‘Rios de Aço’: rodando cidades de RO, filme vai retratar a vida real dos ‘habitantes’ da BR-364

O diretor Lucas Oliver anunciou o novo projeto com exclusividade, em entrevista à REVISTA CENARIUM (Thiago Alencar/CENARIUM)

25 de julho de 2022

20:07

Iury Lima – Da Agência Amazônia

VILHENA (RO) – Vendedores ambulantes, andarilhos, motoristas. Gente que vive das estradas e dos longos caminhos que cortam – e conectam – o Brasil. Essas pessoas e o modo de vida delas serão o grande foco de “Rios de Aço”, nova aposta cinematográfica do diretor rondoniense Lucas Oliver.

O longa-metragem, idealizado, inicialmente, como uma série para streaming, promete rodar cidades de Rondônia com circuito de gravações no decorrer deste segundo semestre. No centro da trama, estará a personagem Luiza, uma mulher de meia-idade que ganha a vida como mascate na principal rodovia do Estado.

Oliver anunciou o novo projeto com exclusividade, em entrevista à AGÊNCIA AMAZÔNIA. Segundo o diretor, a ideia é retratar, justamente, as histórias reais ligadas à estrada e que passam, muitas vezes, despercebidas por todos nós, ao mesmo tempo em que apresenta “uma visão mais intimista” sobre a BR-364, com linguagem crítica e poética. 

“Luiza mora na estrada, em uma Kombi, e precisa fazer as vendas dela para sobreviver. Esse é um dos vários sistemas de vida que existe nas rodovias. É através desse trajeto, como vendedora, que ela vai descobrindo vários sistemas de vida. Na verdade, ela já conhece, mas através do olhar dela como testemunha, durante o filme, nós vamos conhecendo, também”, revelou Lucas Oliver.

“A atriz vai ter o grande desafio de atuar ao lado de pessoas reais. Esse é um filme totalmente diferente por conta disso”, continuou. “Ela chega, diz que tudo está sendo filmado, e segue interpretando a protagonista ao lado de pessoas que moram ali, que vivem da BR, do transporte e, daí, pode demais”, detalhou ainda o diretor.

‘Rios de Aço’ é a segunda produção cinematográfica do jovem diretor Lucas Oliver (Acervo Pessoal/Reprodução)

Rio ’emoldurado’

Oliver, que estreou com o curta-metragem “Parecis”, também gravado em Rondônia, mudou completamente o set de gravações. Deixou os encantos da Amazônia e do Cerrado, os segredos e os conhecimentos dos povos tradicionais retratados em sua primeira obra, para encontrar significado na dura e constante rotina das estradas. Com este novo cenário, que também já vem pronto, ele promete um potente longa regado a drama. 

“Eu senti uma mudança muito brusca também. Há pouco mais de dois meses, quando nós passamos fazendo testes e visitas às locações, vimos que tudo estava verde e bonito ainda (…) havia vida às margens. Já na última semana, quando passamos, novamente, acabamos vendo fogo e lixo mais à vista. Então, é um lugar que está em constante transformação. Mas o que a gente também descobre é que a BR-364 é muito viva. São vidas e vidas que dependem da rodovia para garantir a sua estabilidade. As pessoas não conhecem as vidas em volta da rodovia”, contou. 

A equipe de produção realizou testes e comparou a evolução da BR-364 com imagens dos últimos 40 anos, em Rondônia (Rios de Aço/Divulgação)

“A poesia, aqui, em ‘Rios de Aço’, é diferente”, garantiu. “Ela é mais dura, mais crítica e mais pessoal também. A estética é brutalista, limpa, crua (…)  A gente quer fazer um cinema verité, então, eu acho que a poesia aqui, vai vir, também, de forma visual, e cada um vai ter uma interpretação muito profunda do que é o seu ‘Rio de Aço’, hoje”, acrescentou.

Já quanto ao nome, Lucas diz que se trata de uma analogia à poesia “A Flor e a Náusea”, de Carlos Drummond de Andrade. “Ele chama as rodovias de rios de aço, por causa do asfalto. Além disso, comparando as imagens aéreas que fizemos com drone, com as imagens feitas de avião, quarenta anos atrás, nós percebemos o quanto a natureza foi desmatada para a implantação da BR. Hoje, é como se ela tivesse feito uma moldura às margens da rodovia. Não que ela tenha se adaptado, mas que ela tenha, realmente, emoldurado a rodovia como se fosse um rio”, explicou Oliver.

Por que a BR-364?

O fato de a BR-364 ser a principal via de acesso do Estado para escoar e importar produtos não é o único motivo para a escolha como cenário. “É uma rodovia, genuinamente, rondoniense”, diz o autor e diretor de “Rios de Aço”.

“Ela foi construída desde lá do Sudeste com o intuito de atravessar Rondônia, o ‘Portal da Amazônia’. Só por conta disso, já seria motivo o bastante para a escolha. Outro fato é que ela corta de ponta a ponta o Estado, nos levando daqui de Vilhena para Porto Velho; ligando Rondônia ao Acre, ao Amazonas e tudo mais. Por isso, conforme o filme vai se dirigindo ao longo de Rondônia, a BR revela as belezas e os desafios de cada trajeto”, detalhou ele à reportagem.

Filme vai contar a história de vendedores ambulantes, andarilhos, nômades, motoristas e de quem mais vive da principal rodovia de Rondônia (Reprodução)

Bolsonaro, inimigo da arte

Na avaliação do diretor, o presidente da República Jair Bolsonaro mais atrapalha a classe artística do que ajuda. Nesta fase de pré-produção, “Rios de Aço” conta com a Lei Paulo Gustavo – que foi alvo de ataques de Bolsonaro. O resultado disso é um atraso na produção, não só para ele, mas para muitos outros artistas Brasil afora.

“O primeiro veto atrasou o processo em quase dois meses, porque a lei federal funciona assim: temos a primeira instância governamental, que vai fazer a parte de aplicação estadual e, depois, passa para os municípios. Cada município tem até 30 de dezembro para executar a lei e pagar todos os artistas. Quando a gente sofre um veto, todo esse processo atrasa em dois meses, ou seja, tudo vai ter que ser feito às pressas, muitos artistas vão, infelizmente, ficar de fora. Não vão conseguir entregar produção, não vão conseguir montar roteiro, muito menos escrever edital. E muita gente depende desse dinheiro para sobreviver”, lamentou.

Produção conta com a lei de incentivo à cultura Paulo Gustavo (Rios de Aço/Divulgação)

Compromisso cultural

Oliver, além de diretor de cinema, é, também, agente cultural. Ele deixou, recentemente, a cadeira de diretor-artístico que ocupou por quase dois anos na Fundação Cultural do município de Vilhena, a 706 quilômetros de Porto Velho. Diz ter visto muita transformação, mas teme que os trabalhos não sejam mais levados tão a sério, devido ao momento de incerteza política que vive o município, com a cassação do prefeito Eduardo Japonês (PSC) e da vice Patrícia da Glória (PV), além da determinação de novas eleições, enquanto a cidade é gerida por gestão interina.

“Uma Fundação Cultural tem, hoje, um papel muito importante para qualquer município. O dever dela é incentivar e fomentar a cultura. E a gente tinha uma fundação que tinha um papel distorcido, que em vez de fomentar, realizava, sendo que ela deve ser a ponte para que artista realize e aquilo se torna uma ação cultural. Daí, então, pensamos em dar meios para que eles realizassem os trabalhos e foi um caminho sem volta: a fundação evoluiu, vamos dizer, uns quarenta anos nesse tempo”, avaliou.

Oliver avalia que a Fundação Cultural de Vilhena evoluiu cerca de 40 anos durante a última gestão (Prefeitura de Vilhena/Reprodução)

“Hoje, depois de um ano e meio, ainda não está excelente, mas, nós conseguimos, colocar a fundação no mapa e mostrar suas atividades. Por outro lado, parte dos artistas ainda não acreditam muito na máquina pública e, quando esses problemas de gestão acontecem, se perde ainda mais a credibilidade, pois, o trabalho não tem continuidade. Independente da gestão, é necessário que o artista saiba onde ficam as portas e as janelas da fundação, onde chegar, com quem falar, a quem cobrar. De todo modo, meu compromisso com a cultura vilhenense continua, com certeza”, garantiu.

Estreia em 2023

De acordo com o diretor, “Rios de Aço” deve chegar ao público no ano que vem, mas haverá uma  Premier ainda no final de 2022.

“A ideia é colocar o filme nos festivais internacionais de cinema, porque é um longa e a gente quer tratá-lo como ele merece, com toda dedicação. Em ‘Parecis’, não tivemos uma estratégia de marketing como se deveria, pois era um filme de baixo orçamento. Já com ‘Rios de Aço’, a gente quer levar mesmo as histórias de Rondônia, a história das margens da BR-364, para o mundo, com pessoas reais. E eu acho que isso é o que vai fazer com que a gente tenha a atenção artística que nosso Estado merece”, finalizou Lucas Oliver.

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