Projetos em terras indígenas financiados pelo Fundo Amazônia deixam de ser executados por impedimento da Funai

Após meses de espera, 200 trâmites burocráticos e nenhuma resposta. Instituto lamenta cancelamento compulsório, único nos seus 32 anos de existência (ISPN/Divulgação)

17 de outubro de 2022

21:10

Gabriel Abreu – Da AGÊNCIA AMAZÔNIA

MANAUS – A demora na liberação de um documento por parte da Fundação Nacional do Índio (Funai), para organizações indígenas e indigenistas, aprovado para receber apoio do Fundo Amazônia/BNDES, levou instituições a cancelarem projetos este ano. As organizações aguardam, há dez meses, o documento que é exigência do financiador e computam, neste tempo, 211 trâmites burocráticos entre diversas áreas da Funai.

Os projetos, no valor total de R$ 1,5 milhão, foram selecionados pelo Fundo para Promoção de Paisagens Produtivas Ecossociais (PPP-Ecos), gerido pelo Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN). É a primeira vez que o Fundo PPP-Ecos cancela projetos em razão da não obtenção de um documento expedido por órgão público. Em atividade no Brasil desde 1994, o PPP-Ecos já lançou 34 editais e contratou mais de 600 projetos em seus 28 anos de existência, com recursos de diferentes financiadores.

Os projetos, no valor total de R$ 1,5 milhão, foram selecionados pelo Fundo para Promoção de Paisagens Produtivas Ecossociais (PPP-Ecos) (Carol Quintanilha/ISA)

Com o cancelamento inédito, oito povos de nove Terras Indígenas (TI) que representam mais de 800 famílias deixarão de ser beneficiados diretamente. Estão prejudicados os povos Xavante (TI Pimentel Barbosa e TI Marãiwatsédé); Kuikuro (TI Parque Indígena do Xingu); Zoró (TI Zoró); Krikati (TI Krikati); Ka´apor (TI Alto Turiaçu); Gavião (TI Gavião); Apinajé (TI Apinajé) e Krahô (TI Kraolândia).

As áreas afetadas estão, principalmente, nos Estados do Mato Grosso, Tocantins e Maranhão. São regiões do Cerrado e da Amazônia atingidas por desmatamentos e invasões.

“São projetos de organizações comunitárias indígenas que têm toda uma finalidade, não só produtiva, muitas vezes social e cultural também. Muitas famílias indígenas são impedidas de receber esses recursos para produzir, conservar os seus territórios, proteger os seus territórios, para trabalhar de acordo com sua cultura, e isso é um impacto muito grande para essas sete terras; acho que oito povos indígenas que foram afetados”, explicou Rodrigo Noleto, coordenador do Programa Amazônia do ISPN.

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Sobre o Fundo PPP-ECOS

O Fundo para Promoção de Paisagens Produtivas Ecossociais é a principal estratégia adotada pelo ISPN, baseada no apoio aos povos, comunidades tradicionais, agricultores familiares e suas organizações. Por meio dele, o ISPN capta e destina recursos a projetos de organizações comunitárias que atuam pela conservação ambiental por meio do uso sustentável dos recursos naturais, gerando benefícios econômicos e sociais.

Atualmente, a carteira de financiadores do PPP-ECOS conta com o Fundo Mundial para o Meio Ambiente (GEF), a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid), Agência Norueguesa de Cooperação para o Desenvolvimento (NORAD), Fundo Amazônia/BNDES, União Europeia e Ministério do Meio Ambiente da Alemanha (BMU).

Com recursos do Fundo Amazônia, o PPP-Ecos já apoiou 88 projetos desde 2013. O coordenador do Programa Amazônia do ISPN afirma que a exigência da anuência da Funai fere a autonomia e o reconhecimento à autodeterminação dos povos garantidos na Constituição Federal de 1988.

“Esse é o sexto edital que a gente lança com recursos do Fundo Amazônia. Em outros cinco, a gente teve sempre as autorizações da Funai e, dessa vez, quase um ano depois, a gente precisou solicitar, a gente teve que cancelar o projeto porque não teve tempo hábil para executar o projeto, e isso foi uma lástima. Apesar de as coordenações da Funai, as coordenações técnicas, apoiarem uma decisão da presidência que, infelizmente, adotou essa postura contra as organizações comunitárias indígenas”, explicou Rodrigo Noleto.

Sobre o ISPN

O ISPN é uma organização da sociedade civil sem fins lucrativos ou econômicos com sede em Brasília, que há 32 anos atua pelo desenvolvimento, com equidade social e equilíbrio ambiental, apoiando povos e comunidades tradicionais e agricultores familiares no desenvolvimento de atividades sustentáveis e de estratégias de adaptação às mudanças do clima.