PF e PGR apontam quebra de vínculo entre governador e vice do Amazonas antes da pandemia

Wilson Lima e Carlos Almeida: relação já dava sinais de estremecimento (Secom)

22 de outubro de 2020

21:10

Paula Litaiff – Da Revista Cenarium

Depoimentos, conversas em aplicativos e documentos levantados pela Polícia Federal (PF) e Procuradoria-Geral da República (PGR) revelam que as relações – pessoal e institucional – entre o governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), e seu vice, Carlos Almeida (sem partido), ruíram em março deste ano, antes do ápice da pandemia do novo coronavírus no Amazonas. Wilson rompeu com Carlos após perceber que o vice tentava fazê-lo perder a governabilidade.

A constatação veio à tona no depoimento do próprio vice-governador à Polícia Federal e na conclusão prévia da PGR, arquivos que compõem o processo da Operação Sangria, deflagrada este ano para investigar suspeitas de superfaturamento de respiradores para atender pacientes pelo valor total de R$ 2,9 milhões.

No interrogatório à PF, Carlos diz que percebeu uma “incompatibilidade de gestão administrativa com o governador” há sete meses. No dia 4 de maio deste ano, ele deixou a Casa Civil, segunda pasta pela qual passou em menos de dois anos no governo. A anterior foi a Secretaria de Estado de Saúde (Susam, atual SES-AM), onde ficou só três meses, de janeiro a março de 2019.

A subprocuradora da PGR, Lindôra Araújo, concluiu que mesmo tendo deixado a Secretaria de Saúde, o vice-governador ainda “mandava” na pasta. “Foram identificadas mensagens que indicam a participação direta do vice-governador no processo de aquisição dos ventiladores pulmonares, inclusive no tocante à possibilidade de realização de pagamento de forma antecipada”, mostra um trecho do documento da PGR.

Pelo histórico institucional, o elo de Carlos Almeida na Susam era o secretário-executivo da pasta, João Paulo Marques, o “JP”, que foi assessor jurídico do vice-governador quando era titular na pasta, além do próprio secretário de Saúde que o precedeu no cargo, Rodrigo Tobias. Tobias foi exonerado em meio ao escândalo dos respiradores em 8 de abril deste ano.  

Apesar do histórico de proximidade com os dois, Carlos negou, em seu depoimento, influência sobre a gestão na Susam. Por outro lado, o vice-governador admitiu que enquanto estava como chefe da Casa Civil – março de 2019 a 4 de maio de 2020 – cobrava dos servidores do alto escalão a execução dos serviços. E chegou a cobrar a compra dos respiradores por conta de uma pressão do Ministério Público do Estado (MP-AM).

Governador não interferia

Carlos Almeida reconheceu, em depoimento à Polícia Federal, que o governador Wilson Lima dava autonomia aos secretários e servidores do alto escalão tanto na Secretaria de Saúde como em outras pastas do governo do Estado.

Sobre a compra de respiradores para a Susam, o vice-governador admitiu ainda que havia uma recomendação geral dentro do governo do Amazonas para que o processo não fosse feito de forma unilateral pela secretaria, mas fosse alinhado junto com a Procuradoria-Geral do Estado (PGE).

Almeida informou também que Wilson Lima não teve ingerência na nomeação do secretário do Fundo Estadual de Saúde (FES), Perseverando da Trindade, um dos principais articuladores da compra de respiradores com Rodrigo Tobias e João Paulo Marques. Perservando, assim como Carlos, é defensor público, mas aposentado do cargo.

Trechos do depoimento de Carlos Almeida

Repercussão nacional

A frequência de atendimento de Carlos Almeida no Edifício Fórum Business Center, na zona Centro-Sul de Manaus, e não no gabinete dele na sede do Governo, na zona Oeste da capital, foi um dos assuntos levantados na reportagem do Jornal Nacional (JN) da Rede Globo na última segunda-feira, 19. O jornal repercutiu informações vazadas da Operação Sangria.

O vice-governador não despacha na sede do governo desde maio, quando deixou a Casa Civil. Segundo o JN, a PF busca descobrir porque Almeida fazia reuniões com integrantes do governo, parlamentares e empresários em um escritório particular e não na vice-governadoria.

De acordo com a matéria do JN, a PF suspeita que os encontros de Carlos Almeida serviam para o “pagamento de acerto de propina”. A reportagem mostrou ainda imagens obtidas pela investigação gravadas em maio deste ano.

No vídeo, Carlos Almeida aparece chegando ao Edifício Fórum Business, com assessores. Em seguida, a matéria do Jornal Nacional mostra que o vice-governador é filmado saindo com uma bolsa, mas não dá detalhes.

Assista ao vídeo