabú. Já o menor índice foi registrado em Auaris.

“Tais problemas resultam não apenas da dificuldade de produzir ou adquirir alimentos,
mas também da violação histórica de direitos básicos, condições socioeconômicas precárias e
conflitos fundiários”, diz trecho do estudo.

A interação forçada dos Yanomami com não indígenas e invasores de terras criou um cenário de vulnerabilidade socioambiental para os povos, em especial às crianças. De acordo com o estudo, essa interação expôs crianças de quase todas as famílias ao consumo de produtos industrializados e alimentos ultraprocessados de baixo valor nutritivo.

“Atualmente, os alimentos que contribuem principalmente para o consumo energético dos Yanomami são adquiridos nos mercados regionais, especialmente arroz, tubérculos, feijão, farinha de mandioca e frutas”, pontua o artigo.

A investigação também aponta que das crianças analisadas, a prevalência de baixo peso ao nascer era de 11%. Já o atrofiamento foi de 91%, dos quais 19% eram atrofiados e 72% possuíam atrofia severa. Do ponto e vista social, as famílias possuem estrutura comum, com 91% das famílias compostas por no mínimo pai e mãe. Apesar de 66% dos lares terem até nove moradores, mais da metade das famílias não tinham renda regular, 56%, ou não participava de programas do governo (59%).

A pesquisa ainda levantou a associação entre o consumo de alimentos industriais e a estatura materna, de acordo com eles, mães mais baixas resultavam em crianças mais mal-alimentadas, cerca de 73% das entrevistadas.

“Nossas descobertas sugerem que as famílias Yanomami têm um alto grau de vulnerabilidade socioambiental, o que resulta em um estado permanente de insegurança alimentar”, afirma trecho da pesquisa.

À CENARIUM, Jesem Orellana, um dos pesquisadores que assinam o artigo, comentou sobre as dificuldades sociais das mães Yanomami e a baixa estatura. “Esta é uma associação que provavelmente ocorre porque mães com baixa estatura para a idade (stunting), normalmente, são mais propensas a terem piores condições socioeconômicas e, consequentemente, de menor acesso à renda ou programas/meios que permitam “comprar/trocar/barganhar” produtos ultraprocessados. Portanto, não é algo necessariamente bom e sim algo que mostra outra face da desigualdade em cenário de ampla desvantagem nutricional”, dise.

“Considerando que os povos indígenas no Brasil sofrem de déficits acumulados no acesso aos serviços públicos, tais como água limpa, tratamento de esgoto e saúde, quando comparados à população não indígena, não é possível ignorar a literatura que associa a raquitismo com saneamento e doenças subclínicas, ou seja, disfunção entérica ambiental. Tais condições reduzem a absorção de nutrientes ou impossibilitam a absorção de nutrientes dos poucos alimentos que ingerem e, portanto,
afetam seu crescimento potencial”, explica o artigo.