Precariedade da infraestrutura turística em Unidades de Conservação motiva concessões à iniciativa privada

Anavilhanas: Segundo maior arquipélago de águas fluviais do mundo (Reprodução/ICMBio)

03 de julho de 2021

10:07

MANAUS – Cerca de 48% das unidades de conservação cadastradas no Cadastro Nacional de Unidades de Conservação (CNUC) não oferecem banheiros a visitantes e 76% não cobram ingresso, de acordo com o relatório “Diagnóstico do uso público em parques brasileiros: a perspectiva da gestão”, do Instituto Semeia. A falta de infraestrutura básica e dificuldade de geração de receitas motivam a entrega das unidades à iniciativa privada. Apenas neste ano, nove já foram incluídas no Programa Nacional de Desestatização (PNI) pelo governo federal.

O levantamento foi feito com 370 unidades de 21 Estados e cinco regiões, em parques das esferas federal, estadual e municipal. O relatório foi publicado neste ano com dados referentes a 2019. Em números detalhados, 177 unidades não têm banheiro para visitante, 188 não ofertam estacionamento, 207 não têm portaria em funcionamento, 214 não têm bebedouros e 218 não oferecem estrutura de centro de visitantes.

Infraestrutura básica nas unidades de conservação (Reprodução/Instituto Semeia)

Dos 293 parques que receberam visitas em 2019, 222 não geraram receita por meio da cobrança de ingressos e nem têm projetos para cobrança futura. Apenas 32 cobravam ingressos e o valor médio levantado era R$ 33 nos parques federais, R$ 18 nos estaduais e R$ 7,50 nas unidades municipais. Desse pequeno “universo” de parques, 19 revertem totalmente a receita dos ingressos de forma direta ao parque.

Geração e reversão de receita por meio da cobrança de ingressos (Reprodução/Instituto Semeia)

Regularização e conflitos

O relatório também trouxe o levantamento da área total dos parques que já estão regularizados fundiariamente, ou seja, que tem área regularizada, assim como as unidades que registraram conflitos no entorno e interior. “A regularização fundiária é um aspecto fundamental para a gestão dos parques, pois relaciona-se com a formalização desses espaços”, ressalta o documento.

Das 370 unidades, apenas 85 têm área 100% regularizada, 70 parques têm menos de 25% e 125 dos gestores entrevistados não souberam informar.

Regularização fundiária das unidades de conservação (Reprodução/Instituto Semeia)

Quanto aos conflitos, 318 parques já registraram pelo menos um dentro ou no entorno das unidades, sendo que 236 unidades foram conflitos com palmiteiros, 214 com agropecuaristas e 125 com pescadores. Esses conflitos são relacionados principalmente à exploração de recursos naturais.

Unidades que registraram conflitos fundiários (Reprodução/Instituto Semeia)

Os problemas aqui mencionados dos parques e unidades de conservação já são pontuados por especialistas há muito tempo. Ainda em abril, para a CENARIUM, o ambientalista Carlos Durigan pontuou que, perante o cenário de privatização dos Parques Nacionais que são categorias de UCs, poucas são as regulamentações fundiárias resolvidas e muitas unidades ainda possuem fragilidades estruturais, como falta de quadro técnico e mesmo infraestrutura.

Durigan também lembrou que apesar dos investimentos partirem de iniciativas privadas, a regulamentação das unidades de conservação determina que a sociedade civil e os gestores devem se envolver no alinhamento das políticas que serão instauradas nos parques.

“Boa parte dos recursos historicamente investidos nas UCs brasileiras têm suas fontes em iniciativas privadas de agências internacionais de cooperação, empresas e fundações diversas, e possibilitaram estabelecer este importante cenário. Entendo que o desafio de implementação e proteção de nosso patrimônio natural vai muito além do investimento em turismo nas UCs. Assim, para se pensar numa estratégia de fortalecer o envolvimento de iniciativas privadas nas UCs brasileiras, qualquer decisão deve envolver seus conselhos gestores e representações de comunidades locais, que deveriam ser as principais beneficiadas por políticas voltadas ao fortalecimento da gestão”, destacou o especialista.

Desestatização

No dia 14 de abril, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) incluiu nove unidades de conservação no Programa Nacional de Desestatização. O Decreto nº 10.673 foi publicado no Diário Oficial da União (DOU) e qualificou as unidades para o Programa de Parceria e Investimentos (PPI), o que permite a transferência das áreas de conservação para a iniciativa privada. Entre as unidades, três estão localizadas na Amazônia Legal.

As unidades inclusas foram Unidades de Conservação Floresta Nacional de Brasília (DF), Parque Nacional da Serra dos Órgãos (RJ), Parque Nacional da Chapada dos Guimarães (MT), Parque Nacional de Ubajara (CE), Parque Nacional da Serra da Bocaina (RJ-SP), Parque Nacional da Serra da Capivara (PI), Parque Nacional da Serra da Bodoquena (MS), Parque Nacional do Jaú (AM) e Parque Nacional de Anavilhanas (AM).

O governo informou que o decreto segue a recomendação do Conselho do Programa de Parcerias de Investimentos (CPPI). A inclusão das áreas no Programa Nacional de Desestatização permite a transferência para a iniciativa privada “da execução de serviços públicos de apoio à visitação, à conservação, à proteção e à gestão das unidades”.