Programa do Luciano Huck dá R$ 100 mil para casal de indígenas empreender em projeto de calçados

Nos últimos anos há cada vez mais iniciativas voltadas para o investimento em projetos de empreendedorismo indígena (Reprodução/ Tv Globo)

18 de abril de 2021

16:04

Priscilla Peixoto

MANAUS – Indígenas do povo Shawãdawa ou mais conhecidos como povo Arara, localizado no Estado do Acre, estiveram do programa global “Caldeirão do Huck” para participar do quadro “The Wall”. O casal Txãdá e Daosha conseguiu o prêmio de pouco mais de R$ 100 mil para investir na iniciativa que envolve a comunidade local em um projeto liderado por eles, o “Ararinha Sandálias”, voltado para confecção de calçados a partir do látex que eles mesmos extraem da seringueira. A participação no programa ocorreu no último sábado, 17.

Nos últimos anos há cada vez mais iniciativas voltadas para o investimento em projetos de empreendedorismo indígena. Para o indígena e líder Boniwa do alto Rio Negro, Bonifácio José, é importante o investimento e o incentivo para que os indígenas possam empreender e serem protagonistas de suas próprias vontades.

“Acho válido momentos como estes, onde os irmãos demonstram iniciativas próprias para melhorias de seu povo. Parabéns aos irmãos. As pessoas ainda costumam ter uma ideia errada de que não podemos investir só porque somos indígenas”, comenta Boniwa.

O casal empreende em calçados confeccionados com látex da seringueira (Reprodução/ site ararinha calçados)

Anseios diversos

Para o líder Boniwa todo reconhecimento para com as causas indígenas é valido, seja no âmbito da melhoria econômica, educacional, ou territorial. O indígena ainda salienta “Se for me questionar que situações como estas ou até parecidas seriam uma espécie de ‘compensação’, eu digo que não. Isso não é compensação, mas um direito, são duas coisas diferentes. Somos brasileiros, temos RG, CPF, muitos têm uma profissão hoje em dia. Podemos gerar renda, melhorar nossa qualidade de vida sem perder nosso direito de cuidar e preservar a terra. A demarcação é importante para aqueles povos que ainda precisam de demarcação, mas temos anseios além disso. Esse episódio ilustra bem isso”, pontua o líder.

Ele ainda complementa. “O atual governo, por exemplo, fala demais que nossas terras são improdutivas, que é muita terra para pouco índio – como muitos gostam de falar. Mas isso é falta de conhecimento e de ver a realidade de cada povo, de quem mora no Amazonas, na Amazônia e qualquer parte onde tenha o povo nativo. Entender que cada um tem a sua forma de produzir, preservar e desenvolver sua política socioeconômica e educação”, explica.

Questionamentos

Já para o líder indígena Yura Marubo, o programa troxe à tona pontos importantes e reflexões necessárias. Ele considera um caso inusitado, uma vez que pessoas que fazem trabalhos com meio ambiente e preservação passam quase que invisibilizados perante a opinião pública.

“Quando a gente vê programas assim, levando nossos parentes indígenas para participar de um quadro, me vem um questionamento muito grande de até quando ainda vamos tratar essas pessoas, de uma forma invisível perante a sociedade brasileira? É necessário enaltecer sim o trabalho dessa gente, até porque é por causa dessas pessoas que ainda conseguimos dar o equilíbrio do nosso bioma e só existe floresta por causa das pessoas que ainda moram nela”, ressalta.

Mesmo enaltecendo o incentivo ao empreendedorismo indígena, o líder Morubo atenta para algumas considerações onde ele afirma que, apesar da necessidade de empreender e melhorar a qualidade de vida, é preciso não esquecer que o empreendedorismo é apenas uma das questões que envolve os irmãos indígenas.

“Acho superimportante incentivar a população indígena para o ramo ’empresarial’, mas não podemos deixar de lado fatores primordiais e focar apenas nisso. Por exemplo, as demarcações indígenas, realmente não tem como esquecer esse ponto. A Fundação Nacional do Índio, a Funai, peca muito nisso neste atual governo, percebo que ao mesmo tempo que ela busca a população para o lado empreendedor, ele esquece uma das suas principais funções e realmente não tem como fazer dois trabalhos paralelos onde um se fomenta e outro é esquecido. Acho legal reconhecer, dar oportunidade, mas que não esqueçamos pontos fundamentais que nos envolvem. É preciso equilibrar e é um ponto a se refletir”, finaliza o líder.

Sobre o projeto

De acordo com o informações do site do projeto Ararinha Sandálias “é uma iniciativa de fortalecimento, empoderamento e inclusão das mulheres indígenas, produtores agroextrativistas da aldeia indígena Arara Encantada e ribeirinhos locais do município de Porto Walter”. E acrescenta: “O foco é o uso consciente dos recursos naturais, pois estimulará a conservação da floresta em pé, o que confere importantes serviços ecossistêmicos, origina diversificação da produção e possibilita renda monetária, podendo diminuir um dos dilemas das áreas rurais e, portanto, frear o avanço do desmatamento para a criação extensiva de gado, atividade que costuma ser muito praticada por comunidades tradicionais na Amazônia”.