Rindo, Bolsonaro diz a apoiadores que está há três anos sem ler um livro: ‘Não tenho tempo’

O presidente da República, Jair Bolsonaro, na cerimônia de assinatura de termos de autorização de uso de radiofrequências pelas empresas vencedoras das faixas do leilão do 5G, no Palácio do Planalto. (Valter Campanato/ Agência Brasil)

15 de dezembro de 2021

15:12

Marcela Leiros – Da Revista Cenarium

MANAUS – O presidente Jair Bolsonaro (PL) disse, rindo, nessa terça-feira, 14, que não lê um livro desde que assumiu o cargo de chefe do Executivo federal, há três anos. A fala ocorreu durante conversa com apoiadores no seu cercadinho, em frente ao Palácio da Alvorada e foi transmitida pelo canal de um apoiador. Porém, a “aversão” de Bolsonaro a livros não é recente. Em janeiro de 2020, ele defendeu mudanças em livros didáticos distribuídos, afirmando que os materiais tinham “muita coisa escrita”.

Em frente ao Palácio da Alvorada, um apoiador disse ao presidente que escreveu um livro e que entregou um exemplar a um integrante da equipe dele. Bolsonaro, então, respondeu que não tem tempo para ler. “Desculpa, eu não tenho tempo de ler livro. Já tem três anos que eu não leio um livro. Desde que eu assumi a Presidência não li mais nada”, respondeu Bolsonaro.

“Chefe, eu estou confessando, não tenho como abrir o livro. Não dá nem para ver a orelha do livro mais”, reforçou, ainda, o presidente. Quando questionado qual havia sido o último título que leu, não soube dizer. “A última biografia que eu li? Puxa vida, eu tenho uma péssima memória”, disse.

À CENARIUM, o cientista político Carlos Santiago fez uma análise da fala do presidente. Para ele, em um País com péssimos indicadores sociais como o Brasil, a alegação de Bolsonaro desestimula a leitura principalmente quando é feita pelo presidente da República.

“Um País como o Brasil, com péssimos indicadores educacionais, de muita pouca leitura de livros, de muita pouca compreensão da sua história, das suas culturas, das suas raízes, muito pouco conhecimento de seus autores, de seus poetas e filósofos, desestimular a leitura de livro é um absurdo principalmente quando esse desestímulo ou essa provação de desinteresse de leitura de livro parte do presidente da República, pois uma autoridade pública sempre é referência de modelo de pessoa e referência para ser seguida”, destaca Santiago.

“Um País em que há um enorme analfabetismo funcional, aquele que lê, mas não consegue interpretar sua leitura, o papel fundamental das autoridades é estimular a leitura de obras importantes, obras que o País produz por meio de seus escritores e, também, melhorar o sistema educacional brasileiro. Quando ele nega interesse, quando ele afirma desinteresse pela leitura, ele acaba dando um péssimo exemplo”, conclui ainda o cientista político.

Veja o momento da fala de Bolsonaro:

O presidente Jair Bolsonaro (PL) diz que não lê um livro há três anos (Reprodução/ Youtube)

Conhecimento de gestão

O sociólogo e professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Luiz Antonio, parte do mesmo princípio de que o posicionamento de Bolsonaro é um desestímulo para a população, principalmente às crianças.

“Um presidente da república, um governante, não precisa ser necessariamente um intelectual, mas ele precisa ser uma pessoa sensível no sentido plural da expressão. Um presidente sensível não precisa ser um leitor voraz, ele nem tem tanto tempo pra isso se ele trabalha, mas ele precisa ser um sujeito atualizado com as informações do seu País, com os elementos, as análises socioecônomicas, climáticas, do setor industrial”, diz ele.

“Ele desautoriza toda a comunidade educacional quando faz um esforço enorme pra estimular que as crianças não se tornem leitoras. Quando ele festeja que não esta lendo há não sei quanto tempo, ele está sinalizando algo assim ‘Se nem o presidente da República lê, por que eu tenho que ler?’”, finaliza o sociólogo.

‘Muita coisa escrita’

Ao defender as mudanças nos livros didáticos, Bolsonaro disse, também diante de apoiadores em frente ao Palácio da Alvorada, que os materiais tinham “muita coisa escrita” e que o que seria entregue a partir de 2021 seria feito integralmente por seu governo.

“Tem livros que vamos ser obrigados a distribuir este ano ainda levando-se em conta a sua feitura em anos anteriores. Tem que seguir a lei. Em 2021, todos os livros serão nossos. Feitos por nós. Os pais vão vibrar. Vai estar lá a bandeira do Brasil na capa, vai ter lá o Hino Nacional. Os livros hoje em dia, como regra, é um amontoado. Muita coisa escrita, tem que suavizar aquilo”, disse o presidente.

Perda de leitores

A 5ª edição da pesquisa ‘Retratos da Leitura no Brasil’ revelou que três em cada 10 brasileiros têm dificuldades para compreender livros, e que a taxa de leitores caiu entre quase todas as faixas etárias. O números mostraram ainda que apenas 52% dos brasileiros têm o hábito de ler e três em cada 10 pessoas no País declaram ter dificuldades para compreender livros.

Os dados da pesquisa produzida pelo Instituto Pró-Livro e pelo Itaú Cultural classifica como leitores aqueles que leram pelo menos um livro, inteiro ou em partes, nos três meses anteriores à entrevista. A pesquisa entrevistou 8.076 pessoas, de 208 municípios, entre outubro de 2019 e janeiro de 2020.

Desde 2015, a queda mais brusca nos índices de leitura no Brasil ocorreu entre os mais ricos e escolarizados. De todas as faixas de renda familiar, a que mais caiu foi a que recebe mais de dez salários mínimos, com uma redução de 12 pontos percentuais, de 82% para 70%. Entre os que têm renda familiar de cinco a dez salários mínimos, a queda foi de 11 pontos. Todas as faixas inferiores tiveram reduções menores, de no máximo quatro pontos percentuais.

O percentual de pessoas com ensino superior que são leitoras caiu de 82% para 68%. Essa foi a maior queda entre todos os níveis de escolaridade. Por outro lado, a pesquisa revelou um aumento nas crianças de cinco a dez anos que gostam de ler. Em todas as outras faixas etárias, a taxa de leitores caiu. Proporcionalmente falando, as classes A e B leem mais, porém, em números absolutos, o número de leitores nas classes mais baixas é maior. 

Segundo a pesquisa, 17% dos leitores preferem ler os livros digitais e 16% leem tanto e-books quanto livros físicos. Ainda, 22% dos brasileiros leitores afirmaram que o preço é o principal fator na hora de comprar um livro. 88% dos leitores de livros digitais baixaram o e-book gratuitamente, e apenas 18% pagaram para fazer o download.