Quarto dia de ‘Acampamento Terra Livre’ debate o drama da sobrevivência dos povos isolados

A Portaria de Restrição de Uso é um dispositivo jurídico que impede a entrada e circulação de pessoas que não pertencem a uma área específica (Yusseff Abrahim/Cenarium)

07 de abril de 2022

21:04

Yusseff Abrahim – Da Revista Cenarium

BRASÍLIA – O avanço da destruição e da violência sobre os territórios dos chamados povos isolados ocupou o debate do quarto dia de Acampamento Terra Livre, na tarde desta quinta-feira, 7. O secretário adjunto do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Luis Ventura, destacou três princípios que marcam a omissão do Estado brasileiro do atual governo: a negação sistemática da existência dos povos isolados; o aparelhamento e fragilização dos mecanismos de proteção dos territórios destes povos, e precariedade na garantia dos territórios por meio de Portarias de Restrição de Uso de curta duração.

A Portaria de Restrição de Uso é um dispositivo jurídico que impede a entrada e circulação de pessoas que não pertencem a uma área específica, enquanto o órgão indigenista localiza ou monitora povos indígenas isolados.

“São 116 registros de povos isolados e apenas 28 reconhecidos pela Funai. É uma negação de visibilidade para permitir que os grandes projetos como as estradas avancem, que as hidrelétricas sejam construídas e que a mineração, o agronegócio, o desmatamento e as queimadas avancem”.

Para Ventura, o Governo Bolsonaro se caracteriza como um momento extremamente grave para o País, por se recusar a fazer demarcações e atuar pela proteção das Terras Indígenas.

O secretário adjunto do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Luis Ventura, fala durante a mesa com o tema dos povos indígenas isolados (Yusseff Abrahim/Cenarium)

Descaso no Vale do Javari

No extremo Oeste do Amazonas, a Terra Indígena do Vale do Javari tem a maior concentração de povos isolados do planeta. “Estamos no coração da Amazônia, onde tem a segunda maior Terra Indígena do Brasil. Somos seis mil índios, de várias etnias, com 64 aldeias. Somos só seis povos que já têm contato com não-índios”, explica o presidente da associação Marubo do Ituí, Alfredo Barbosa da Silva.

O Marubo Alfredo Barbosa da Silva mora no Vale do Javari, no extremo Oeste do Amazonas. A área tem a maior concentração de povos isolados do planeta (Yusseff Abrahim/Cenarium)

O receio dos Marubo diante da omissão do governo às invasões e desmatamento teve o agravante do surgimento da pandemia de Covid-19.

“Estamos enfrentando muitas dificuldades sem apoio do governo. A gente tá fazendo a nossa parte. É muita tristeza. Não podemos esperar porque podemos perder essa população. Os fazendeiros estão invadindo os nossos territórios e os indígenas isolados não têm como se proteger e pode ter até contágio por Coronavírus”, conta Alfredo, que também é subsecretário de Assuntos Indígenas do município de Atalaia do Norte.

Em um paralelo histórico, os povos do Vale do Javari, são, hoje, o que um dia os Pataxó foram há 522 anos para os colonizadores: povos isolados, como explica o cacique Syratan Pataxó.

“Nós, Pataxó, somos os primeiros povos originários ‘isolados’ dessa região, tanto que vivemos em 46 aldeias, nas duas cidades históricas de Porto Seguro e Santa Cruz de Cabrália, mas apenas cinco são demarcadas”.

O cacique Syratan Pataxó prefere usar o termo ‘povo livre’ no lugar de ‘isolado’. Ele avalia que tempo de convivência com invasores não representou avanços (Yusseff Abrahim/Cenarium)

Depois de cinco séculos e duas décadas de contato, Syratan, que prefere usar o termo ‘povo livre’ no lugar de ‘isolado’, avalia que tempo não representa avanços. “Ainda vivemos neste cenário de muita injustiça no nosso território desde as invasões dos colonizadores. Chegaram para acabar com a liberdade do nosso povo, assim como querem fazer com os parentes que vivem na Amazônia”.

Syratan, que também é presidente do conselho de caciques Pataxó, explicou que os principais problemas da falta de demarcação para os três mil indígenas do seu povo é a impossibilidade da chegada de projetos de melhoria para o dia a dia.

“Tem aldeias com três mil indígenas que não têm nem o mínimo. Os projetos de desenvolvimento para a área são embargados justo pela falta de demarcação, não deixam chegar água e saúde, por exemplo. É nosso maior desafio e nosso maior trabalho”.

Garimpo sem freio

Em uma denúncia que correu o mundo há duas semanas, os 615 indígenas da comunidade Homoxi, do povo Yanomami, tiveram impedido o acesso à unidade de saúde pela invasão de garimpeiros, que construíram uma pista de pouso com uma base para operações.

“Já denunciamos, em nível nacional e internacional, o STF já deu prazo para a Sesai (Secretaria da Saúde Indígena) se planejar, mas até agora nada. Somos 29,6 mil Yanomami, temos um número grande de casos de malária, enquanto nossa Terra Indígena está sendo invadida pelos garimpeiros. Nossos parentes estão com pneumonia, todo dia uma criança Yanomami morre. As mães, junto com a floresta, chora por falta de atendimento e socorro, protestou o líder Yanomami e presidente do Conselho de Saúde Indígena Yanomami e Ye’kwana (Condisi-YY), Júnio Hekukari.

Ele informou que, atualmente, cerca de 25 mil garimpeiros estão nas terras Yanomami. Eles ainda aguardam providências da Polícia Federal. “O povo indígena está pedindo socorro”, disse.

Atenção constante

Quatro Terras Indígenas vivem em suspense constante pela renovação, sendo a mais recente a Piripipi, que a Funai tem conhecimento da existência, há mais de 10 anos, e ainda assim continua com portaria de restrição de uso de apenas seis meses, onde o desmatamento segue avançando”.

Dos outros três povos isolados que vivem sob o suspense da renovação das portarias de restrição, os Piripicura, do Mato Grosso, e os Ituna-Itatá, no Pará, foram renovadas. Não houve, ainda, renovação para Jacareúba, no Amazonas.